por Beatriz Carvalho, em RioOnWatch
Ao longo da história mundial as mulheres tiveram que percorrer um longo caminho para ocuparem posições de liderança e independência, desde as posições subordinadas que ocupavam no âmbito doméstico frente aos homens chefes da família, até as que ocupavam na esfera pública, o que incluiu por muito tempo a impossibilidade de votar (no Brasil, o voto feminino só foi autorizado em 1932). Fatos como esses reforçam a ideia de que a liderança feminina é algo secundário, mas algumas iniciativas nos permitem enxergar um sopro de energia e vitalidade com a juventude feminina. No Rio de Janeiro, por exemplo, onde a desigualdade e a violência são tão profundas e manifestam-se de forma tão diversa, surge o projeto social Enegras, que tem por objetivo empoderar mulheres negras, oriundas de favelas cariocas, por meio de rodas de conversas, oficinas e capacitações voltadas para o empreendedorismo.
Emanoela Tomaz, uma moradora da Vila Kennedy de 20 anos que atua como empreendedora social, militante e mobilizadora, é a fundadora do projeto. “O Enegras surgiu a princípio para ser um projeto voltado para rodas de conversas para as mulheres negras terem onde desabafar e construir outras vivências. Mas vi que a demanda do projeto é bem maior e continua crescendo. Hoje temos capacitações para o empreendedorismo, oficinas, mentorias de negócios e rodas de conversas sobre saúde e bem estar e estamos abertas para mais demandas caso surjam, pois o empoderamento e as informações necessárias têm que chegar nas mulheres periféricas”, relata ela.
O símbolo do Enegras é um girassol. Ele simboliza a resiliência e as mulheres que contaram com a ajuda do coletivo para girarem na direção do sol, rumo ao futuro brilhante que as aguarda. “Somos 8% de mulheres que empreendem [no Brasil]. E a grande maioria está pensando no impacto social [dos seus negócios], e em trazer cada vez mais mulheres para fazerem o que gostam. O nosso êxito é sermos mulheres independentes que acreditam no próprio potencial. Que possamos no futuro bem próximo estar no topo”, vislumbra Emanoela.
No momento crítico que vivenciamos, é de extrema importância dar voz e vez para as mulheres e suas pautas tão urgentes, passando por capacitações e estímulo a sua liderança, de forma a ampliar direitos, cobrar políticas públicas específicas para esse público e um diálogo mais horizontal nas regiões periféricas, frequentemente esquecidas pelo governo. São assuntos pertinentes para não somente o público feminino, mas para todos que queiram abraçar a causa da luta das mulheres por direitos e igualdade.
O coletivo procura atingir o máximo de mulheres e meninas de várias favelas do Rio de Janeiro por meio de parcerias. Assim, nessas trocas entre grupos, coletivos e redes de mulheres, todos saem fortalecidos e a transformação torna-se mais concreta. Para muitos gestores culturais a parceria é uma estratégia primordial para alcançarem sucesso nos seus empreendimentos sociais, como explica Emanoela: “Parceiros intensificam e reafirmam o propósito do projeto, que é empoderar mulheres socialmente. Hoje busco parceiros que tenham a mesma visão de empoderamento feminino para que mais mulheres tenham domínio de si”.
Esse domínio de si passa pela autonomia econômica. “Durante muito tempo as mulheres dependiam da renda do pai ou do marido para se sustentar e ter suas coisas básicas. Hoje, por conta do que fizeram mulheres lá no passado, não tememos mais em ser o que somos, independente do que [os outros] vão pensar. As mulheres que confiam em si e no que fazem tendem a ter sucesso na vida e nos negócios e hoje estamos caminhando de maneira positiva em relação a isso”, coloca Emanoela, destacando o potencial de liderança dessas mulheres autônomas.
Em junho deste ano o Enegras comemorou um ano de resistência e existência na Areninha Cultural Hermeto Pascoal, espaço de referência para realização de eventos de cultura em Bangu. Emanoela conta orgulhosa: “Foi uma tarde de atividades voltadas para a saúde e o bem estar, empoderamento e empreendedorismo. Pensamos também nas crianças e criamos um cantinho apenas para o desenvolvimento delas com pintura artística e recreação. Tive o cuidado também de colocar expositores que fossem em sua maioria mulheres e negras, para fortalecer a renda dessas mulheres que em sua maioria são mães e não têm outra fonte de renda. O evento foi todo pensado para a população negra em geral, levando empatia e acolhimento para quem sempre está cuidando uns dos outros”.
O evento de comemoração de um ano do Enegras foi palco da uma roda de conversa sobre economia criativa, primeira atividade do Mulheres de Frente, projeto social mapeado na Rede Favela Sustentável que abrange as comunidades Lixão e Mangueirinha, em Duque de Caxias, e do Dique, em São João de Meriti. O projeto tem como objetivo impulsionar negócios de mulheres empreendedoras através da comunicação estratégica, utilizando as ferramentas das principais mídias digitais. Maria Angélica Bueno, moradora de Nova Iguaçu que trabalha com acessórios feitos de maneira sustentável a partir de materiais reaproveitados, participou da roda de conversa. “Não conhecia o projeto, mas é muito interessante. A criatividade traz grandes oportunidades de empreender. Assim podemos mostrar trabalhos criativos e conhecer vários outros, [e também] conhecer perspectivas novas”, diz ela.
Empreender, empoderar e capacitar são as palavras de ordem do coletivo feminista Enegras. Nos próximos meses serão realizadas várias atividades sobre os temas de empreendedorismo e gênero, entre outros pertinentes às demandas femininas. O projeto social em questão traz fôlego para que possamos acreditar e continuar lutando por um país melhor, mais justo e menos desigual.
*Cria de Vilar dos Teles em São João de Meriti, é jornalista, mídia-ativista, feminista e toca o Mulheres de Frente.