Pesquisa Datafolha aponta que mais da metade dos brasileiros (53%) afirma não ter interesse nenhum pela Copa do Mundo, que começa, nesta quinta (14), com um clássico da democracia – Rússia e Arábia Saudita.
No final de janeiro, antes da promessa de uma grande retomada do emprego fazer água, de denúncias de corrupção contra Temer, da greve dos caminhoneiros, de uma intervenção federal na segurança pública do Rio, de mais denúncias de corrupção contra Temer e de toda convulsão provocada pela prisão de um ex-presidente, o índice era de 42%.
Logo antes da Copa de 2014, o Datafolha apontou que 35% da população não tinha nenhum interesse no campeonato. Contudo, tão logo o mundial começou, muitos que antes gritavam ”Não vai ter Copa” entraram no modo euforia, assistindo aos jogos com amigos, comemorando, coalhando as ruas de gente. O campeonato foi aqui e isso contribuiu porque a vida virou uma grande feriado durante um mês. Mas não é só isso.
A medição do desinteresse pela Copa é um bom termômetro para o estado de espírito geral da população. Esse número, 53%, refere-se ao desalento no país. A Copa pouco tem a ver com isso (no que pese a CBF ter sim). Mesmo que o país for campeão, isso não irá resgatar milhões de brasileiros de sua vida de merda. Ou seja, com taça ou sem, passada a ressaca, tudo volta ao normal no meio de julho.
Mas bastam um ou dois jogos com uma boa atuação da seleção brasileira e uma quantidade respeitável de gols para que as atenções se voltem ao campeonato. Ou menos que isso.
Deveríamos estar acostumados a esse comportamento de ”pausa na realidade” uma vez que fazemos isso todos os anos no Carnaval, que funciona como uma breve interrupção no curso de nossas tragédias cotidianas. O que é necessário, por que resumir a vida aos seus problemas é desesperador.
Muitos não gostam desse esporte, como também não são chegados em samba. Mas esses momentos mudam a percepção coletiva. Somos instados a sair da rabugice das crises, um descanso por um punhado de dias. É a festa em si, mais do que o futebol ou o samba. O que está, inclusive, em nossa constituição como povo e sociedade.
Sabemos que, ao longo de nossa história, o futebol foi utilizado para fins políticos. Não faltam livros, teses e documentários para quem quiser se informar sobre a ditadura militar e a Copa de 1970, na qual ganhamos o direito de derreter a Taça Jules Rimet.
Mas não há uma relação direta entre continuidade, ruptura e quem ganha a Copa desde a redemocratizacão. Em 1994, levamos a Copa e o ministro da economia foi eleito presidente. Em 1998, perdemos e Fernando Henrique foi reeleito. Em 2002, ganhamos e Lula chegou ao poder. Em 2006, perdemos e ele foi reeleito. Em 2010, perdemos, mas Dilma manteve o PT no poder. Em 2014, levamos o antológico sacolé de 7 a 1 e Dilma foi reeleita. Pode-se discutir 1994 e 2002 sob a ótica do sentimento de mudança, claro. Em 2018, quem sabe? Há muitos elementos em jogo.
A TV perdeu grande parte de sua poder de formação simbólica da sociedade com a competição trazida por outras fontes de informação na internet. Mas se foi capaz de ajudar a bombar as manifestações pelo impeachment, sendo apontadas por pesquisadores como grandes responsáveis por inflar as vias públicas com um mar de gente vestindo a camisa da ilibada CBF em 2015, não tenho dúvidas que vai se esforçar em repetir a dose agora.
Em tempo: Mesmo diante do desalento, há fé. Um senhor me contou na rua estar participando de um mundaréu de bolões só para ver se tira um cascalho extra para pagar as dívidas. É brasileiro, não desiste nunca.
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Foto: Luis Moura/Estadão