Política de remoções deveria indenizar famílias pela posse da terra, dizem movimentos

Em muitos casos, indenizações recebidas não permitem comprar casa equivalente na mesma região

Wallace Oliveira, Brasil de Fato

A professora Valéria Borges vive na comunidade Pedreira Prado Lopes, região Noroeste de BH. O terreno onde ela morava foi ocupado por seus avós há quase um século e, no local, a família construiu, durante anos, duas casas: uma de três cômodos e outra de dois andares e 14 cômodos, além de um bar que era fonte de sustento do irmão mais velho. Ali viviam Valéria e oito parentes.

Em 2008, chegou à comunidade o Vila Viva, programa de intervenções urbanísticas, ambientais e sociais em favelas de BH, financiado com recursos federais e executado pela Prefeitura. Pouco tempo depois, a família de Valéria foi removida pelo programa, recebendo, em troca, uma indenização de R$ 86 mil pelo imóvel maior e R$ 12 mil pelo menor. Com o dinheiro, foi impossível comprar uma casa na região e ela acabou tendo que ir para o aluguel.

 “A gente não conseguiu encontrar casa com o dinheiro que eles deram. Chegamos a achar uma como a nossa no Pindorama, mas eles não pagavam a indenização e o cara que tinha deixado a gente entrar colocou nossas coisas para fora. Quando pagaram, já não conseguíamos comprar nada”, relembra a professora.

Política de remoções

Na capital mineira, as remoções em áreas de assentamento irregular ou favelas são executadas pela Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte (Urbel), empresa pública responsável pela política de habitação do Município. Na cidade dita formal, onde há registro de propriedade imobiliária, cabe à Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap) promover desapropriações.

Em regra, as remoções na “cidade informal” ocorrem no combate a risco geológico, em obras públicas de urbanização, em intervenções viárias (ampliação ou construção de ruas, avenidas) ou na construção de infraestrutura, em convênios com grandes empresas. Para as famílias removidas, o poder público oferece opções que vão do reassentamento (mudança para apartamento fornecido pela Prefeitura), passando por auxílio pecuniário e bolsa moradia até a indenização.

Para o advogado Thayan Rodrigues, das Brigadas Populares, é preciso repensar essa política, evitando o recurso excessivo às remoções. “Nós temos uma política municipal muito intervencionista”, pontua. Segundo ele, quando a remoção é inevitável, o poder público deveria garantir o direito à moradia adequada, sem prejuízos ao morador. “A indenização deveria comportar todos os danos sofridos pela família. Rompem-se vínculos familiares, de trabalho, de vizinhança”, exemplifica.

Indenização da posse

Atualmente, as famílias que sofrem remoções são indenizadas apenas pelas benfeitorias do imóvel, mas não pela posse do terreno. Porém, a terra é o principal insumo da moradia e, nas áreas com infraestrutura, equipamentos e serviços urbanos, o principal componente dos preços dos imóveis. Ao receber apenas pela benfeitoria, dificilmente uma família conseguirá comprar um imóvel com as mesmas vantagens na mesma região.

Neste ano, o Conselho Municipal de Habitação está discutindo uma profunda revisão na política habitacional do município. Um dos pontos é a indenização de famílias removidas. Para evitar que dramas como o de Valéria e outras milhares de pessoas se repitam, movimentos propõem uma revisão das regras vigentes.

“Já existem legislações que fazem com que a posse, em determinadas situações, se converta em título praticamente equiparável à propriedade. Nessas situações, a posse poderia ser indenizada”, defende Luís Barros, integrante do Coletivo Habite a Política.

Atualmente, para quem vive em terrenos públicos, mas não tem título de propriedade, existe o direito à Concessão de Uso Especial para Moradia (CUEM); na posse em área privada, a lei prevê a usucapião. Em ambos os casos, famílias que morem em áreas menores que 250 m², há mais de cinco anos, com posse mansa e pacífica, têm o direito adquirido e poderiam ser indenizadas pela posse do terreno. “E o que constitui esse direito não é a declaração do poder público”, ressalta.

Edição: Joana Tavares.

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