Governo Temer minimiza incidente com a Hydro e diz que poluição é “de caráter agudo” em Barcarena

Defesa Civil classificou o desastre ambiental como “derramamento de produtos químicos em ambiente lacustre, fluvial e marinho.”

Por Catarina Barbosa , no Amazônia Real

Belém (PA) – Esta semana completou cinco meses que os moradores das comunidades tradicionais de Barcarena, no nordeste do Pará, denunciaram à Justiça o transbordo de efluentes (lama vermelha) da bacia de rejeitos DRS 1 da refinaria norueguesa Hydro Alunorte. Segundo a prefeitura de Barcarena, 2.007 famílias (cerca de 10 mil pessoas) das comunidades de Burajuba, Vila Nova e Bom Futuro, atingidas pelo incidente, ainda necessitam de água potável. A mineradora, por determinação do Ministério Público Federal (MPF), já forneceu 82.700 mil litros do líquido, depois que os rios, lagos e poços artesianos, ficaram contaminados por poluentes tóxicos, conforme apontaram laudos do Instituto Evandro Chaves (IEC), órgão ligado ao Ministério da Saúde. 

Um relatório do Comitê de Gestão e Avaliação de Resposta à Contaminação Ambiental no Município de Barcarena, criado por decreto federal em março deste ano e coordenado pela Casa Civil da Presidência da República, analisou os cenários observados na região entre os dias 26 e 27 de abril – depois de dois meses do desastre ambiental, e classificou “que os incidentes ocorridos em Barcarena, como o acontecido com a empresa Hydro Alunorte, geraram poluições de caráter agudo (muito intenso), com a tendência de retorno às condições anteriores dias após o fato”.

Conforme o documento, do qual a agência Amazônia Real teve acesso, “os eventos adversos entre os dias 16 e 19 de fevereiro de 2018 trouxeram indícios de contaminação ambiental na região de Barcarena e que necessitam ser melhor estudados”.

O relatório, que tem 25 páginas (pode ser lido aqui), diz que desde 1º de maio, Barcarena está sob situação de emergência reconhecido pelo governo federal. De acordo com o relatório do Comitê, a Defesa Civil reconheceu o desastre ambiental com o código COBRADE (sigla para Classificação e Codificação Brasileira de Desastres) no.  2220 – “Derramamento de produtos químicos em ambiente lacustre, fluvial e marinho”.

Essa “tendência de retorno às condições anteriores dias após o fato” do impacto ao meio ambiente, segundo o Comitê Federal, foi apontada pelos especialistas do IEC durante reunião com o Comitê. “Não obstante, há população vulnerável a tais eventos, portanto as rotas de exposição das fontes poluidoras devem ser restabelecidas”, diz o relatório, que recomendou que dados de monitoramento contínuo sejam obtidos junto à Universidade Federal do Pará.

O Comitê de Gestão e Avaliação de Resposta à Contaminação Ambiental no Município de Barcarena é formado por representantes do governo do presidente Michel Temer (MDB), sendo coordenado pela Casa Civil e com integrantes dos ministérios da Saúde, Direitos Humanos e Integração Nacional, além do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

O relatório destaca que o Ibama aplicou duas infrações ambientais contra a mineradora norueguesa e a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará constatou irregularidades, tendo emitidos sete autos de infração e embargado 50% das atividades da Alunorte.

A Hydro Alunorte nega o vazamento da barragem de rejeitos de bauxita. A mineradora, que é de propriedade da multinacional norueguesa Norsk Hydro, se recusa a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) proposto pelo MPF e pelo MP do Pará, para desenvolver ações emergenciais para precaução, prevenção e cessação de danos ambientais em Barcarena. É previsto ainda no TAC o pagamento de dois salários mínimos para cada família atingida, a fim de que elas possam se sustentar.

No entanto, a Hydro Alunorte anunciou a criação do projeto Barcarena Sustentável, que vai disponibilizar R$ 100 milhões para ações sociais que seriam desenvolvidas em um período de 10 anos. O valor do investimento representa 2,5% do lucro líquido anual da empresa em 2017, que foi de R$ 4 bilhões.

Outras fontes de poluição

Durante a visita de campo às comunidades Bom Futuro e Vila Nova, o Comitê diz no relatório que “pôde-se perceber que há outras possíveis fontes de contaminação, tais como, o uso e ocupação do solo de forma desordenada e irregular, complexo industrial e problemas na estrutura de saneamento com destaque para a questão dos resíduos sólidos urbanos onde a existência de um lixão também pode configurar uma fonte de contaminação.” O lixão existe há  mais de 30 anos, afirmam os moradores (Leia depoimentos no final do texto).

O relatório destaca que “a precariedade dos serviços disponíveis à comunidade – agravada pelo fato de se localizarem em área não regularizada – potencializam o incidente. Assim, o Comitê Federal deve analisar a contaminação ambiental no município de Barcarena sem perder de vista o contexto no qual a região se insere”.

“Durante a visita ao lixão da comunidade de Bom Futuro não foi verificado qualquer tipo de controle ambiental. Ressalta-se que foi observada a existência de um canal de chorume que deságua em uma nascente do Rio Murucupi”, diz o relatório.

Em 2009, quando a Hydro era sócia minoritária da Alunorte – a majoritária era a então Companhia Vale do Rio Doce, a população de Barcarena foi exposta à contaminação de produtos tóxicos das bacias de rejeitos. Na ocasião, o Ibama aplicou três autos de infração contra a mineradora pela poluição e lançamento de bauxita no rio Murucupi. Segundo o Ibama, as multas somam R$ 17,1 milhões, mas a mineradora recorre e, por isso, não pagou até hoje.

O relatório do Comitê Federal diz ainda que, por conta da cláusula contida no artigo 5º da Constituição Federal, a água e o saneamento básico são considerados Direitos Humanos Fundamentais, ratificados em convenções, resoluções e declarações internacionais de direitos humanos. “Dessa forma existe preocupação em especial com a  falta de acesso ou restrição a esse direito”. Contudo, esse direito está garantido (as comunidades), segundo o documento, somente até o dia 1º de novembro deste ano.

Nas conclusões finais, o relatório – que foi assinado pelo Comitê em 17 de maio – sugere como ações em Barcarena para os próximos 30 dias: realização de um estudo de avaliação de risco à saúde humana; expansão do sistema de distribuição de água tratada na região; extensão ao polo industrial do mesmo modelo adotado pela Hydro no atendimento e tratamento das demandas com a população atingida pelo desastre. No entanto, o Comitê não cita que a mineradora atendeu à população por determinação da Justiça Federal, que acatou pedido do MPF.

O que diz o IEC?

Desde 2009, o Instituto Evandro Chagas (IEC) monitora a dinâmica hídrica da Bacia do Rio Pará e seus afluentes. Para o pesquisador em Saúde Pública da Seção de Meio Ambiente, Marcelo de Oliveira Lima, um dos autores dos estudos que atribuem a recente poluição das águas de Barcarena à mineradora Hydro Alunorte, o relatório do Comitê Federal confirma que a população do município vive em condições desumanas não só pelas questões de falta de saneamento e esgotamento sanitário, mas também pela recorrência dos crimes ambientais.

“O relatório mostra uma realidade que não é novidade para o IEC. Barcarena tem o pior saneamento do Brasil, uma ocupação desordenada, o problema do novo e do antigo lixão. Reforço que apesar dos outros contaminantes, não resta dúvidas que a DRS-1 transbordou. Temos além de fotos, análise químicas que comprovam o fato e a área analisada não sofre nenhum tipo de influência do lixão do Bom Futuro. Ou seja, a contaminação é dos efluentes da Hydro Alunorte”, afirma Oliveira Lima.

O pesquisador diz ainda que o próximo relatório divulgado pelo IEC vai trazer um panorama ainda mais detalhado sobre a contaminação. “Depois da nota técnica e dos dois relatórios preliminares aprofundamos ainda mais o estudo, analisamos sedimento, água, solo e tudo isso será divulgado em breve”, disse, informando que o documento está previsto para ser divulgado na primeira semana de agosto.

Segundo dados do Ministério Público Federal (MPF), até março de 2018 haviam 44 investigações abertas para apurar denúncias de irregularidades relacionadas à instalação e à operação das maiores empresas do polo industrial de Barcarena, incluindo o aberto em dia 17 de fevereiro para investigar incidente da Hydro denunciado pelas comunidades.

Lixão tem mais de 30 anos

Barcarena tem mais de 112 comunidades ribeirinhas e um total de 121.190 habitantes, segundo o último censo do IBGE. Além dos impactos ambientais da mineração, é crônica a situação do saneamento básico no município, que tem um lixão a céu aberto há mais de 30 anos, segundo os moradores. Em 2015, o naufrágio de um navio com quase 700 toneladas de óleo e cerca de 5.000 bois vivos impactou as praias e lagos, agravou a situação da lixeira.

Em 2017, a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES) classificou a cidade de Barcarena como sendo a pior no índice de saneamento do país, ficando em último lugar em coleta e o tratamento e destino final do lixo e esgoto produzidos. Segundo a ABES, o município paraense não possui local para destinação do lixo, apenas 10% do esgoto é coletado e nada é tratado.

O relatório do Comitê Federal diz que são fontes de contaminação em Barcarena “a estrutura de saneamento com destaque para a questão dos resíduos sólidos urbanos onde a existência de um lixão também pode configurar uma fonte de poluição; além de desastres e acidentes ambientais”.

A presidente do Conselho Fiscal da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama), Ângela Maria Vieira, questiona o relatório do governo federal quando cita o lixão. Ela diz que, além de Barcarena, o município de Abaetetuba também teve as águas contaminadas pelo desastre ambiental da Hydro Alunorte.

Os representantes do Comitê não visitaram o município de Abaetetuba, cidade em que o IEC diz a lama vermelha contaminou os mananciais.

“Hoje (17) está fazendo cinco meses de sofrimento na nossa comunidade e nada foi feito pelo povo que está sofrendo. Agora querem culpar o lixão? Abaetetuba está contaminada também, como o lixão vai contaminar até lá?”, questiona ela sobre o relatório do Comitê Federal apontar como potencial fonte de contaminação ambiental o lixão de Barcarena.

O pesquisador do IEC, Marcelo Oliveira Lima, esclarece a poluição do lixão de Barcarena com dados científicos. “De forma geral o lixão e os efluentes da Hydro Alunorte têm elementos químicos em comum: mercúrio; cádmio; arsênio; chumbo e manganês. Mas o fosfato e alcalinidade são peculiares da lama vermelha e essas características foram encontradas nas análises da água pós 16 de fevereiro e isso está nos relatórios do IEC. O lixão é outro contaminante, mas não é o responsável pelo que aconteceu em fevereiro”, detalhou o pesquisador.

Ele ainda aponta outro fator de contaminação da refinaria também perigoso à saúde humana e ao meio ambiente. “O canal de cinzas, cujo despejo ilegal foi assumido pela empresa (Hydro Alunorte), ao se misturar com a lama vermelha potencializa a carga de concentração dos elementos químicos. É como se eles se tornassem ainda mais danosos”, resume Oliveira Lima.

O pesquisador do Instituto Evandro Chagas faz um alerta sobre o panorama do caso Barcarena. “As análises só provam que a empresa não tem capacidade de tratar seus efluentes. Ela não consegue suportar a sua produção e por isso a bacia transbordou. Quando encontramos um dos tubos clandestinos, na presença da empresa, eles disseram que não sabiam do canal. Canais com 10 metros de diâmetro por 5 metros de profundidade jogando rejeitos não tratados direto no Rio Pará. Isso diz muita coisa”, afirma. 

Consequências da negligência

Gysele Brito do Espírito Santo, 28 anos, mãe de cinco filhos, diz que antes da lama vermelha da Hydro sua família já convivia com a poluição do lixão da comunidade Bom Futuro. Ela disse que, por causa do lixo, os filhos tomam remédios para inflamações na pele e alergias constantes. “O doutor me deu esses remédios no posto. Na hora eles melhoram, mas volta tudo de novo sempre”, diz ela.

Os filhos de cinco e três anos de Gysele têm várias marcas no corpo e se coçam constantemente, como observou a reportagem em visita à Barcarena. “Quando não é a aquela água vermelha é a água espumosa e fedida do lixão. Não tenho outra opção para usar essa água. Como vou fazer?”.

Para Elizeu de Souza, 18 anos, que trabalha como catador no lixão do Bom Futuro o mais complicado é que jogaram carcaças dos bois do navio que naufragou na região.

“Tem boi aí nesse buraco”, diz ele apontando para o lixão. “Aí quando a chuva vem forte o cheiro é muito forte. Eu e minha mãe trabalhamos aqui e o meu pai tá preso”, conta.

Sobre o problema do lixão, a prefeitura de Barcarena disse que está trabalhando para desativá-lo e que vai implantar uma usina de reciclagem de resíduos no município. “Um aterro sanitário (será instalado). Essas medidas estão inclusas no Plano Municipal de Resíduos Sólidos aprovado ano passado pela Câmara e sancionado pelo prefeito (Antônio Carlos Vilaça/PSC)”.

A tubulação do chorume

A presidente da Cainquiama Maria do Socorro Costa Silva também questiona o relatório do Comitê Federal no que se refere ao lixão. Ela diz que a equipe observou a existência de um canal e chorume que deságua em uma nascente do rio Murucupi. “Essa tubulação foi construída duas semanas após o transbordo da bacia DRS-1, em fevereiro. A gente fotografou tudo. Vimos a construção do tubo que joga o chorume no rio”, diz ela.

Rosilda Santos, moradora da comunidade Bom Futuro, afirma que o canal foi construído pela Prefeitura de Barcarena. “Vimos máquinas da prefeitura por aqui. Quando a gente perguntava para o que era o canal, eles diziam que era para escoar a sujeira do lixão. Agora sei que tão querendo botar a culpa no lixão, como se o canal foi construído depois”, indaga.

Procurada novamente pela reportagem da Amazônia Real, a Prefeitura de Barcarena disse que iria apurar a informação se o canal foi construído a mando do Município.

Mas para o aposentado Valdir Rodrigues Bastos, 69 anos, morador da comunidade de remanescentes de quilombolas Burajuba, o rio Murucupi não é mais o mesmo depois que foi atingido pelo desastre ambiental.  Ele lamenta quando lembra da época em que sua fonte de renda era o manancial. “Aqui tinha peixe, eu cheguei até a ter um criadouro há quatro anos, hoje ele não serve mais para nada. Aqui até o pobre do cachorro não vai para frente. Todo mundo vive doente, com dor de cabeça, diarreia”.

Bacia de rejeitos da refinaria Hydro em fevereiro de 2018. Foto: Pedrosa Neto

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