por Rithyele Dantas, em RioOnWatch
O Brasil está entre os 30 países que mais possuem porte de armas de fogo no mundo–isso só contando as armas legais. O Brasil, portanto, já é um país armado. Quem é da favela sabe disso. E sabe também que esta situação não tem nos levado a qualquer condição de paz. Segundo dados recém publicados da Pesquisa Global de Mortalidade por Armas de Fogo, o Brasil é o país com mais mortos por armas de fogo. Tem uma taxa de homicídio por armas de fogo maior, inclusive, que os Estados Unidos, que é o país onde mais pessoas têm o porte.
Ainda assim, na última semana de campanha no primeiro turno, o líder das pesquisas para presidente, Jair Bolsonaro do PSL, defende, veementemente, o armamento de mais pessoas, porque segundo ele, as armas são a garantia da liberdade da população. Porém, não é o que a população da favela acha. Na epidemia de tiroteios, morrem policiais, bandidos e também muitos inocentes, vítimas de balas perdidas, que acham os corpos favelados.
No último dia 17 de setembro, Rodrigo Alexandre da Silva Serrano, de 26 anos, foi assassinado em uma ação da polícia que, segundo moradores, a PM confundiu seu guarda-chuva com arma. Rodrigo, morto no morro do Chapéu-Mangueira, na Zona Sul do Rio de Janeiro, deixou dois filhos pequenos e sua esposa.
Na última segunda feira, dia 2 de outubro, Anderson, um adolescente de 17 anos, tomou tiro e morreu no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio. Segundo testemunhas, o jovem Anderson foi confundido com um bandido dentro da própria casa.
Presente na grande manifestação #EleNão–organizada na redes sociais pelo grupo Mulheres Unidas Contra Bolsonaro–que aconteceu no Centro do Rio no dia 29 de setembro, Bruna Silva, moradora do Complexo da Maré declarou que “a política dele é justamente aquilo que quero combater: o extermínio nas favelas”.
O extermínio do qual Bruna se refere é esse que confunde qualquer corpo na favela com bandido. Essa lógica de que bandidos têm que morrer, também alimentada pelo candidato à presidência do PSL, ameaça vidas inocentes. O extermínio que ela retrata a atingiu diretamente: seu filho Marcos Vinicius, de apenas 14 anos, que foi assassinado no Complexo da Maré quando voltava da escola–devido às aulas canceladas por uma operação–com roupa de escola e com material escolar, no último dia 20 de junho. “A favela [é marcada pelo] estigmade que somos bandidos”, desabafa Bruna.
#EleNão também chega às favelas
Mulheres, LGBTs, cristãos, frequentadores de terreiros, estudantes, professores, torcidas organizadas de grandes clubes, favelados e muitos outros contra Bolsonaro estiveram nas ruas de todo o país no dia 29 de setembro. O movimento que nasceu nas redes sociais movimentou, só no Rio de Janeiro, mais de 200.000 pessoas, além de outras manifestantes pelo Brasil e pelo mundo.
Favelados estavam entre os que se organizaram para ir às ruas no Rio de Janeiro e, além disso, nas redes sociais, têm se colocado na linha de frente no combate às declarações preconceituosas e estigmatizantes do líder das intenções de voto no primeiro turno para presidente.
Filipe dos Anjos, Secretário Geral da Federação das Favelas do Rio de Janeiro (FAFERJ), relatou: “Lançamos um evento no Facebook pela FAFERJ, mas sabíamos que o protagonismo seria das mulheres, mas nós favelados estivemos lá”. De acordo com Filipe, “O problema do Bolsonaro é a ascensão do fascismo. Estamos em um período de crise na segurança pública e na economia, alto desemprego e a história diz, para a gente, que é nesse período que o fascismo ressurge, cada vez mais forte na sociedade. A figura do Bolsonaro aflorou todo tipo de preconceito na sociedade”.
Em relação as favelas Filipe alerta: “O perigo do Bolsonaro para as favelas, é que uma parcela da sociedade, como a burguesia, vê a favela como inimiga, trata a favela como território do conflito e do atraso. A sociedade elege a favela como o lugar dos principais problemas que têm que ser combatidos através da arma, da força. A gente sabe que a favela é a solução, somos um terço do Rio, e a maior parte [dos moradores] é trabalhador. O perigo do Bolsonaro é o afloramento ainda maior contra os moradores de favela”.
Segundo O Globo, em fevereiro deste ano, Jair Bolsonaro disse, em uma conferência de um grupo de banqueiros, que mandaria metralhar a Rocinha se os bandidos não se entregassem. “É uma fala muito preconceituosa como só tivesse bandidos na favela, enquanto na verdade, lá em Brasília, tem muitos ao lado dele. O pessoal da favela é trabalhador”, declarou o manifestante Cosme Felippsen, morador do Morro da Providência, guia turístico idealizador do Rolé dos Favelados.
As ruas do Rio são tomadas
O ato do último fim de semana foi muito potente, gigante. Manifestantes caminharam da Cinelândia à Praça XV, chegando lá havia um palco com muitas falas, inclusive de mães que se organizam em coletivos de luta contra a violência e pelos direitos humanos.
“Não acabou, tem que acabar, eu quero o fim da Polícia Militar” gritavam mulheres que seguravam faixas com rostos de vítimas da violência do Estado, majoritariamente jovens negros. Em uma cena absolutamente impactante, Bruna Silva segurava a icônica blusa ensanguentada de seu filho Marcos Vinicius.
“Nós estamos aqui, parece num número pequeno, mas tristemente somos um número muito grande e somos verdadeiramente o que estamos gritando hoje. Ele não! Ele nunca! Ele jamais! Não queremos perder mais ninguém! Chega do povo negro estar sendo açoitado e assassinado. Chega! Não queremos mais. Somos os familiares que esse Estado açoita e mata. Vidas negras importam!” falou ao microfone a manifestante Mônica Cunha, do Movimento Moleque e mãe de vítima de violência de Estado.
Brasil e Deus
Cosme Filippsen é cristão e avalia negativamente o que Bolsonaro fala sobre religião. “Ao ver do cristão genuíno, Bolsonaro não é cristão… Muita gente se diz cristã quando está com microfone na mão, na mídia, com as câmeras em cima, mas estão nesse lugar com maldade, estão pregando um contra-cristianismo. Jesus Cristo não veio pregar 1% do que esse pessoal fala”, diz ele.
Cosme também fala sobre favelados que apoiam Bolsonaro, suas expectativas sobre as eleições e seu posicionamento. “É triste quando a gente vê favelado cada vez mais desanimado e desacreditado. Eu tenho uma amiga, mulher negra, mora na favela, mas que apoia Bolsonaro porque diz que é o único que pode combater as corrupções. Eu ainda tenho alguma esperança nas eleições, não muitas, mas ainda acho que nós precisamos nos organizar para além disso. Não me assusta a fala dos maus, mas o silêncio dos bons. Os favelados que não vão votar nele precisam se posicionar”, finaliza Cosme.
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*Cria do Morro da Cruz no Andaraí, é estudante de jornalismo. Rithyele é fotojornalista, e já atuou como educadora popular, assessora parlamentar no Rio e é fundadora do blog Jornalistas Pretas, um trabalho que acredita ser importante para a garantia dos direitos humanos.