Midiativismo de Favela: Contrapúblicos para Direitos Humanos no Brasil

por Sharonya Vadakattu, em RioOnWatch

Armados com uma mistura de evolução em jornalismo e tecnologia, cidadãos, anteriormente marginalizados, têm agora a capacidade de fazer ouvir suas vozes entre os moradores de suas comunidades e entre o público em geral. Este é o tema do Favela Media Activism: Counterpublics for Human Rights in Brazil (Midiativismo de Favela: Contrapúblicos para Direitos Humanos no Brasil), o primeiro livro do cientista social brasileiro Dr. Leonardo Custódio.

Remoções, violência policial e discriminação são, infelizmente, uma parte da vida cotidiana em muitas das favelas do Rio de Janeiro. Cada vez mais, moradores de favelas estão tomando medidas para se manifestarem contra essa violência sistêmica. Por meio de campanhas nas redes sociais, debates sobre políticas e coletivos de mídia locais, moradores de favelas têm se mobilizado para compartilhar suas experiências e criar mudanças.

Leonardo define o midiativismo de favela como “ações individuais e coletivas na, através da, e sobre a mídia como esforços para aumentar a consciência crítica sobre as limitações e injustiças da vida cotidiana, gerar debates sobre essas questões e mobilizar ações contra ou em reação às consequências simbólicas da desigualdade social”. Ao longo de seu livro, ele examina os componentes do midiativismo de favela, concentrando-se nas motivações e métodos que moldam o fenômeno crescente.

Este trabalho etnográfico é o produto de várias e longas viagens para realizar o trabalho de campo em favelas em todo o Rio de Janeiro–incluindo o Complexo da Maré e o Santa Marta–durante as quais Leonardo passou seu tempo trabalhando ao lado de ativistas e organizações nas favelas. Como nativo de Magé, na Baixada Fluminense, Leonardo discute as tensões e preconceitos que ele enfrentou na condução da pesquisa etnográfica nas favelas como “forasteiro local”. Vivendo e trabalhando no exterior, ele estava “voltando para casa” para conduzir sua pesquisa. Sua identidade como negro da classe trabalhadora da Baixada Fluminense abriu portas para entrevistas e discussões com muitos dos ativistas que se tornaram as principais fontes de seu trabalho. Antes de investigar suas descobertas em seu livro, ele se envolveu em uma profunda auto-reflexão sobre seus privilégios, histórico e métodos, o que gerou mais credibilidade e nuance à sua narrativa e achados.

Leonardo explora profundamente as nuances dos diversos ecossistemas dentro das favelas, que moldam as ações e o conteúdo midiático que seus moradores produzem. Ao contrário da narrativa popular que foca no impacto das tecnologias e da internet no ativismo local, Leonardo descreve a importância duradoura da mídia tradicional, como rádio e jornais, em conjunto com a atividade online. Embora a internet tenha trazido uma nova onda de mídia e plataformas para as organizações, muitos moradores de favelas ainda não têm acesso regular ao Wi-Fi e, portanto, usam mídia digital para complementar formas mais tradicionais de comunicação e organização e obter visibilidade mais ampla de suas ações.

Leonardo investiga vários exemplos de ativismo baseado em favelas nos quais os ativistas usam o poder viral da internet para reunir pessoas em torno de um assunto ou causa específica. Por exemplo, o Maré Vive–um coletivo de mídia da Maré–usa uma variedade de plataformas digitais para facilitar suas discussões e atividades em tempo real. O coletivo surgiu em 2014 quando os moradores decidiram documentar ao vivo a ocupação militar da Maré. O Maré Vive persiste como uma plataforma conhecida localmente por suas atualizações em tempo real, conectando os moradores da Maré uns com os outros e também com aliados não favelados. Ações e protestos centrados em torno de hashtags como grito de guerra, ou como a base de um movimento, tornaram-se cada vez mais predominantes. Por exemplo, #DeDentroDaMaréreúne narrativas locais sobre tradições e cultura de dentro da Maré, tornando-se um símbolo da comunicação online e da solidariedade offline.

Leonardo também explora o papel das ONGs no contexto de ativismo e conteúdo centrado na favela, descobrindo que muitas ONGs se tornam intimamente aliadas a causas locais, particularmente quando os moradores são os principais constituintes das instituições. Muitas ONGs podem aproveitar o poder do WhatsApp, Twitter, Facebook e YouTube para reunir documentação e promover o debate entre moradores de favelas, formuladores de políticas e o público em geral. Além disso, algumas dessas ONGs assumem um papel de educador, concentrando esforços na capacitação local para ativismo e oportunidades para promover o comércio local.

Por exemplo, o Observatório de Favelas possui um curso educativo de mídia com duração de um ano, na Escola Popular de Comunicação Crítica, para moradores de favelas. Em 2011, os participantes do curso decidiram fazer do seu trabalho final o desenvolvimento de um método para protestar contra remoções e condições de vida abaixo do ideal básico em várias favelas. Assim nasceu #EntreSemBater, que tem dois significados: a literal, “não há necessidade de bater para entrar”, e também um significado alternativo, “não me bata quando você entrar”. Sob os holofotes da mídia global nos preparativos para as Olimpíadas de 2016, as divergências socioeconômicas no Rio ganharam exposição e movimentos como #EntreSemBater ganharam importância e atenção. Antes dos Jogos, o coletivo #EntreSemBaterproduziu um vídeo sobre as memórias pré-remoções na Vila Autódromo, conduziu oficinas de fotografia para crianças em comunidades ameaçadas de remoção e distribuiu materiais documentando essas atividades em blogs e mídias sociais. Refletindo a natureza dinâmica do ativismo e a constante evolução dos problemas que eles abordam, #EntreSemBater desde então se separou, mas seus membros continuam o trabalho através de outras formas nas redes.

Leonardo ressalta a importância do midiativismo de favela ao contrastá-lo com o retrato das favelas na grande mídia. Os veículos da grande mídia tendem a pintar as favelas com pinceladas fortes, baseando-se fortemente em declarações oficiais e perspectivas das autoridades para retratar as situações sob escrutínio. Quando os moradores das favelas são citados, argumenta Leonardo, a seleção de citações muitas vezes apresenta moradores como emocionais, violentos ou irracionais, de acordo com estereótipos históricos das favelas. Desse modo, a grande mídia arrisca-se a deslegitimar as preocupações e queixas de moradores das favelas, deixando uma lacuna na comunicação que o midiativismo de favela consegue reunir de uma forma que possa fornecer representação para cada favela individual.

Assim como seus territórios, os envolvidos no midiativismo de favela estão longe de serem padronizados. Para entender o midiativismo de favela, Leonardo tenta entender as pessoas envolvidas de perto no fenômeno. Ao fazê-lo, ele descreve as facetas singulares da cultura jovem nas favelas, explicando como identidades “maduras” são freqüentemente impostas aos moradores desde a juventude, os jovens são chamados para ganhar dinheiro para a família ou cumprir outros deveres familiares. Entretanto, além dessas responsabilidades, os jovens têm ambições e sonhos de longo prazo. As trajetórias sociais e os desafios únicos da vida cotidiana nas favelas, as interações dos moradores com os sistemas políticos e educacionais e suas experiências com o ‘asfalto’, ou partes não faveladas da cidade, moldam o engajamento dos jovens no midiativismo de favela.

Como Leonardo conclui, as lições tiradas do contexto urbano brasileiro têm implicações não apenas local, mas globalmente também. Ele escreve: “Podemos substituir a favela por ‘township‘, ‘gueto’, ‘slum‘, ‘minoria étnica’ e outros termos que descrevem grupos sociais excluídos dos debates públicos e processos políticos em diferentes sociedades em todo o mundo“. Finalmente, a história do midiativismo de favela no Brasil, contada com habilidade no trabalho de Leonardo, fornece esperança de que as vozes das pessoas que antes não eram escutadas possam ser ouvidas mais alto.

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