Atuação na logística liga governador do Amazonas a madeireiras e mineradoras

Setores dominam o jogo político no estadona disputa pelo quinto mandato, Amazonino Mendes (PDT) é aliado de empresários do setor, tradicionalmente anti-indígena

Por Bruno Stankevicius Bassi, em De Olho nos Ruralistas

Com apenas 0,67% de sua área destinada à agropecuária, o Amazonas é o estado brasileiro onde o agronegócio tem seu menor peso político. No Congresso, apenas um deputado amazonense, o pastor Silas Câmara (PRB), integra a Frente Parlamentar da Agropecuária. Quem realmente dá as cartas na disputa eleitoral são as mineradoras e madeireiras.

Candidato ao governo do estado pela quinta vez, Amazonino Mendes (PDT) é dono de empresas no setor logístico e está intimamente ligado a esses setores. Em 2002, durante seu terceiro mandato como governador, o Tribunal de Contas da União (TCU) abriu processo para investigar a concorrência pública que concedeu o Porto de Manaus ao consórcio formado pela Estação Hidroviária do Amazonas S/A e pela Empresa de Revitalização do Porto de Manaus S/A.

As empresas eram ligadas ao ex-senador Carlos Alberto De Carli (MDB), que na época pertencia ao conselho de gestão da Sociedade de Navegação, Portos e Hidrovias do Estado do Amazonas (SNPH). Segundo a denúncia, De Carli se valeu de sua posição na autoridade portuária amazonense para beneficiar suas empresas. Entre as irregularidades constatadas pelo TCU estavam a falta de comprovação da capacidade técnica e financeira das arrendatárias, a publicação restrita do edital de concorrência e a falta de estudos de impacto ambiental.

Antes de entrar na política, De Carli era empresário. Dono de duas empresas de comércio e transporte madeireiro e responsável pelo primeiro projeto de plantio extensivo de guaraná no Amazonas, o ex-senador foi citado, em 2004, entre os políticos envolvidos em um esquema de contrabando na Zona Franca de Manaus, que movimentou cerca de R$ 10 milhões.

O Porto de Manaus é um dos principais canais de escoamento para a madeira ilegal extraída da Amazônia. Em janeiro de 2018, a Polícia Federal apreendeu 444 contêineres que seriam exportados para os Estados Unidos e União Europeia. O caso chegou aos corredores de Brasília: o senador Valdir Raupp (MDB-RO) e sua mulher, a deputada federal Marinha Raupp (MDB), pressionaram o Ibama pela liberação imediata da carga. Os dois serão tema de uma das próximas reportagens da série De Olho na Bancada Ruralista, sobre Rondônia.

GOVERNADOR CONCEDE LICENÇA A GARIMPEIROS

A atuação no ramo logístico não é a única coisa que liga Amazonino Mendes e De Carli: os dois também estão envolvidos com o setor de mineração.

Sócio da mineradora SMD Recursos Naturais, o governador renovou, em 2017, três licenças de operação ambiental da Cooperativa dos Garimpeiros da Amazônia (Coogam), para extração de ouro no Rio Madeira. A concessão foi suspensa pela Justiça Federal devido ao histórico de crimes ambientais que pesam contra o fundador da Coogam, Geomario Leitão de Sena.

A cooperativa é investigada pela série de atentados realizados contra as sedes do Ibama, do ICMBio e do Incra no município de Humaitá, em outubro. A ação foi uma represália à Operação Ouro Fino, que apreendeu 48 balsas de garimpo ilegal.

De Carli não fica para trás. Seu filho, Paulo Carlos de Carli, candidato a deputado estadual em 2014 pelo PSDB, e o neto Carlos Ricardo Ferraz De Carli são sócios da Construtora e Mineração Muruá S/A, destinada à extração de minérios em Presidente Figueiredo. Em 1986, a empresa protocolou cinco requerimentos de pesquisa para exploração de columbita e nióbio dentro da Terra Indígena Alto Rio Negro. A licença de exploração, no entanto, não foi outorgada.

O aliado de Amazonino tem outro filho que tentou carreira política. Carlos Alberto De Carli Junior (PSDB) foi candidato a deputado estadual em 2006. Em sua declaração de bens, indicou ser dono da Fazenda Corrente, de 7.500 hectares, em Babaçulândia (TO).

ANTIGO VICE FOI PRESIDENTE DE MINERADORA

Amazonino Mendes é um velho conhecido no maior estado brasileiro. Antes de assumir o mandato-tampão, após a cassação de José Melo (Pros) por compra de votos em maio de 2017, o pedetista já havia governado o estado em três mandatos, alternando-se com seu padrinho político e mentor, Gilberto Mestrinho, principal nome da política amazonense por mais de três décadas.

Falecido em 2009, Mestrinho era inimigo declarado dos povos indígenas. Em 1985, durante um encontro com empresários, o “Boto Navegador”, como era conhecido, saiu em defesa do irmão, acusado de insuflar a invasão de reservas indígenas no Alto Rio Negro: “Não vou admitir que se use o índio para tomar a terra do civilizado, para roubar os seringais, os castanhais, o gado, como vem acontecendo”. Na época, se tornou conhecido por distribuir motosserras para a população, anunciando a “chegada do progresso”. Durante seu mandato como senador, entre 1999 e 2007, Mestrinho foi um opositor ferrenho da demarcação de terras indígenas.

Mas o Boto Navegador não foi o único aliado de Amazonino a achacar os povos do Rio Negro. Samuel Assayag Hanan, vice-governador no terceiro mandato do pedetista (1999 a 2002), foi presidente da Paranapanema S/A. Em 1981, a mineradora conseguiu, junto ao Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM), a extinção da Reserva Indígena Waimiri Atroari, em Presidente Figueiredo (mesma região onde o filho de Carlos Alberto De Carli entrou, sem sucesso, com requerimento de pesquisa).

Instalada no coração da terra dos Waimiri Atroari, a mina de Pitinga é uma das principais produtoras de estanho e cassiterita do Brasil e dona de 14% das reservas mundiais de tântalo, minério usado em baterias de celular. Acima de tudo, é uma bomba-relógio: das 16 barragens consideradas inseguras pelo DNPM, 10 estão em Pitinga.

A chegada da “civilização” quase extinguiu os Waimiri Atroari. Cerca de 80% do povo desapareceu entre 1972 e 1986, durante a consolidação do distrito mineral. No período entre 2008 e 2011, enquanto a Paranapanema lucrava R$ 59,5 milhões/ano com a exploração em Pitinga, apenas R$ 768 mil foram investidos em mitigação de impactos. Em sua composição acionária, a Paranapanema conta com gigantes do agronegócio, como Cargill (7%), Glencore (6%) e a Bonsucex Holding (18%), acionista da imobiliária agrícola Terra Santa.

DA CRIMINALIZAÇÃO DOS SEM TERRA AO LOBBY DA MINERAÇÃO

Amazonino Mendes não foi o único herdeiro político do Boto Navegador a se envolver em polêmicas com os povos do campo. De volta às manchetes após se recusar a receber o vice-presidente dos Estados Unidos, Arthur Virgílio (PSDB), atual prefeito de Manaus, é um adversário histórico do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Durante seu mandato no Senado, Virgílio propôs a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar as “ações ilícitas, com sucessivas e violentas invasões de terras” praticadas, segundo ele, pelo MST. Instalada na Câmara em 2003, a CPI encerrou suas atividades depois de sete anos, sem formular uma única acusação.

Incansável na tentativa de criminalizar o movimento, o senador tucano ordenou a quebra de sigilo fiscal de duas entidades ligadas ao MST, enquanto era relator da CPI das ONGs. Novamente, as investigações foram inconclusivas.

Seu filho, o deputado federal Arthur Bisneto (PSDB), é vice na chapa de Omar Aziz (PSD) para o governo do estado. Em sua campanha de 2014, o herdeiro de Virgílio recebeu, através de seu partido, R$ 200 mil da Vale Manganês. Outros candidatos também possuem relações explícitas com o setor de mineração.

Candidato à reeleição no Senado, o ex-governador Eduardo Braga (MDB) é sócio no Grupo Parintins, que possui uma unidade de negócios para a exploração de minérios. Outro que disputa o cargo de senador é o ex-ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento (PR), ex-prefeito de Manaus. Em 2013, ele foi escolhido para integrar a Subcomissão Temporária de elaboração do Marco Regulatório da Mineração em Terras Raras no Brasil.

Em lados opostos, os Braga e Nascimento já foram aliados. Junto com Amazonino Mendes e Arthur Virgílio, os dois pertenciam ao mesmo grupo do ex-governador Gilberto Mestrinho, que governa o Amazonas há quatro décadas.

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