Apesar da paranoia dos ricos, 85% dos refugiados estão em países pobres, por Leonardo Sakamoto

no blog do Sakamoto

As imagens de crianças separadas dos pais pelo governo dos Estados Unidos ao tentarem entrar de forma ilegal no país provocaram comoção internacional. Adultos são processados criminalmente e encaminhados a presídios federais, enquanto crianças ficam em abrigos. Os vídeos que circularam pela imprensa norte-americana mostram montes delas, enjauladas, chorando. Antes, as famílias permaneciam unidas em centros de detenção.

Durante a campanha de Donald Trump à Presidência, o tema da migração ganhou destaque com o então candidato culpando os trabalhadores estrangeiros por desgraças que acontecem em solo norte-americano – de estupros ao tráfico de drogas. Desde então, está obsessivo com o prolongamento do muro isolando o México dos Estados Unidos e chegou a anunciar o veto à entrada de muçulmanos.

Corporações de países ricos ou em desenvolvimento superexploram territórios na periferia do mundo ou seus governos promovem conflitos armados em nome de recursos naturais ou de interesses geopolíticos. Comunidades sofrem com isso e são obrigadas a deixar suas casas. Daí, vão bater as portas de países ricos ou em desenvolvimento, mas nem todos os recebem de braços abertos, apesar de serem cúmplices do sistema que os expulsou.

Em todo o mundo, culpamos os migrantes por roubar empregos, trazer violência, sobrecarregar os serviços públicos porque é mais fácil jogar a responsabilidade em quem não tem voz (apesar de darem braços para gerarem riqueza para o lugar em que vivem) do que criar mecanismos para trazê-los para o lado de dentro do muro que os separa da dignidade ou políticas para evitar e reduzir conflitos em suas terras de origem.

Qualquer pessoa que estuda migração sabe que esse fluxo de gente tem sido fundamental para a economia do centro rico. Países desenvolvidos, como os Estados Unidos, apesar de venderem o discurso de que querem barrar a migração não-autorizada, sabem que dependem dela para ajudar a regular seu custo da mão de obra. É cômodo deixar uma massa de pessoas ao largo dos direitos por serem invisíveis, mas com muitos deveres e baixa remuneração. Mas o que são favelas e cortiços senão campos de refugiados econômicos?

O relatório ”Tendências Globais”, do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), mostra que 85% dos refugiados estão nos países em desenvolvimento, muitos dos quais são extremamente pobres e recebem pouco apoio para cuidar dessas populações. Outro dado importante: Quatro em cada cinco refugiados permanecem em locais vizinhos aos de seus de origem.

Semelhante à questão da violência urbana em cidades como o Rio: quem sofre as consequências são os pobres, mas os ricos acham que são eles os principais atingidos.

O número de pessoas forçadas a deixarem suas casas – deslocando-se internamente em seu país ou buscando refúgio fora – chegou a 68,5 milhões em 2017, de acordo com o Acnur, o que significa 2,9 milhões a mais que no ano anterior. O principal grupo continua sendo os da Síria (12,6 milhões), seguido por Afeganistão, Sudão do Sul, Mianmar (por conta da violência contra a minoria rohingya) e Somália.

No Brasil, como relata Patrícia Campos Mello, na Folha de S.Paulo, desta terça (19), mais que dobrou o número de refugiados, dos que pediram refúgio e daqueles que estão com permissão temporária de residência. Em 2017, foram 148.645 pessoas, principalmente por conta da crise humanitária venezuelana.

É normal que tenhamos medo daquilo ou daqueles que não conheçamos bem. Daquilo que é ”de fora”. Mas esse medo é infundado, equivocado, preconceituoso. Os migrantes estrangeiros vêm buscar oportunidades de vida que não são encontradas em seu país, fugindo de guerras ou de desastres naturais. E muitos também vieram atendendo a um chamado por mão de obra. Sim, esse fluxo migratório respondeu à demanda por força de trabalho no Brasil, que cresceu até o começo deste década. Determinadas ocupações já não são preenchidas apenas por brasileiros, como empregadas domésticas, costureiras, operários da construção civil e de frigoríficos. E há jovens brasileiros de classes mais baixas que não querem ser costureiros ou empregadas domésticas. Preferem se aventurar como atendentes de telemarketing, que é o novo proletariado urbano.

Todos estão produzindo riqueza por aqui. Mas sob a perspectiva mal informada de parte população, contudo, eles vêm ”roubar” empregos. Isso quando o preconceito não descamba para a paranoia de que todos sejam ladrões de relógios, joias, carros e casas. A verdade é que muita gente, de Roraima a São Paulo, passando por Brasília, quando questionada, não sabe de onde vem o incômodo que sente ao constatar centenas de venezuelanos andando nas ruas. Mas se fossem loiros escandinavos ricos pedindo estada ao contrário de indígenas pobres, a história seria diferente. Ou seja, para muita gente, o problema é racismo e preconceito de classe mesmo. Com todas as letras.

O governo federal demora para viabilizar e financiar estruturas de acolhida, apoio e intermediação oficial de mão de obra de modo a evitar a superexploração e o trabalho escravo de venezuelanos, bolivianos, paraguaios, haitianos, chineses que acontece em oficinas de costura, canteiros de obras e até pastelarias.

A história de nosso país, mas também dos Estados Unidos, é uma história de migrações, de acolher gente de todos os cantos do mundo (não tão bem, é claro – São Paulo, por exemplo, é a maior cidade nordestina fora do Nordeste e, ao mesmo tempo, ostentamos ainda um preconceito raivoso e irracional). Não podemos esquecer que a maioria de nossos antepassados foi explorada até o osso quando aqui chegou. Pois a esmagadora maioria de nós é descendente de migrantes. Nossos avós eram os forasteiros que sofriam nas mãos dos estabelecidos. Hoje, somos nós os estabelecidos que criticam os forasteiros. Com exceção, é claro, dos indígenas, que sofreram – e ainda sofrem – um processo lento de genocídio.

A mobilidade deveria ser livre em todo o planeta. Afinal, se o capital não vê fronteiras, os trabalhadores também deveriam não serem barrados nelas. Ou morrer afogados ou à bala enquanto tentam ultrapassa-las.

Os mais irônico é que a decisão do presidente norte-americano de abandonar o Acordo de Paris, o que foi um retrocesso no combate às mudança climáticas, vai contribuir no médio e longo prazo com o crescimento de outro tipo de refugiado: o ambiental. Pois, à medida em que o nível do mar subir, tempestades e furacões destruírem áreas inteiras, secas e nevascas acabarem com criações de animais e plantações, vai aumentar o número daqueles que são obrigados a sair de casa para sobreviver.

O problema é que, no limite, não temos outro planeta para nos refugiar se este der errado.

Campo de refugiados em Angola. Foto: Leonardo Sakamoto

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