Parte dos jovens ataca direitos humanos sem ter ideia do que isso seja. Por Leonardo Sakamoto

No blog do Sakamoto

A proporção de jovens eleitores de 16 e 17 anos aumentou de 23,9% para 29,5% da última eleição para cá, segundo análise da Folha de S.Paulo sobre dados do IBGE e do Tribunal Superior Eleitoral. Isso representa um aumento de 250 mil pessoas entre os alistados para votar nessa faixa etária. O que, segundo a reportagem, é a primeira alta desde 2006.

Essa geração foi influenciada pelas Jornadas de Junho de 2013 e pelo processo de impeachment de Dilma Rousseff. Mas sua trajetória vem sendo construída na vivência diária, na percepção de diferentes identidades, no entendimento dos processos de opressão e exclusão.

É inegável, nesse sentido, o impacto da ação dos coletivos feministas, LGBTT, negros, indígenas em escolas e comunidades. Apesar de ainda estarem longe de garantirem a dignidade prevista na Constituição, já mudaram não apenas a forma como o conteúdo de debates da esfera pública. Fazendo com que nós, homens, héteros, que não fazemos parte de minorias étnicas oprimidas, tivéssemos que escutar e mudar. Ou seja, reside neles a esperança de um mundo menos viciado em preconceito que o nosso.

Mas a safra de novos eleitores inclui grupos que pensam de forma oposta. Discursos misóginos, homofóbicos, fundamentalistas e violentos têm atraído rapazes que, acreditando serem revolucionários e contestadores, na verdade agem de forma a manter as coisas como sempre foram. Creem que estão sendo subversivos lutando contra a ”ditadura do politicamente correto” – que, na prática, se tornou uma forma pejorativa de se referir aos direitos básicos que temos por termos nascido humanos. Tratei desse tema no ano passado mas, diante da análise publicada pela Folha, achei por bem resgatar a reflexão.

Essa ditadura, claro, é uma ficção. Se direitos fundamentais fossem respeitados não haveria fome, crianças trabalhando, idosos deixados para morrer à própria sorte, pessoas vivendo sem um teto. Não teríamos uma taxa pornográfica de mais de 60 mil homicídios por ano, nem exploração sexual de crianças e adolescentes, muito menos trabalho escravo. Aos migrantes pobres seria garantida a mesma dignidade conferida a migrantes ricos. Todas as crenças seriam respeitadas. A liberdade de expressão seria defendida, mas os incitadores de crimes contra a dignidade seriam responsabilizados. Se direitos humanos fossem efetivados, não teríamos mulheres sendo estupradas, negros ganhando menos do que brancos e pessoas morrendo por amar alguém do mesmo sexo. Marielle Franco não teria sido morta duas vezes – na primeira, seu corpo como alvo, em uma emboscada, e a segunda, sua reputação, na internet. O que temos, em verdade, é um status quo sendo contestado, o que provoca pânico em muita gente.

Parte dos jovens também abraça esses discursos como reação às tentativas de inclusão de grupos historicamente excluídos, como mulheres, negros, população LGBTT.

Há rapazes que veem na luta por direitos iguais por parte de suas colegas de classe ou de coletivos feministas uma perda de privilégios que hoje nós, os homens, temos. Nesse contexto, influenciadores digitais, formadores de opinião e guias religiosos ajudam a fomentar, com seus discursos violentos e irresponsáveis, uma resposta violenta dos rapazes à luta das jovens mulheres pelo direito básico a não sofrerem violência.

Qual o contexto de tudo isso? Há um público jovem insatisfeito que vê seus pais reclamarem de que as coisas estão mudando para pior, desrespeitando as ”tradições”. Que ouve seus ídolos na internet reclamarem que antigamente é que era bom, quando podíamos contar piadas sobre outras pessoas sem sermos criticados. Que assiste a vídeos que bradam que a exigência por igualdade cria discórdia onde antes havia paz e gera divisões onde tudo funcionava bem. Funcionava bem para quem?

Há quem repita mantras de terceiros e não tente pensar por conta própria a partir de informações que absorveu somadas à sua vivência pessoal. Não pula o muro de casa e vai para o mundo entender o que está acontecendo, o que temos de bom, o que temos de ruim, o que mudar e para onde ir. Está feliz com o mundo que o algoritmo da rede social criou para ele, com o conforto de ver os amigos em consonância com o seu pensamento. Pois, a ignorância é realmente um lugar quentinho.

E ao terceirizar sua interpretação da realidade, torna-se massa de manobra. Ou seja, no desejo de mudarem o mundo para melhor, devolvem-no para onde ele estava antes, fazendo o jogo de quem sempre esteve no poder.

Enquanto isso, os principais partidos políticos não apenas não se esforçaram em garantir mais participação popular como perderam a confiança da população ao se apropriar do patrimônio público e utilizarem o poder que lhes foi emprestado a serviço próprio. Ao mesmo tempo, a política tradicional derrapou em dar respostas não apenas para o combate ao desemprego, à violência urbana e rural e à corrupção, como também a outros desafios da vida cotidiana. Jovens moradores morrem na periferia aos milhares.

Pode-se continuar dando as costas a eles, chamando-os de comunistas ou fascistas. Ou abrir o diálogo – muitas vezes difícil, mas necessário.

Jovens de todos os lados do espectro ideológicos têm a consciência de que a internet e as redes sociais trouxeram a eles um poder de interferência nos rumos da sociedade que a geração de seus pais, quando jovens, não tiveram. Muitos reivindicam participar ativamente da política, pois só votar e esperar quatro anos não adianta mais para esse grupo. Querem mais formas de interferir diretamente nos rumos da ação política de sua cidade, estado ou país.

Precisamos, urgentemente, ouvir esses jovens e construir com eles um projeto coletivo para a sociedade em que vivemos. Falo dos jovens que atuam de boa fé, claro, não os que formam milícias digitais visando à destruição do outro.

Negar isso e buscar, novamente, saídas de cima para baixo, seja através da esquerda democrática ou da direita liberal, não dará certo. Pelo contrário, apenas os jogará na mão de grupos intolerantes. Não admira que quem sugere adotar as soluções de sempre são as mesmas pessoas que não entenderam o significado das manifestações de junho de 2013.

Por fim, como já disse aqui, vale uma reflexão também aos mais jovens que se engajam na política, partidária ou não. Dê uma olhada nos livros de História. E veja se o comportamento que você adota diante do seu semelhante e dos direitos dele é algo novo ou o mesmo que os donos do poder político, econômico e religioso faziam nas últimas centenas de anos. Se for, fica a dica: talvez seja a hora de você dar aquela refletida solitária se você é realmente dono da sua cabeça ou estão conduzindo ela por você.

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