O Facebook anunciou, nesta quarta (25), que retirou 196 páginas e 87 perfis por participarem de “uma rede coordenada que se ocultava com o uso de contas falsas e escondia das pessoas a natureza e a origem de seu conteúdo com o propósito de gerar divisão e espalhar desinformação”.
Matéria da agência Reuters apontou que as páginas e perfis pertenciam ao grupo de ativistas de extrema-direita MBL, que acusou a plataforma de censura e prometeu usar todos os ”recursos midiáticos, legais e políticos” para reaver as contas, com ”consequências exemplares para essa empresa”.
A justificativa do Facebook é de que as páginas e perfis desrespeitavam o contrato assinado pelos usuários ao aderirem ao serviço. Teria sido violada a autenticidade – regra que inclui a proibição de criar, gerenciar ou perpetuar contas falsas, contas com nomes falsos e contas que participam de ”comportamentos não autênticos coordenados, ou seja, em que múltiplas contas trabalham em conjunto com a finalidade de enganar as pessoas”. Sobre a origem do conteúdo, sobre os destinos dos links externos, na tentativa de conseguir engajamento
O MBL nega que tenha que as contas retiradas sejam vinculadas a perfis falsos e acusa o Facebook de ”perseguir, coibir, manipular dados e inventar alegações esdrúxulas contra grupos, instituições e líderes de direita ao redor do mundo”.
De acordo com a explicação dada pelo Facebook, a rede não foi excluída por ser um grupo de páginas distribuindo notícias falsas. Mas porque, segundo a investigação da empresa, que envolveu profissionais dos Estados Unidos, Holanda, Índia, México e Brasil, entre outros países, havia um sistema elaborado voltado à manipulação do debate público. Uma operação capaz de colocar uma informação no centro da pauta de forma velada e pouco transparente, o contrário do que se pressupõe em uma democracia.
A construção de uma ”verdade” nas redes sociais se parece com uma cebola, como já exemplifiquei aqui. Por fora, grandes e sólidas. Retirando casca por casca, não sobra muita coisa nada. E isso vale para cebolas de direita, de esquerda, de centro. Tanto que a plataforma deve usar o mesmo padrão elaborado para esse caso a outras redes, independentemente da ideologia, até outubro.
Vale lembrar que as eleições brasileiras são o último ensaio antes das eleições legislativas norte-americanas de novembro. Se o comando do Congresso ou parte dele voltar aso democratas, Donald Trump terá problemas até o final de sua gestão.
A utilização de redes de perfis e páginas para manipular o debate público pode adotar diversos modelos. Abaixo, um deles:
1) Um perfil ou página de rede social que não informa seus responsáveis ou que usa nomes de pessoas que não existem publica um link de um site – que, não coincidentemente, pertence à mesma pessoa ou grupo. Normalmente, esses perfis são atualizados através de redes privadas que dificultam o rastreamento e a identificação dos usuários.
2) Um segundo perfil ou página que pertence à mesma pessoa ou grupo do anterior compartilha aquela publicação em sua rede, chamando mais atenção para o conteúdo.
3) Um terceiro perfil ou página que também pertence à mesma pessoa ou grupo dos anteriores compartilha a publicação do segundo.
4) Uma página com muitos seguidores, que faz parte da patota, compartilha a publicação do terceiro. Quanto mais externa a camada dessa ”cebola” digital, maior o número de seguidores e a proeminência.
5) Na hora de ser cobrada a respeito da origem das informações, a quarta página afirma que a informação veio de outra, que ela considera confiável, e que um monte de gente na rede compartilhou também.
6) A difusão de conteúdo na internet baseia-se em dois pilares: relevância (você precisa ser bom naquilo que fala) e autoridade (as pessoas reconhecem que você é bom ou confiável através de likes e compartilhamentos). Com isso, reputação é erguida a partir do zero sobre um assunto, empresa ou político.
7) Uma informação inverídica – como o envolvimento amoroso de Marielle Franco, vereadora carioca assassinada em março deste ano, com um traficante, replicada e reproduzida à exaustão, tornou-se ”verdadeira” para muita gente não por ter sido baseada em fatos, mas por ser difundida em massa e validada coletivamente.
8) Raramente alguém tem tempo ou paciência para procurar quem primeiro divulgou o conteúdo e verificar se veio de fonte que apurou de forma cuidadosa com o objetivo de informar ou foi montado de maneira sacana a fim de construir ou desconstruir percepções, candidaturas ou biografias.
9) Não raro, o nome do site do qual brotou a informação inicial tenta imitar veículos tradicionais da imprensa ou passar a imagem de uma fonte de conteúdo séria – Folha disso, Diário daquilo. E, não raro, está hospedada em um servidor fora do país, sob uma conta falsa ou com a proteção de um laranja.
10) Esse sistema todo parte do pressuposto que temos a tendência de considerar verdadeiro todo conteúdo com a qual concordamos e mentiroso, aquele do qual discordamos. Desmentir o que é espalhado pela rede de desinformação é uma tarefa inglória, portanto. Em uma sociedade ultrapolarizada como a nossa, as pessoas acreditam naquilo que corrobora sua visão de mundo e não aquilo baseado em fatos.
A rede excluída hoje é apenas a ponta do iceberg de um ecossistema extremamente complexo de manipulação da opinião pública que será usado tão exaustiva quanto silenciosamente durante a campanha eleitoral por todo o espectro político. Há construtores de realidade que vão se empenhar para controlarem a pauta da esfera pública ou para modelar desejos e vontades através de big data, psicometria e inteligência artificial até o final de outubro.
Toda essa estrutura custa dinheiro. De onde ele veio, é uma excelente pergunta.
Há uma guerra sendo travada nas redes sociais. Sem que a maioria de nós saiba, ao menos, o nome real daqueles que vão nos atingir.