Ação Civil Pública pede suspensão de convênio que oferece contraceptivos a jovens de abrigos em Porto Alegre

Termo de Cooperação prevê acesso das adolescentes ao método contraceptivo de longa duração SIU-LNG. Acordo foi firmado no dia 6 de junho. Empresa informa que anticoncepcional é eficaz. Método foi rejeitado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em 2016

Por G1 RS

A Defensoria Pública da União, a Defensoria Pública do Rio Grande do Sul e a ONG Themis pediram a suspensão imediata da execução de um convênio que disponibiliza anticoncepcionais a adolescentes que vivem em abrigos em Porto Alegre. A Ação Civil Pública foi ajuizada nesta quarta-feira (12).

O Termo de Cooperação assinado no dia 6 de junho prevê o acesso das jovens ao método contraceptivo de longa duração SIU-LNG (Sistema Intra-Uterino), fornecido pela empresa farmacêutica Bayer. O dispositivo é implantado no útero e gradualmente libera o hormônio levonorgestrel no organismo. Ao assinar o termo, a empresa se comprometeu a doar 100 unidades do medicamento.

Termo de Cooperação foi assinado em junho na sede do Ministério Público — Foto: PG Alves/Divulgação

A seleção e o encaminhamento das adolescentes seriam feitos pelo Ministério Público em conjunto com as entidades de acolhimento do município. Quando lançada, a iniciativa já havia sido criticada por entidades e profissionais da área da saúde.

O acordo foi firmado entre Ministério Público Estadual, Bayer, Prefeitura de Porto Alegre, Hospital de Clínicas de Porto Alegre e Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas. O G1 fez contato com os envolvidos (confira os posicionamentos abaixo).

Um dos argumentos utilizados para o pedido de suspensão do acordo se baseia nas orientações da bula do SIU, que recomendam acompanhamento de médico ginecologista anualmente e estabelecem que, uma vez inserido, o dispositivo tem validade de cinco anos, devendo ser retirado após esse período. Os autores da ação alegam que essa garantia não foi dada às jovens, conforme consta em trecho do documento:

“O termo de cooperação não contempla de forma eficaz o direito constitucional à saúde das optantes pelo método contraceptivo em questão, nem considera, de forma adequada, a vulnerabilidade econômica do público-alvo, já que as adolescentes abrigadas ou aquelas desligadas no período de duração do tratamento (cinco anos), terão que dispor dos serviços de saúde vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS), sem que lhes garantido o atendimento de sua demanda de saúde pelo SUS”.

A ação reforça que o método escolhido pelo MP-RS não é oferecido pelo SUS, critica a falta de participação da comunidade e defende ainda que o Ministério Público Estadual não pode criar políticas de saúde paralelas às Políticas Públicas. O documento também cita um abaixo-assinado feito por professores da UFRGS da área da saúde contrários a oferta do anticoncepcional e manifestação do Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre que diz não ter sido consultado a respeito do termo.

Além do pedido de suspensão, a ação solicita ainda que seja informado quantos dispositivos intrauterinos já foram implantados a partir do convênio e que as adolescentes sejam avisadas sobre a possibilidade de retirada dos dispositivos intrauterinos já implantados. Caso a jovem assim desejar, essa retirada deve ser feita de forma gratuita.

Projeto é criticado

A iniciativa foi criticada por grupos formados pelo Conselho Municipal de Saúde (CMS), pelo Conselho Regional de Enfermagem (Coren-RS), pelo Conselho Estadual de Assistência Social (CEAS) e por professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

No dia 18 de julho, eles lançaram um abaixo-assinado pedindo a suspensão do Termo de Cooperação, argumentando motivos “éticos, técnicos e econômicos”.

A alegação é de que o método foi rejeitado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em 2016. O estudo da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologia para o SUS (Conitec) decidiu pela “não incorporação do sistema intrauterino liberador de levonorgestrel 52 mg para anticoncepção em mulheres de 15 a 19 anos de idade”.

O relatório considera que “as evidências científicas apresentadas não foram suficientes para comprovar superioridade da tecnologia proposta comparada às tecnologias disponibilizadas no SUS”.

Segundo a médica e professora de Saúde Coletiva da UFRGS Maria Gabriela Godoy, a saúde sexual de adolescentes na faixa de 12 a 18 anos não poder ser reduzida a um método específico. Outras alternativas disponibilizadas pelo SUS seriam mais simples, como o DIU de cobre, que pode ser colocado no serviço de atenção básica.

De acordo com o Conselho Municipal de Saúde, o termo não foi apreciado pelo CMS como previsto em lei. Para o Coren-RS, a indicação das meninas pelo MP e não pelas equipes de atenção à saúde contraria as orientações do Ministério da Saúde.

Contrapontos

A Bayer, em nota, ressaltou que o termo foi firmado em boa fé e que o uso do método anticoncepcional tem sido recomendado por diferentes entidades, em função de sua eficácia e segurança. Leia a nota abaixo.

O MP, também por meio de nota, informa que cumpre a atribuição de defender interesses sociais, sem almejar substituir órgãos competentes. Também reforça que o método foi testado e que as adolescentes participantes o fazem por sua própria vontade.

“O Termo de Cooperação oportunizará às adolescentes interessadas a escolha livre e informada, respeitados critérios clínicos, e o acesso a um método contraceptivo seguro e eficaz, que, por seu alto custo, ainda tem o seu fornecimento restrito pela rede pública de saúde, concretizando o direito à saúde e ao planejamento familiar das adolescentes do acolhimento institucional de Porto Alegre e consagrando os princípios da primazia de atendimento e da proteção integral”, informou o MP.

O Hospital de Clínicas enviou nota ressaltando que o projeto é supervisionado por professores de Ginecologia da UFRGS e que jamais se envolveria em ações que não respeitassem os conhecimentos científicos vigentes, a ética, o respeito aos interesses individuais e o atendimento integral aos pacientes. Leia a nota abaixo.

A Prefeitura de Porto Alegre, por sua vez, informa que as meninas que já tenham tido a primeira menstruação estão sendo orientadas sobre as opções de contraceptivos disponíveis, entre eles o SIU-LNG. A opção pelo método utilizado é da própria adolescente, esclarece a prefeitura, em nota.

“As que optarem pelo uso do SIU-LNG passarão por avaliação médica especializada antes de realizar a inserção, bem como manterão acompanhamento após a inserção (oportunizando um contato maior destas adolescentes com os cuidados em saúde). Como método reversível, o SIU-LNG poderá ser retirado por profissional de saúde a qualquer momento”, segue a nota.

Nota da Bayer

Em relação ao Termo de Cooperação firmado em 06 de junho de 2018 pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul em conjunto com o Município de Porto Alegre, Hospital das Clinicas de Porto Alegre, Hospital Materno Infantil Presidente Vargas e a Bayer, a companhia esclarece que o termo foi firmado em boa fé, reforçando o compromisso da empresa com a responsabilidade social e o respeito às adolescentes.

A responsabilidade da Bayer no termo firmado é o fornecimento gratuito de 100 unidades do sistema intrauterino que poderá ser utilizado à critério das adolescentes após decisão consciente e aconselhamento médico.

Vale ressaltar que o uso do sistema intrauterino em adolescentes, tem sido recomendado como contraceptivo de primeira linha por diferentes entidades, devido a elevada eficácia e segurança.

Nota do Hospital de Clínicas

O Hospital de Clínicas informa que não participou da confecção do Termo de Cooperação entre o Ministério Público e a empresa Bayer, sendo convidado a contribuir com o projeto posteriormente. Entretanto, no momento de colaborar com o convênio, fez ajustes no documento com base em conhecimentos científicos, visando a melhor assistência às pacientes em situação de vulnerabilidade, conforme consta no Termo.

Todas as consultas serão reguladas pela Secretaria Municipal de Saúde e as pacientes receberão atendimento integral nos Ambulatórios de Planejamento Familiar, com opção dos métodos contraceptivos disponíveis pelo SUS, sendo a paciente livre para escolher entre esses ou a do SIU. Além disso, será assegurado acompanhamento ao longo de todo período de tratamento, sem nenhum custo, como rege o SUS.

O projeto é supervisionado por professores de Ginecologia da UFRGS. O HCPA jamais se envolveria em ações que não respeitassem os conhecimentos científicos vigentes, a ética, o respeito aos interesses individuais e o atendimento integral aos pacientes.

Foto: Wikimedia Commons

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