Comunidade Quilombola Braço Forte, em Salto da Divisa, MG não aceita despejo e lutará até o fim pela retomada de seu território

Por frei Gilvander Moreira

A Comunidade Quilombola Braço Forte, no município de Salto da Divisa, baixo Jequitinhonha, MG, reconhecida pela Fundação Cultural Palmares, está com ordem de despejo (reintegração de posse) do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e no dia 09 de agosto pode ser retirada à força pela Polícia Militar de seu território, caso não seja efetivado um justo processo de negociação. Tal decisão foi encaminhada, ontem, dia 28 de junho de 2018, em reunião com o Comando da Polícia Militar do 44º Batalhão de Almenara, MG, com presença do prefeito de Salto da Divisa, agentes de pastoral da Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG), representantes do Espólio de Euler Cunha Peixoto, da Fazenda Talismã, e as famílias da Comunidade Quilombola Braço Forte. Nessa reunião se discutiu o despejo das famílias do território que está em processo de retomada. Depois de muitas discussões, foi encaminhado que a Comunidade tem até o dia 30 de julho próximo (2018) para sair da terra voluntariamente. Caso contrário, a Polícia Militar poderá fazer a retirada forçada das famílias no dia 09 de agosto de 2018.

Entretanto, com apoio jurídico da Defensoria Pública do estado de Minas Gerais da Área de Conflitos Agrários e Povos Tradicionais, do Ministério Público de Minas da área de Conflitos Agrários e do Ministério Público Federal, a Comunidade Quilombola Braço Forte, a CPT, o CEDEFES e a Federação dos Quilombolas do estado de Minas Gerais reafirmam que a decisão judicial que manda reintegrar na posse da fazenda Talismã o espólio do latifundiário Euler Cunha Peixoto e, consequentemente, despejar as dezenas de famílias quilombolas é uma decisão ilegal, inconstitucional, imoral – UMA INJUSTIÇA QUE CLAMA AOS CÉUS! – e que não pode ser executada pelo Governo de Minas Gerais e nem pela Polícia Militar de Minas pelos argumentos expostos na Nota Pública divulgada ontem, dia 28/6/2018, disponível AQUI.

Entendemos que o justo e ético é a abertura de autêntico processo de negociação, sob coordenação da Mesa de Negociação do Governo de Minas Gerais com as Ocupações e Comunidades Tradicionais envolvidas em conflitos fundiários. Não é justo que a Comunidade Quilombola Braço Forte tenha seus direitos territoriais desrespeitados, pois os direitos territoriais das comunidades quilombolas estão garantidos no Artigo 68, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal de 1988. Neste artigo, a Constituição reconhece os direitos territoriais das Comunidades Quilombolas e diz que o Estado Brasileiro é responsável pela titulação das terras das comunidades quilombolas, mesmo que estas terras estejam sob o poder de terceiros. Tal direito foi regulamentado pelo Decreto Presidencial nº 4.887/2003. Neste sentido, o Governo Federal é responsável por meios de seus órgãos Federais – Ministério Público Federal, Fundação Cultural Palmares, INCRA e a Justiça Federal – por garantir os direitos da Comunidade Quilombola Braço Forte.

Caso ocorra o despejo, o Governo Federal será responsabilizado pela injustiça causada e não nos resta dúvida que será por cumplicidade do mesmo. Mas ainda dá tempo de agir, não deixando a comunidade ser despejada. Para tanto, é necessário que os órgãos governamentais, principalmente do Governo Federal, façam sua parte e suspendam o despejo transferindo o processo para a Justiça Federal, que é competente para julgar processos que envolvam comunidades quilombolas e encaminhe ações que garantam o Território da Comunidade Quilombola Braço Forte.

A justiça estadual (TJMG) decidir sobre assunto de competência da justiça federal é um absurdo jurídico e ético repugnante. Frisamos que a competência jurídica pelas comunidades quilombolas é da Justiça Federal e, assim sendo, não compete ao TJMG mandar ou não despejar a Comunidade Quilombola Braço Forte. Esperamos que o TJMG reconheça sua incompetência para julgar esse caso e acolha petição do Ministério Público estadual nesse sentido.

É necessário garantir o alcance do referido aparato jurídico, que tem por prerrogativa identificar e assegurar os direitos territoriais dessas comunidades, buscando combater arraigadas práticas de exclusão que,  historicamente, incidem no dia a dia das comunidades quilombolas que em seus processos de lutas históricas vêm buscando o direito à dignidade humana.

A identificação das terras públicas devolutas em poder de latifundiários no município de Salto da Divisa poderá abrir caminho para a solução justa e pacífica desse conflito agrário e fundiário sem precisar de uso da força policial. Alertamos que “72,2% das terras do município de Salto da Divisa são presumivelmente terras públicas devolutas” (Tese de Doutorado na UFMG, MOREIRA, 2017). Há sérios indícios de grilagem de terra na região. Apenas duas famílias – Cunha e Peixoto – controlam a quase totalidade das terras do município.

A história mostra que jamais polícia resolve problema social. Problema social se resolve de forma justa e pacífica com Política e jamais com polícia. É inadmissível cumprir uma decisão judicial sem base jurídica e constitucional. Os direitos territoriais e todos os outros direitos das Comunidades Quilombolas precisam ser assegurados.

Alertamos também que a prefeitura de Salto, a assistência social de Salto e a EMATER têm missão de cuidar de todos os seus munícipes e não devem se curvar diante de decisões judiciais injustas oferecendo paliativos para a realização de despejo de Comunidade Quilombola.

Ressaltamos que a região do Vale do Jequitinhonha é a 2ª região em maior número de comunidades quilombolas do Brasil.

Repudiamos a forma tendenciosa do major Walter Aparecido, do 44º BPM, que demonstra postura pró latifúndio e pressiona pelo cumprimento de uma decisão judicial que, sabemos, é ilegal e inconstitucional, pois não é competência do TJMG decidir sobre conflitos que envolvem comunidades quilombolas. Repugnante ler na Ata da reunião com a PM, de ontem, 28/6/2018, que a prefeitura de Salto da Divisa se compromete a oferecer auxílio moradia, caso aconteça o despejo, para apenas cinco famílias, sendo 200,00 por famílias e por apenas 3 meses, prorrogáveis por mais 3 meses. Isso é migalha da migalha. Os quilombolas têm direito ao seu território e a todos os direitos constitucionais e não apenas a migalhas. Uma quilombola perguntou ao prefeito se ele arrumaria casa e emprego de forma definitiva para todas as famílias. O prefeito de Salto da Divisa disse que pode auxiliar apenas de forma humanitária, ou seja, com paliativos que provocam morte lenta, mas jamais respeitarão a dignidade humana.

Reiteramos a solicitação ao Ministério Público Federal (MPF) para manifestar judicialmente sua competência técnica e jurídica para atuar nesse conflito agrário e solicitar a transferência do Processo para a Justiça Federal, cumprindo, assim, sua missão que é a de defender todas as Comunidades Quilombolas.

Solicitamos ao Coordenador da Mesa de Negociação do Governo de MG com as Ocupações e Comunidades Tradicionais, Tadeu Davi, que convoque COM URGÊNCIA reunião da Mesa de Negociação para tratar do Conflito Agrário e fundiário que envolve a Comunidade Quilombola Braço Forte.

Solicitamos também ao Governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, que por meio da SEDA (Secretaria Extraordinária de Desenvolvimento Agrário) analise a cadeia dominial da fazenda Talismã e da Fazenda Pratinha, fazenda contígua à área em processo de retomada pela Comunidade Quilombola Braço Forte, e identifique as terras devolutas existentes nas duas fazendas.

DESPEJO, NÃO; NEGOCIAÇÃO, SIM! Pelos direitos dos quilombolas, lutaremos sempre!

Assinam essa Nota Pública:

Coordenação da Comunidade Quilombola Braço Forte;

Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG);

Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES);

Federação das Comunidades Quilombolas do estado de Minas Gerais.

Belo Horizonte, MG, 29 de junho de 2018.

Obs.: O vídeo, abaixo, ilustra a Nota, acima.

Foto de Jorge Alexandre, da Comunidade Quilombola Braço Forte, em 27/6/2018

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