Da terra e do céu, por Janio de Freitas

Na Folha

Parte do mundo, parece, aprendeu alguma coisa com o passado. A política de tirar crianças dos seus pais não suscitou reação alguma, nem mesmo no Vaticano dos Pios 11 e 12, quando iniciada na Alemanha dos anos 1930. Logo pôde espalhar-se pela Europa, seguindo o horror das invasões nazistas. Os 2.300 casos de separação de pais e filhos, nos 40 dias da ordem de Donald Trump, submeteram esse algoz a reações internacionais que o obrigaram a apressado recuo.

O Brasil nada aprendeu — como sempre. Não se integrou ao grupo de países que pediram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos providências para sustar a ação contra crianças e famílias imigrantes ilegais. Meia dúzia de palavras sem sal, a título de desaprovação, bastaram ao governo brasileiro. Como reforço da evidência, os governistas Marco Feliciano (Podemos-SP) e Ezequiel Teixeira (Podemos-RJ) neutralizaram a proposta, de Chico Alencar (PSOL-RJ), de repúdio da Câmara à violação de direitos humanos por Trump.

É muito informativo, em vários sentidos, que 55% dos republicanos aprovem a separação violenta das famílias, contra menos de 10% dos democratas. Mas a crítica interna mais contundente veio de uma republicana célebre, Laura Bush, mulher do ex-presidente. Tirar crianças dos pais e “trancá-las em jaulas” equivale, a seu ver, à prisão dos nipo-americanos em campos de concentração nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra.

Entende-se agora que Trump, pouco antes que o engaiolamento de crianças chegasse ao público, tenha levado os Estados Unidos a repentino abandono do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Outro caso em que o governo deixou o Brasil na alienação.

Direitos humanos por aqui não vão melhor. Os índios que o digam. As crianças expostas aos tiroteios nem podem dizê-lo, morrendo agora por tiros do céu, bem apontados, não mais por balas a esmo. Casos que ganham atenção por alguns dias, para logo sucumbir à apatia ou ao assassinato seguinte. É necessário não faltar, no entanto, com o reconhecimento de que a recusa a barrar refugiados venezuelanos, na fronteira amazônica, é decisão sensata.

O mesmo não pode ser dito do modo como o Supremo autorizou a Polícia Federal a também negociar delação premiada. Foi o preparo de mais confusões. Um exemplo já pronto é o de Antonio Palocci. Sem conseguir a venda de sua delação aos procuradores da Lava Jato, ele fez a oferta à Polícia Federal, que fechou negócio. Há, então, um processo que se encaminha para condenação pesada, por falta da tal delação premiada, e outro com acordo para minimização ou extinção da pena. O Supremo não previu tal situação nem, portanto, qual prevalecerá quando haja sentenças contraditórias.

Em São Paulo são mais cuidadosos. A roubalheira na construção de uma linha do metrô (entre várias, linhas e roubalheiras), datando de 2005, só teve denúncia judicial do Ministério Público do Estado em 2014. Isso mesmo: a denúncia, para julgamento, foi feita um ano depois da prescrição do processo, ocorrida oito anos depois do fato gerador, ou em 2013. Pronto, já para o arquivo. E viva a pureza do PSDB.

‘O Grito’, de Edvard Munch

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