MP do Trabalho processa Havan, acusada de coagir funcionários a votar em Bolsonaro

Empresário disse que ‘se esquerda ganhar’, fechará lojas e demitirá equipe

Marcello Corrêa, O Globo

O Ministério Público do Trabalho em Santa Catarina (MPT-SC) entrou nesta terça-feira com uma ação judicial contra a rede de lojas Havan, após o dono da empresa, Luciano Hang, pedir que seus funcionários votem no candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL). Na mensagem, Hang afirma que “se a esquerda ganhar” fechará lojas e demitirá empregados, o que foi considerado pela procuradoria uma forma de coação.

O vídeo foi publicado na semana passada em uma rede interna voltada para colaboradores, mas começou a circular nas redes sociais nesta segunda-feira. No mesmo dia, Hang promoveu um “ato cívico” transmitido ao vivo pelo Facebook , com a participação de funcionários, no qual também pediu voto para Bolsonaro. Desde então, o MPT recebeu 47 denúncias. O órgão fez um pedido de tutela antecipada, para que a Justiça proíba o empresário de pedir votos aos funcionários. Cabe à Justiça do Trabalho conceder ou não a liminar. Hang nega que tenha coagido funcionários.

Na mensagem aos funcionários, o empresário diz que fez uma pesquisa interna e constatou que 30% dos empregados votarão em branco ou nulo. E afirma: “Se você não for votar, anular seu voto e votar em branco e depois do dia 7 (de outubro, dia da eleição) ganha a esquerda, até eu vou jogar a toalha”. No trecho seguinte, ele se dirige a quem deseja crescer na empresa e afirma que “tudo isso pode acabar”. O vídeo termina com um pedido de voto para Bolsonaro.

Segundo a procuradora Márcia Kamei Lopez Aliaga, responsável pela ação, o pedido foi baseado no vídeo e em mais de 35 notícias de fato (denúncias) contra a conduta da empresa e do empresário — ambos são réus na ação. A ação pede que o empresário pare de pedir votos a funcionários, fixe a decisão judicial — caso o pedido seja concedido — em todas as unidades da rede no Brasil. Além disso, exige que o empresário publique a decisão em suas redes sociais. Na avaliação da procuradora, a conduta de Hang fere o artigo 5º da Constituição Federal e outras leis, como a convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante a liberdade política de empregados.

Caso a liminar seja concedida pela Justiça, Hang, que tem se manifestado a favor de Bolsonaro em suas redes sociais desde o início da campanha, poderá continuar a publicar mensagens a favor do candidato, porém sem envolver os funcionários na campanha.

— De nenhuma forma pretendemos nos imiscuir no processo político, mas garantir a liberdade dos trabalhadores de exercer a cidadania — afirma a procuradora.

O MPT pediu multa de R$ 1 milhão em caso de descumprimento da determinação de abstenção da pressão sobre funcionários. Caso não divulgue o conteúdo da eventual decisão judicial, o empresário estará sujeito a outra penalidade, de R$ 500 mil e R$ 10 mil por funcionário.

A ação judicial foi protocolada no mesmo dia em que o MPT emitiu nota repudiando qualquer tipo de coação a funcionários. No documento, o órgão afirma que esse tipo de conduta pode ser considerada assédio moral. Na avaliação do procurador-geral do MPT, Ronaldo Fleury, existe uma “linha tênue” entre demonstrar a preferência por candidatos e coagir funcionários.

— A linha é muito tênue. Meu posicionamento é que a partir do momento que há uma sugestão de que o trabalhador pode perder o emprego (caso vote de forma contrária às orientações), há o assédio — afirma.

Outro lado

Luciano Hang defendeu a publicação do vídeo e reafirmou que, caso um candidato à esquerda vença, repensará seus planos. Ele afirmou ainda que está em seu direito ao defender seu posicionamento.

— Vamos provar, se houver inquérito ou coisa parecida, que não fizemos nada de errado. Está no meu direito de ser transparente e falar para os meus colaboradores qual é o futuro que eles têm — disse o empresário ao GLOBO, antes de o MPT ingressar com a ação.

O empresário sustenta que a mensagem foi um ato de transparência para com os funcionários. Ele avalia que, se um candidato de esquerda ganhar, a confiança para a investir cairá.

— Eu digo que se entrar esquerda vou rever o plano de crescimento. Em 2015, no auge da crise da Dilma, a Havan teve que demitir 5 mil colaboradores. E eu deixei bem claro o seguinte: se a esquerda voltar, temos o risco de termos que voltar a demitir, porque a crise estará instalada.

Justiça eleitoral

Em setembro, Hang já foi multado em R$ 10 mil pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por impulsionar postagens em redes sociais — o que só é permitido a partidos políticos. Procurados, o TSE e o Ministério Público Eleitoral informaram que não emitem pareceres antecipados.

Na avaliação do jurista Gilson Dipp, ex-ministro do TSE, no entanto, é possível que o episódio se enquadre em crime eleitoral:

— Me parece que pode se enquadrar em um ou mais ilícitos eleitorais.

Grupo Condor

Em episódio semelhante, o Grupo Condor, rede de supermercados do Paraná, será investigado pela Procuradoria Regional Eleitoral após uma carta a funcionários ter sido divulgada. Na mensagem, o presidente do grupo, Pedro Zonta  elenca as supostas razões pelas quais votará em Jair Bolsonaro e não votará na “esquerda”. Os procuradores vão apurar se as declarações da “Carta aos Colaboradores do Grupo Condor” podem, de alguma forma, constranger os funcionários do grupo.

Assista ao trecho do vídeo.

Imagem: Unidade da Havan em Itajaí (SC) Foto: Lucas Tavares

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