Como sócios de um clube de Porto Alegre se articularam para barrar a entrada de Manuela D’Ávila e sua família

Depois de ameaçarem até entrar na Justiça, associados conseguiram fazer Duca Leindecker, marido da deputada, desistir da tradicional agremiação à beira do Guaíba

Por Paulo Germano, no GaúchaZH

Contrariado com a ideia de dividir o mesmo ambiente com a deputada Manuela D’Ávila (PC do B), um grupo de sócios do Veleiros do Sul se mobilizou para impedir a permanência do músico Duca Leindecker, marido dela, como associado do tradicional clube gaúcho.

A pressão funcionou. Em um grupo de velejadores no WhatsApp, há duas semanas, Duca agradeceu aos sócios que o apoiaram, mas anunciou “a saída da família Leindecker” do Veleiros. “Alguns, mesmo após a nossa admissão (), ainda acreditam que não estamos à altura do clube e emanam ódio contra pessoas que sequer conhecem”, escreveu ele.

— O que pesou é serem comunistas — diz um sócio do Veleiros que pediu para não ser identificado. — Cada um no seu quadrado. Cada um que procure o grupo que melhor se enquadre nos seus valores. Ou alguém pensa que eu seria bem recebido no Partido Comunista?

O Veleiros, vale lembrar, não é um partido. Com sede na Vila Assunção, na zona sul de Porto Alegre, reúne às margens do Guaíba famílias de classe média e classe alta que partilham interesses por atividades náuticas. Foi o próprio comodoro do clube, Eduardo Ribas, quem convidou Duca para se associar, no fim do ano passado.

É que no dia 9 de dezembro, bem na hora do pôr do sol, o músico que liderou por duas décadas a banda Cidadão Quem fez um pequeno show no Veleiros – era um luau para 500 pessoas, no gramado entre a orla e a piscina. Iluminado por tochas e velas que compunham a decoração, Duca derreteu-se em elogios ao lugar. Foi a deixa para o convite de Ribas.

— Ele é velejador, então nada mais normal do que eu convidá-lo. Assim que ele aceitou, sua ficha de admissão ficou exposta por 15 dias no quadro de avisos, como manda o estatuto do clube — relembra o comodoro.

E constavam na ficha, como dependentes de Duca, seus dois filhos e sua mulher, a deputada estadual Manuela D’Ávila – hoje provável candidata a vice-presidente da República na chapa encabeçada pelo PT.

Pelo menos quatro associados se rebelaram. Recorreram à bola preta, um dispositivo relativamente comum em clubes da alta sociedade: sócios podem vetar a entrada de um novo sócio. “Havendo oposição de qualquer associado, a proposta (de admissão) será recusada”, decreta o artigo 9º do estatuto do Veleiros.

— Só se falava nisso por lá. Tinha gente querendo tirá-los, mas também tinha gente envergonhada, achando aquilo muito arbitrário — conta uma sócia do clube. — Poxa, quando convivemos com pessoas de visões diferentes, a gente cresce. E ainda dá oportunidade para elas crescerem, repensarem suas ideias.

Falando em ideias, o mesmo estatuto do clube, na alínea C do artigo 17, diz que é dever do associado “abster-se de toda e qualquer manifestação de índole filosófica, político-partidária, religiosa ou de preconceito de classe, gênero ou raça no âmbito da associação”. Para avaliar se o veto aos Leindecker violava essa diretriz, foi convocada em janeiro uma reunião do Conselho Deliberativo. E os mais de 20 membros decidiram manter a família no Veleiros.

Durante seis meses, Duca frequentou o clube toda semana para velejar no seu Oday 23. Manuela esteve lá uma ou duas vezes – não houve hostilidade, mas, no mês passado, um grupo de sócios pediu novamente a cabeça do casal. Ao comodoro Ribas, disseram que entrariam na Justiça contra o clube, alegando descumprimento do estatuto.

Era provável que perdessem, mas Duca não quis pagar para ver. “Para evitar mais desgaste, decidimos retornar ao ICG (Iate Clube Guaíba, situado ao lado do Veleiros), que sempre nos recebeu de braços abertos”, escreveu ele no grupo de velejadores no WhatsApp. “Na vela, como na vida, ninguém está acima de ninguém, todos estamos apenas navegando.”

— Como comodoro do clube, preciso seguir as regras — afirma Ribas. — Mas minha opinião pessoal é que, embora eu não vote na esquerda, não tenha predileção pela esquerda, isso não influencia as minhas relações. Entendo que o sistema de bolas pretas é correto, mas poderia ser modernizado, com os vetos passando por um colegiado.

Procurada pela coluna, Manuela D’Ávila preferiu não se manifestar. Duca Leindecker disse apenas que “é melhor deixar para trás as coisas ruins e se concentrar no futuro”.

Eu aqui, ao longo do texto inteiro, me segurei para não sair pendurando adjetivos em cada frase. Mas o caso é tão emblemático, tão inquestionável para ilustrar a maré de intolerância que avança sobre o país, que desta vez a coluna até dispensa minha opinião.

Colagem: DCM

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