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Antropóloga inicia estudo oficial em comunidade quilombola de Rondônia

O Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) da Comunidade do Forte Príncipe da Beira, no município de Costa Marques, só começou a ser produzido após MPF apresentar Ação Civil Pública na Justiça Federal para o que Incra pudesse realizar o laudo, obtendo assim uma decisão favorável apenas neste ano de 2018.

Por Josep Iborra Plans – agente da CPT Rondônia e da Equipe de Articulação das CPT’s da Amazônia

A antropóloga Maria Celina, designada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), iniciou, no último dia 20, os trabalhos na Comunidade do Forte Príncipe da Beira, no município de Costa Marques, no estado de Rondônia. O objetivo é a elaboração de uma pesquisa oficial de identificação e delimitação do território tradicional da comunidade quilombola. O começo desse trabalho, ordenado por decisão de 11 de julho de 2018 pela Justiça Federal, responde há mais de 15 anos de reivindicações desse povo quilombola pelos seus direitos territoriais numa área em conflito com o Exército Brasileiro.

Na nova sede da Associação ASSQFORTE, construída em mutirão, a pesquisadora foi apresentada à comunidade pelo responsável do Programa Brasil Quilombola do Incra de Rondônia, William Coimbra, em reunião que teve participação massiva dos moradores da comunidade. Posteriormente, a pesquisadora visitou o Labirinto, um dos locais mais enigmáticos do entorno da histórica fortaleza, que pode se tratar da localização de um antigo refúgio dos quilombos da região.

Incidente

Desrespeitando uma decisão da Justiça, ocorreu um incidente quando a antropóloga Maria Celina foi impedida pelo oficial de plantão do Batalhão de visitar o local da antiga Vila de Conceição, uma área próxima ao Forte onde também havia residido parte da comunidade quilombola.

A antiga a Vila de Conceição é uma das áreas tradicionais de moradia da comunidade quilombola, tendo sido um dos maiores povoados do Rio Guaporé no início e metade do século XX. O local sofreu uma grande alagação na década 1970 em plena ditadura militar, e os moradores foram impedidos pelo Exército de retornar ao seu local, sendo forçados a desocupar a área até hoje.

Entenda o conflito

O Exército sempre resistiu em reconhecer a identidade quilombola da Comunidade do Forte Príncipe da Beira, formada por descendentes dos antigos construtores da Fortaleza histórica do século XVI e remanescentes de quilombos da região do Vale do Guaporé, onde morou a famosa liderança quilombola Tereza de Benguela.

A Comunidade do Forte foi reconhecida oficialmente pela Fundação Palmares em 2005, porém o Exército Brasileiro reiteradamente negou autorização ao Incra para realizar o estudo previsto no Decreto 4887/2003, que regulamenta os procedimentos para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. Segundo o Decreto: “São terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos as utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural.

A comunidade quilombola do Forte Príncipe da Beira teve início com a construção da fortaleza portuguesa na divisa da colônia espanhola, atual Bolívia, no século XVIII. Após ser abandonada pelos portugueses, no local sempre continuou morando uma comunidade remanescente dos antigos construtores da mesma, sendo indígenas e quilombolas.

Após o reconhecimento oficial como comunidade quilombola em 2005, o Exército, que tinha retornado ao local e construído um Batalhão de Fronteira sob as ordens de Rondon nos anos 1940, iniciou um período de contínuas retaliações para a comunidade quilombola e graves violações de direitos humanos: Impedimento de construção de novas moradias, despejo de famílias, prisão de tratores e impedimento das pessoas fazerem suas roças e coletar castanhas, as famílias também começaram a  ser impedidas de pescar e acessar o porto civil, restrições para acesso à escola, que foi cercada no interior do quartel militar, e para atividades de turismo e hoteleiras, etc.

Decisão da Justiça Federal

Percebe-se que o Exército teve como estratégia ignorar oficialmente a identidade quilombola e os direitos da comunidade, impedindo a entrada da equipe do Incra para realizar o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), o laudo antropológico oficial para demarcação do território. Após diversas tentativas de mediação, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou Ação Civil Pública na Justiça Federal para o que Incra pudesse realizar o laudo, obtendo assim uma decisão favorável apenas neste ano de 2018.

No dia 11 de julho desse ano, o juiz Federal Marcelo Elias Vieira, da 2ª Vara Federal de Ji-Paraná (RO) ordenou ao Exército Brasileiro permitir o acesso do Incra na área para realizar o RTID, previsto na demarcação dos territórios quilombolas, segundo o Decreto 4887/2003, em aplicação do art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Brasileira de 1988.

A equipe designada pelo Incra para realização do relatório, após as dificuldades encontradas na primeira visita à comunidade do Forte, elaborou um relatório que foi encaminhado ao MPF e para a Justiça Federal, narrando as dificuldades colocadas por oficiais do pelotão em desrespeito à decisão da Justiça.

Mãos quilombolas. Foto de João Zinclar

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