Justiça Federal determina que demarcação de Terra Indígena dos Ikpeng (MT) deve avançar

Comunidade luta há 13 anos por suas terras. Índios foram transferidos, há mais de 50 anos, para o Parque Indígena do Xingu pelos irmãos Villas-Bôas

Oswaldo Braga de Souza, ISA

A 5ª turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) acatou, ontem (19/9), um recurso da Fundação Nacional do Índio (Funai) contra a liminar que paralisou a demarcação da Terra Indígena (TI) Roro Walu, com cerca de 250 mil hectares, contígua ao Território Indígena do Xingu (TIX), no nordeste do Mato Grosso. A área é reivindicada pelos índios Ikpeng, que foram transferidos, em 1967, para o que era então conhecido como Parque Indígena do Xingu (PIX) pelos irmãos Villas-Bôas.

Com a decisão de ontem, o órgão indigenista pode publicar o relatório de identificação da área e, assim, concluir a primeira etapa do complexo processo de demarcação.

O cacique Korotowi Taffarel Ikpeng, que acompanhou a sessão do TRF-1 em Brasília, contou que os técnicos do grupo de trabalho de identificação da área chegaram a ser ameaçados e que, a expectativa da comunidade, agora, é que a demarcação prossiga normalmente. “O resultado do julgamento é fundamental para a continuidade do trabalho”, disse.

A demarcação arrasta-se desde 2005. Em fevereiro de 2015, a Justiça Federal do Distrito Federal deferiu liminar suspendendo o procedimento, atendendo pedido do Sindicato Rural de Paranatinga (MT), que representa os fazendeiros interessados. Ontem, a quinta turma acatou o recurso da Funai contra essa decisão.

Os produtores rurais argumentam que o órgão indigenista não teria permitido o acesso às informações e documentos da demarcação, o que teria comprometido o direito ao contraditório e à ampla defesa. Eles também alegam que teriam prerrogativa de acompanhar e interferir no procedimento demarcatório durante todo seu andamento.

O advogado do sindicato, Gustavo Passareli, justificou que as comunidades indígenas podem participar de todo o processo e que os fazendeiros, diante disso, desejam ter uma “paridade de armas”. “Entende o sindicato de Paranatinga que os produtores rurais também têm o mesmo direito de produzir provas”, afirmou.

“O sindicato quer participar de todos os atos do processo demarcatório, mas não é isso que diz o decreto 1775/1996 [que regula as demarcações]”, contrapôs o procurador da República Felício Pontes. Ele lembrou que os ikpeng são um dos raros povos do ramo linguístico Karib no Brasil e um dos únicos que chegaram na Bacia do Xingu no Mato Grosso. Ele contou ainda que garimpeiros invadiram o território original dos índios e que esse contato foi desastroso, provocando a morte de metade do população.

“Há vasta documentação probatória mostrando que o direito ao contraditório foi atendido”, afirmou o relator da ação, desembargador Antônio Souza Prudente. Ele também reforçou que há jurisprudência consolidada confirmando que o período para a manifestação do contraditório de interessados vai do início da demarcação, com a criação do grupo de trabalho, até 90 dias após a publicação do relatório de identificação. Os desembargadores Daniele Maranhão e Pablo Zuniga Dourado votaram a favor do voto de Prudente.

Na primeira decisão favorável aos produtores rurais, o juiz Renato Coelho Borelli também defendeu que os fazendeiros teriam o direito à manifestação durante toda a demarcação.

Prudente classificou a sentença de “ilegal e abusiva”. “O juiz viu algo que não existe”, criticou. “Juiz não pode julgar por ouvir dizer. Deve julgar de acordo com as provas dos autos. Aqui está a prova de que os interessados fazendeiros tiveram oportunidade de fazer sua defesa”, concluiu.

A decisão de ontem confirma o entendimento da quinta turma do TRF-1 de que não cabe ao Judiciário paralisar as demarcações, impedindo o Executivo de cumprir sua missão constitucional de oficializar as TIs.

Transferência forçada

A transferência dos Ikpeng foi realizada em virtude da situação precária dos índios e da omissão do Estado em zelar por seus direitos e integridade física. Na época, estavam subnutridos e sendo atacados por inimigos tradicionais e doenças transmitidas pelos não índios cada vez mais presentes na região. No TIX, os Ikpeng foram alocados junto de povos adversários e enfrentaram dificuldades para se adaptar. A população foi deslocada sem saber para onde e sem lhe fosse apresentada a alternativa de permanecer em seu território.

Mesmo assim, nunca desistiram de voltar às suas terras ancestrais, localizadas na Bacia do Rio Jatobá, um dos formadores do Rio Xingu. Elas abrigam aldeias antigas, cemitérios e outros locais sagrados, além de recursos importantes para rituais, festas, alimentação e a produção de utensílios.

Cerca de 21% do território indígena já foi desmatado e as informações de campo mais recentes indicam a movimentação de fazendeiros para ampliar a destruição da floresta, principalmente para o plantio de grãos.

Imagem: Índios ikpeng acompanhados da turma de alunos do curso “Percepções Indígenas sobre Mudanças Climáticas”, que teve mais uma de suas etapas promovidas pelo ISA em Brasília, nesta semana | Oswaldo Braga de Souza / ISA

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