Há 30 anos, a Constituição reconhecia os direitos quilombolas

Foi apenas na Constituição de 1988 que se assegurou às comunidades quilombolas o direito à propriedade de suas terras. Porém, até hoje, apenas 9% das comunidades quilombolas vivem em áreas tituladas.

Comissão Pró-Índio

Após 30 anos da Constituição Federal reconhecer, pela primeira vez, a existência e os direitos dos quilombolas contemporâneos, o título de propriedade continua a ser uma realidade distante de grande parte das mais de 3.000 comunidades existentes hoje no Brasil. Somente 265 delas possuem ao menos parte de sua terra regularizada.

Placar das Titulações 

175 territórios onde vivem 265 comunidades em 16 estados.
Dimensão total regularizada: 1.012.124,6116 hectares

O cenário atual não permite otimismo quanto ao avanço das titulações. São 1.696 processos tramitando no Incra, 44% deles abertos há mais de 10 anos.  A maior parte dos processos (85%) não conta sequer com o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, fase inicial que identifica os limites do território quilombola a ser titulado.

Direitos Quilombolas na Constituição

A Constituição Brasileira de 1988, no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), consagra às comunidades de quilombolas o direito à propriedade de suas terras. Diz textualmente o artigo 68: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.

A proposta foi trazida aos debates da Assembleia Constituinte por entidades do movimento negro responsáveis também pela inclusão de dispositivo semelhante em algumas constituições estaduais, como as do Pará, Maranhão e Bahia. A proposta foi formalizada pelo, então, Deputado Carlos Alberto Caó (PDT-RJ) e apresentada sob a rubrica de Emenda Popular em 20 de agosto de 1987.

Enquanto os direitos dos índios à posse de suas terras foram garantidos em todas as Constituições brasileiras desde a de 1934, foi apenas na Constituição de 1988 que os quilombolas tiveram direitos reconhecidos. A inclusão deste preceito constitucional repara uma injustiça histórica cometida pela sociedade escravocrata brasileira contra o povo negro. Uma reparação que se concretiza através do reconhecimento dos direitos das comunidades de descendentes dos antigos escravos possibilitando-lhes, finalmente, o acesso à propriedade de suas terras.

As comunidades quilombolas tiveram também garantido o direito à manutenção de sua cultura própria através dos artigos 215 e 216 da Constituição. O primeiro dispositivo determina que o Estado proteja as manifestações culturais afro-brasileiras. Já o artigo 216 considera patrimônio cultural brasileiro, a ser promovido e protegido pelo Poder Público, os bens de natureza material e imaterial (nos quais incluem-se as formas de expressão, bem como os modos de criar, fazer e viver) dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, entre os quais estão, sem dúvida, as comunidades negras.

O lento caminho das titulações

A primeira titulação de uma terra quilombola deu-se somente sete anos após a promulgação da Constituição, em novembro de 1995, quando o Incra regularizou as terras da Comunidade Boa Vista, em Oriximiná, Pará. A lentidão na condução os processos e o número reduzido de titulações marcam todos os governos desde então.

Fernando Henrique Cardoso (1994 – 2002)
8 terras tituladas | 116.491,5614 hectares

Luís Inácio Lula da Silva (2003 – 2010)
12 terras tituladas (4 parcialmente) | 39.232,4399 hectares

Dilma Rousseff (2011 – maio 2016)
16 terras tituladas (15 parcialmente) |11.737,0789 hectares

Michel Temer (maio 2016 – setembro 2018)
5 terras tituladas (4 parcialmente) | 18.825,6846 hectares

As 39 terras tituladas por órgãos do governo federal (Incra, Fundação Cultural Palmares e Secretaria do Patrimônio da União) representam apenas 18% (186.405,9648 hectares) da dimensão total regularizada para comunidades quilombolas no País.  O restante das titulações (139 terras somando 825.718,6468 hectares) foi assegurado por governos estaduais que também conduzem procedimentos para a titulação de terras quilombolas seguindo legislações próprias. Observe-se três terras quilombolas foram tituladas uma parte pelo governo federal e outra pelo governo estadual.

Os governos do Pará e do Maranhão foram os que mais titularam terras quilombolas no país: 55 e 54 terras, respectivamente. Além destes, os estados da Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e Piauí concederam títulos a comunidades quilombolas.

O andamento dos processos permanece lento e não há indicativo que o cenário de baixa efetividade na garantia dos direitos territoriais das comunidades quilombolas possa ser revertido a médio prazo. Pelo contrário, os sucessivos cortes no orçamento do Incra tendem a agravar a situação. Enquanto em 2010 o orçamento para a regularização de terras quilombolas somava 64 milhões para o ano de 2018 a previsão é de apenas R$ 2.345.239,00.

Enquanto as titulações não acontecem, os quilombolas ficam mais vulneráveis a uma série de ameaças à sua existência, ao seu modo de vida e seus territórios. Refletindo um cenário nacional, a violência contra os quilombolas vem crescendo. Pesquisa divulgada recentemente indica que o número de assassinatos de quilombolas no Brasil saltou de 4 para 18 de 2016 a 2017 (CONAQ e Terras de Direitos, 2018).




Fontes:

Andrade, L M. M. de  & Trecanni, Girolamo. “Terras de Quilombo” In: Raimundo Laranjeira (org.) Direito Agrário Brasileiro, LTr, São Paulo, 2000.

Comissão Pró-Índio de São Paulo  Observatório Terras Quilombolas

Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras e Rurais Quilombolas e Terra de Direitos, Racismo e violência contra quilombos no Brasil, Curitiba: Terra de Direitos, 2018.

Cunha, Manuela Carneiro da. Os Direitos dos Índios, ensaios e documentos, Brasiliense/Comissão Pró-Índio de São Paulo, São Paulo, 1987.

Foto: Lúcia Andrade

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