O Plano Participativo ‘Modelar a Metrópole’ de Desenvolvimento Metropolitano do Rio

por Luisa Fenizola, em RioOnWatch

Integração metropolitana

Se o papel das cidades enquanto instâncias de planejamento e tomada de decisão foi reconhecido pela Constituição de 1988, que lhes garantiu maior autonomia, há um movimento mais recente de reconhecer que há questões que superam os limites dos municípios e demandam um esforço conjunto das prefeituras de diferentes cidades. Apesar disso já estar previsto no estabelecimento de regiões metropolitanas, desde 1973, com o intuito de “integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas” dos municípios envolvidos, a fraca presença de estruturas políticas e administrativas ao nível metropolitano dificulta essa missão. Não votamos, por exemplo, em representantes metropolitanos, não há secretarias metropolitanas nem políticas públicas metropolitanas. Há somente a possibilidade de cooperação entre as diferentes prefeituras.

Com o objetivo de aprofundar a gestão metropolitana, foi aprovado em 2015 o Estatuto da Metrópole, que estabelece as diretrizes gerais para essa integração do planejamento e da execução das funções públicas dos diferentes municípios, além de instrumentos de governança interfederativa, como o Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI). Para institucionalizar a gestão integrada e coordenar a elaboração do PDUI, foi criada em 2014 no Rio de Janeiro a Câmara Metropolitana de Integração Governamental, formada pelo governador, os prefeitos e o Grupo Executivo de Gestão Metropolitana para coordenar as ações da Câmara em termos de elaboração de diagnósticos e de proposições de planejamento e desenvolvimento urbano.

A gestão integrada é especialmente necessária para os 21 municípios que compõe a região metropolitana do Rio. Isso porque, entre outros, não é possível pensar a despoluição da Baía de Guanabara, que banha sete municípios diferentes, em iniciativas isoladas; porque as chuvas e o traçado dos rios não respeitam limites territoriais no caso de enchentes; porque todo dia 2 milhões de pessoas saem de seus municípios em direção à capital para acessar trabalho, estudo e serviços, percorrendo distâncias num raio de 70km em relação ao Centro do Rio.

O Plano Modelar a Metrópole

Assim, em 2015 o governo do Estado, por meio da Câmara Metropolitana e com financiamento do Banco Mundial, contratou um consórcio formado pelas empresas Quanta Consultoria e Jaime Lerner Arquitetos Associados para a elaboração do Modelar a Metrópole, ou Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano Integrado da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. O nome do Plano, com o verbo “Modelar” no infinitivo, traduz a orientação para o futuro que ele propõe no formato de possíveis cenários e instrumentos para orientar a tomada de decisão visando o desenvolvimento integrado da metrópole.

O processo de elaboração do Plano contou com a atuação de especialistas em seis eixos estruturantes (expansão econômica; patrimônio natural e cultural; mobilidade; habitação e equipamentos sociais; saneamento e meio ambiente; e reconfiguração espacial), além de incorporar insumos coletados a partir do diálogo com outros representantes do poder público e membros da sociedade civil, do setor privado, de universidades e de instâncias de classe. Ao longo dos três anos de elaboração do Plano, foram mais de 80 encontros (dentre oficinas regionais e de segmento), 94 apresentações das prévias do Plano para órgãos setoriais e sociedade civil, 22 grupos de discussão temáticos em torno dos seis eixos, cerca de 1800 especialistas ouvidos, 10 Pré-Conferências e uma Conferência Metropolitana e mais de 5000 presenças nos eventos realizados. Dentre os objetivos estavam abrir canais de participação mais direta, promover processos mais horizontais e aumentar a compreensão popular acerca dos temas tratados, de forma a reduzir desigualdades, assegurar a representatividade de todos os municípios no plano e contribuir para uma identidade metropolitana.

Essa participação está prevista no próprio texto do Estatuto da Metrópole, que prevê no artigo 6º, inciso V a “gestão democrática da cidade”, conforme definido pelo seu antecessor, o Estatuto da Cidade, que estabelece instrumentos de participação na gestão democrática da cidade (art. 43), na gestão orçamentária participativa no âmbito municipal (art. 44) e na participação social em organismos gestores das regiões metropolitanas e aglomerações urbanas (art. 45), como debates, audiências, consultas públicas e conferências sobre assuntos de interesse urbano. O artigo 12º determina especificamente que o PDUI deve obedecer esses mecanismos, não só na sua elaboração, mas na sua aplicação, por meio do acompanhamento e controle de suas ações, de audiências públicas e debates com a participação de representantes da sociedade civil e da população de todos os municípios da metrópole e da comunicação dos documentos e informações produzidos.

A participação vem ocorrendo tanto na elaboração de diagnósticos, quanto na priorização de propostas para saná-los. Um exemplo dessa participação foi a adaptação da proposta contida no Plano de uso dos mananciais das sub-bacias dos rios Guapi-Macacu e Guapiaçu, que inicialmente previa a construção de uma barragem, projeto antigo do governo do Estado ao qual os moradores se opõem pois alagaria as propriedades de mais de 300 produtores rurais e poderia ter consequências sobre a dinâmica climática da região. A partir da mobilização da sociedade civil e de um encontro específico organizado com os movimentos sociais de Cachoeiras de Macacu, a barragem foi retirada do Plano.

I Conferência Metropolitana

Além de influenciar a elaboração do Plano, a sociedade civil poderá acompanhar a sua execução. Ao longo das dez pré-conferências metropolitanas, organizadas por todo o território da metrópole, foram priorizadas 36 das 131 ações previstas no plano e foram eleitos 150 delegados e 30 suplentes para participarem da I Conferência Metropolitana, no último sábado, dia 26, no Teatro Popular em Niterói. Desses delegados, 119 foram representantes da sociedade civil. Na Conferência, cada segmento votou nos seus representantes para integrar o Fórum de Acompanhamento do Plano, que espelha o Conselho Consultivo da Agência Metropolitana, instância de execução das políticas e da governança metropolitana, prevista no Projeto de Lei Complementar 10/2015, mas ainda não votado na Alerj (devido a conflitos de interesse, como a percepção de que limitará a autonomia dos municípios).

O Fórum visa monitorar e fazer o controle social do governo, para que implemente as políticas públicas de acordo com o plano. Da sociedade civil foram eleitos na Conferência três representantes de ONGs (da Casa Fluminense, do ISER e da FASE), três representantes de órgão de classe (da OAB, SINTSAMA, e STI/PDAENIT), três representantes da academia (do Programa de Pós graduação em Sociologia e Direito da UFF, do Programa de Pós-Graduação Em Urbanismo da UFRJ e do Grupo de Pesquisa Natureza e Cidade da UFRRJ) e nove representantes de movimentos sociais (incluindo do projeto ReciclAção do Morro dos Prazeres, do Movimento Pró-Saneamento na Baixada, da Federação de Associações de Moradores de Maricá, Guapimirim e Japeri, da Confederação Nacional das Associações de Moradores, e do Fórum de Transparência e Controle Social de Niterói, do Pró-São Gonçalo, do Gomeia Galpão Criativo da Baixada). Também serão indicados 9 representantes do poder executivo do estado e dos municípios, 9 do poder legislativo e 9 do setor empresarial.

Cris dos Prazeres, uma das fundadoras do ReciclAção e uma das integrantes eleitas do Fórum, colocou: “Fiquei muito surpresa com a Conferência. Além da situação política grave do país e do nosso estado, estamos num momento de descrença, desânimo. [Daí] ver toda aquela gente reunida, com diferentes segmentos da sociedade! Achei incrível o quanto essa ação agregou diferentes saberes, olhares. No dia da Conferência ainda teve a paralisação dos ônibus por conta da greve dos caminhoneiros, [então] ter quase 80% das pessoas inscritas presentes foi maravilhoso. A organização foi nota mil! Sei o quanto é difícil trazer o público e mantê-lo focado”. E completou: “Acho espaços como esse extremamente construtivos para a construção de políticas públicas. São espaços de questionamento, sinergia, produção de saber. As pessoas precisam despertar uma consciência coletiva. No momento em que eu produzo conhecimento que melhora a vida do coletivo, melhora a minha também. E eles fazem com que sejamos catalisador de informação, pra que essa informação chegue aos nossos territórios, àqueles que não acessam esses espaço”.

Foram ainda priorizadas na Conferência 12 das 36 propostas de ação anteriores, que incluem a regularização urbanística e fundiária associada a investimentos sociais em favelas e periferias, o desenvolvimento agroecológico sustentável do território periurbano da região, o estabelecimento de redes de tempo seco para suprir necessidades de esgotamento sanitário, a conservação e o controle da poluição das bacias dos mananciais, a implantação da coleta seletiva e a destinação dos resíduos sólidos para cooperativas de reciclagem, o fortalecimento de outras centralidades urbanas na metrópole, a implementação da Linha 3 do metrô entre São Gonçalo, Niterói e Itaboraí, a utilização da estrutura ferroviária e do transporte aquaviário na Baía de Guanabara para transporte em massa de passageiros e o fortalecimento da Agência Metropolitana e do planejamento integrado.

Cris rebate a crítica que alguns fizeram de que por se tratar de um plano metropolitano, não há muitas ações voltadas especificamente para favelas: “O cidadão da favela é o cidadão da cidade, do estado. Eu olho como um todo, não consigo fazer essa divisão. Se a gente mantém a cidade partida, olhando sempre para duas cidades dentro de uma, a gente atropela o próprio discurso de participação. A gente quer ver a política pública acontecendo na casa desse sujeito e também no resto da cidade por onde ele passa”. Com respeito ao investimento especificamente nas favelas, ela destaca: “O que a gente tem de serviço aqui não alcança a população mais pobre, em primeiro lugar porque os dados, as informações que estão sendo produzidas, o censo, deixam mais da metade da população de favela invisível”.

A versão final do Plano será entregue, após a incorporação da priorização feita pela sociedade civil, em junho desse ano.

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