A dor dos venezuelanos, o fascismo dos que alimentam o ódio e a vergonha que me assola

Por Lúcia Helena Issa*, no Brasil 247

Uma tristeza imensa invade meu coração diante das cenas recorrentes de desumanidade e imensa miséria moral, em que centenas de “brasileiros cristãos”, moradores da região de Roraima, munidos de bombas caseiras, álcool e fósforos incendeiam covardemente abrigos e acampamentos onde vivem mulheres, homens e crianças venezuelanas.

Os chamados “cidadãos de bem e cristãos” são retratados expulsando mulheres e crianças venezuelanas de 5 anos a ponta- pés, aterrorizando- os até a fronteira e fazendo barricadas na BR-174 para impedir que voltem até mesmo para buscar seus pertences.

Documentos, roupas e brinquedos incendiados. Humanos como nós, nossos irmãos, acuados, humilhados e aterrorizados. Uma cena que eu vi apenas na fronteira da Síria recentemente.

Ainda que tenha havido um roubo envolvendo um imigrante venezuelano, para os “cristãos” ali presentes, todos mereciam uma punição medieval coletiva?

Mereciam ter suas tendas incendiadas , suas vidas destruídas e suas esperanças sequestradas?

Em que país estamos nos transformando? Somos um país construído por milhões de refugiados e imigrantes, por milhões de sírio- libaneses como meus avós, por italianos e japoneses que fugiam da miséria e da fome, e que aqui construíram uma nação, prosperaram e escreveram a nossa história.

Em que país estamos nos transformando?

No país dos sonhos dos fascistas, onde reinam o ódio ao estrangeiro, o desprezo pelas minorias e a intolerância aos mais fracos ou aos mais vulneráveis nesse momento?

O ódio e o fascismo alimentado por alguns veículos, por “filósofos” xenófobos e racistas e por figuras políticas nefastas têm nesses “cristãos brasileiros”, que atearam fogo nos abrigos de Roraima, apenas uma parte de seus rebentos.

Em que país estamos nos transformando?

No Brasil de 1930, com os Camisas Verdes do Integralismo? Ou voltamos ao Brasil de 1946 em que um articulista chamado Oliveira Vianna, diante de uma das levas de imigrantes japoneses que chegaram ao Brasil, escreveu que “o japonês é como o enxofre, insolúvel”.

Voltamos à década de 1940 em que alguns dos principais jornais do país publicavam charges atacando os japoneses (chamados de “enxofre amarelo”, atacando os judeus que chegavam a São Paulo e os italianos do sul (chamados então de “carcamanos imprestáveis”)?

Ou voltamos, para deleite de candidatos boçais fascistas ou “filósofos” odiadores que não concluíram sequer o ensino fundamental, aos anos de 1947 e 1948, em que articulistas de algumas revistas da época se referiam aos sírios e libaneses, em sua maioria cristãos, como “maometanos perigosos”?

Sim, os mesmo japoneses, italianos, sírios e libaneses que, poucos anos mais tarde, prosperariam , fundariam lojas e fábricas e dariam empregos a milhares de brasileiros, e construiriam o maior e mais respeitado hospital da América Latina.

A que ponto regredimos?

Um dos agressores brasileiros, em Roraima, assim como seus inspiradores o fazem cotidianamente, usava o nome de Deus enquanto chutava a mala e as pernas de uma mulher venezuelana que caminhava, as prantos, em direção à fronteira entre os dois países.

Como jornalista, embaixadora da paz e ativista pelos direitos dos refugiados no mundo todo, a tristeza e uma de suas filhas mais velhas, a vergonha, inundam hoje o meu coração.

*Jornalista, escritora e ativista pela paz. Foi colaboradora da Folha de S.Paulo em Roma. Autora do livro “Quando amanhece na Sicília”. Pós- graduada em Linguagem, Simbologia e Semiótica pela Universidade de Roma e embaixadora da Paz por uma organização internacional. Atualmente, vive entre o Rio de Janeiro e o Oriente Médio.

A venezuelana Mariver Guevara, de 42 anos, teve o barraco onde vivia incendiado por manifestantes. Foto: Inaê Brandão /G1 RR

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