Abrascão: “Carta do Rio de Janeiro”

Lida e aprovada pela plenária de encerramento, a Carta final do 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva da Abrasco defende o SUS e “a revogação imediata da Emenda Constitucional nº 95/2016”, mas não só. Como explicita no texto, para que isso se efetive é necessário que seus compromissos de luta sejam bem mais amplos, pautados acima de tudo na defesa da democracia, em suas dimensões formal e substantiva. Leia na íntegra:

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“No momento em que a Constituição do Brasil de 1988 completa 30 anos, nós, participantes do 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), realizado na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, de 24 a 29 de julho de 2018, manifestamos nosso compromisso com a defesa do fortalecimento do Sistema Único de Saúde, dos direitos sociais e da democracia.

O Congresso, que reuniu mais de 8000 pessoas – pesquisadores, professores, estudantes de graduação e pós-graduação, gestores, profissionais de saúde, conselheiros de saúde, representantes de movimentos sociais e membros da comunidade – representou um evento de intenso intercâmbio acadêmico, de reflexão sobre as práticas em saúde e de mobilização política em torno dos valores defendidos pela comunidade da Saúde Coletiva e os diferentes grupos atuantes na luta pelo direito à saúde.

O Brasil historicamente é marcado por profundas desigualdades, que se manifestam entre grupos sociais e no território nacional, em diferentes âmbitos – econômico, social, ambiental, cultural – com forte expressão nas condições de vida e de saúde da população. A redemocratização do país a partir da década de 1980 favoreceu a mobilização social e a construção de uma ousada agenda de reforma sanitária, inserida na luta por uma sociedade mais igualitária, justa e solidária.

A Constituição de 1988 expandiu direitos, instituiu uma concepção ampla de Seguridade Social, reconheceu a saúde como direito de todos e dever do Estado, e criou o Sistema Único de Saúde, de caráter público e universal.

Nas décadas seguintes, em que pesem os obstáculos à concretização plena das diretrizes constitucionais, houve avanços expressivos na construção do Sistema Único de Saúde, tais como: a expansão dos serviços públicos, dos profissionais de saúde e do acesso à saúde em todo o território nacional em todos os níveis, com destaque para a Atenção Primária à Saúde; a melhoria em diversos indicadores de saúde; mudanças no modelo de atenção à saúde, como na área da Saúde Mental e em políticas orientadas pela diretriz de integralidade (como a de controle da AIDS); fortalecimento de políticas nas áreas de promoção da saúde e das vigilâncias; esforços no âmbito do desenvolvimento científico, tecnológico e da produção nacional de insumos relevantes para a saúde. Houve ainda fortalecimento das relações intergovernamentais e da participação social na formulação e implementação de políticas de saúde.

Por outro lado, o não enfrentamento de diversos problemas estruturais do sistema de saúde brasileiro prejudicou a plena efetivação das diretrizes da reforma sanitária brasileira e do SUS. O financiamento público em saúde é insuficiente para atender as necessidades de saúde da população; o gasto público nunca alcançou 4% do PIB, permanecendo abaixo dos gastos privados. O setor privado, favorecido por incentivos e subsídios estatais, cresceu, se diversificou e se tornou mais dinâmico do ponto de vista empresarial e político, logrando influenciar as políticas e disputar os recursos da saúde. Persistiram as desigualdades em saúde em diversos âmbitos, assim como problemas na qualidade da atenção à saúde. Por isso, defendemos a revogação imediata da Emenda Constitucional nº 95/2016.

Desde 2016, o golpe parlamentar que depôs a presidente eleita atenta contra democracia e ameaça os direitos sociais. Um governo não-eleito impõe ao povo um projeto neoliberal, que colide com o Pacto Constitucional de 1988, expresso em políticas econômicas regressivas e em destituição de direitos trabalhistas e sociais. As liberdades democráticas são ameaçadas com a exclusão arbitrária da participação do candidato de maior expressão popular das eleições presidenciais de 2018.

As iniciativas do governo Temer são extremamente deletérias para o SUS e a saúde da população – como restrições orçamentárias imediatas relacionadas à austeridade econômica, congelamento dos recursos da área social nos próximos 20 anos, novos incentivos ao segmento de planos e seguros de saúde, fragilização de políticas estruturantes, como a de Atenção Primária-, o que já começa a se traduzir na piora de indicadores sociais e de saúde.

Diante desse grave cenário, reafirmamos como nossos compromissos de luta:

1- A defesa um padrão de desenvolvimento que promova a soberania nacional, assegure a sustentabilidade ambiental e coloque a economia a serviço do bem-estar da sociedade, com respeito aos trabalhadores e às populações que vivem nos diversos territórios. Tal padrão de desenvolvimento deve articular políticas redistributivas na área econômica (reforma tributária progressiva, geração de empregos, promoção do trabalho digno e bem remunerado), social (previdência, assistência, saúde, educação, habitação, saneamento, reforma agrária), com o propósito de reduzir desigualdades e promover a justiça social.

2- A defesa de uma sociedade democrática, justa, respeitosa da diversidade, solidária e orientada pela igualdade, com estratégias de promoção da equidade social, cultural, territorial, de gênero, de etnia e o combate a todas as formas de violência, intolerância, discriminação, racismo, homofobia, segregação e exclusão.

3 – A defesa do direito à saúde e do Sistema Único de Saúde, em seu caráter efetivamente público e universal, como pilar do sistema de proteção social e um projeto político da Nação e do povo brasileiro. Isso implica em enfrentar os problemas estruturais e desafios do SUS, assegurar as condições para a sua consolidação e regular os diversos segmentos do setor privado na saúde, pondo fim à transferência de recursos públicos e subordinando a sua atuação às diretrizes do SUS e às prioridades sanitárias, de forma que a lógica mercantil não se sobreponha às necessidades e ao direito à saúde.

4- A defesa da manutenção e avanço na garantia da integralidade da atenção a partir das políticas nacionais de saúde bucal, mental e de populações das políticas de equidade – LGBT, do campo, negra, indígena.

5 – A defesa das universidades e demais instituições públicas atuantes nas áreas de Educação e de Ciência, Tecnologia e Inovação, de forma que sua atuação na formação de pessoas e na geração de conhecimentos e tecnologias possa ser estrategicamente orientada para o desenvolvimento social e a promoção do bem-estar social e da vida.

6 – A defesa da democracia, em sua dimensão formal (garantia de eleições livres e justas, reforma política para assegurar maior equilíbrio entre grupos sociais nos cargos representativos) e substantiva (aumento efetivo da participação e do controle social sobre as políticas públicas, garantia da livre manifestação, recusa à discriminação e à seletividade do sistema judicial no tratamento de políticos, gestores e movimentos sociais, democratização dos meios de comunicação).

Ao final deste Congresso, que renovou nossas energias e esperanças, a comunidade da Saúde Coletiva conclama governantes, gestores, profissionais de saúde, estudantes, conselheiros de saúde, representantes de movimentos sociais e toda a sociedade brasileira a unir forças na luta contra a barbárie e na construção de uma sociedade mais democrática, justa e igualitária, em que o SUS e o direito à vida e à saúde se efetivem em toda a sua plenitude, compartilhado por todos os cidadãos.

O SUS vive, saúde é direito, nenhum direito a menos!
Em defesa da democracia com eleições livres em 2018

 

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