Rejeição a PT no Sul leva a coação por voto e abordagem da PM

Advogado foi intimidado por ter adesivo do PT no carro, enquanto empresários da região pressionam funcionários a votar em Bolsonaro

Por René Ruschel, na Carta Capital

Na terça-feira 2, em Curitiba, o advogado e professor de Direito Administrativo Tarso Cabral Violin saía de um restaurante e, acompanhado de sua filha de 12 anos, foi abordado no estacionamento por dois policiais militares. Um deles se aproximou do carro e disse que o adesivo colado no vidro traseiro era ilegal, pois trazia a imagem do ex-presidente Lula. “Disse a ele que não é ilegal e apenas exercia meu direito à liberdade de expressão”, conta o advogado.

Para justificar a abordagem, o militar afirmou que fora convocado ali “por uma juíza de nome Camila, que também almoçou no restaurante” e teria ficado incomodada com a imagem. Sem reação ou argumentos, os policiais se retiraram. “Não foram agressivos, mas prepotentes. Essa atitude é apenas uma amostra do que pode vir a acontecer em breve no Brasil. Quem viveu o período de autoritarismo, da ditadura militar, conhece muito bem o que é isso. Mas nada vai me intimidar” afirmou Violin.

Naquele mesmo horário, há pouco mais de um quilômetro dali, quem também não se intimidou foi a procuradora do Ministério Público do Trabalho do Paraná, Cristiane Maria Sbalqueiro Lopes. Ao tomar conhecimento que o diretor-presidente da rede de supermercados Condor, Pedro Joanir Zonta, havia expedido uma carta aos 12 mil empregados coagindo-os a votar no candidato Jair Bolsonaro nas eleições do próximo domingo, imediatamente o convocou para prestar esclarecimentos ao MPT. “Soube do ocorrido por volta das 13:30 e o intimei para uma audiência às 17 horas da mesma tarde” afirmou a procuradora.

Na mensagem, Zonta afirma “meu voto é no Bolsonaro” e justifica a opção pelo fato do candidato “não ter medo de dizer o que pensa; protege os princípios da família, da moral e dos bons costumes; luta contra o aborto e contra a sexualização infantil; é a favor da redução da maioridade penal e segue os valores cristãos”.

Atribui à esquerda “o fim da família; o agravamento da crise econômica; a corrupção; o desemprego; o aumento da criminalidade e a transformação do Brasil em uma Venezuela”. Encerra com o compromisso de que “não haverá de forma alguma, corte no 13º e nas férias dos colaboradores do grupo Condor”.

A procuradora pediu que o empresário explicasse este parágrafo, que lhe pareceu “bastante confuso”. Zonta afirmou que, segundo informações, os empregados comentavam pelos corredores que não votariam em Bolsonaro porque não queriam perder estes direitos. “O contraditório é que ele, como dono da rede, não só pedia voto ao candidato como garantia o pagamento do 13 e férias. Na prática, trata-se de coação, de uma promessa de vantagem em troca de voto”, explica a Lopes.

Neste caso, além da coação, havia o crime da compra de voto. O empresário assinou um Termo de Ajustamento de Conduta, onde se comprometeu a redigir, em até 48 hrs, um novo documento para ser divulgado pelos mesmos canais, informando que se trata de uma posição pessoal, sem qualquer interferência no campo de trabalho.

Em Santa Catarina, Luciano Hang, dono das lojas Havan, com mais de 120 unidades espalhadas pelo País, coagiu e pressionou por meio de um vídeo interno seus 15 mil empregados a votar em Bolsonaro. Afirmou que, caso um “candidato de esquerda” vença a eleição presidencial irá repensar o futuro da empresa e “talvez venha a fechar algumas lojas. Você está preparado para sair da Havan? Você, que sonha ser líder, gerente, crescer com a Havan, já imaginou que tudo isso pode acabar dia 7 de outubro? (…) Se você não votar, se você anular seu voto, se você votar em branco e a esquerda ganhar, e nós virarmos uma Venezuela, vou dizer pra (sic) vocês: até eu vou jogar a toalha”, afirmou na gravação.

De acordo com o juiz do Trabalho Carlos Alberto Pereira de Castro, o empresário manteve uma “conduta flagrantemente amedrontadora” ao divulgar vídeos e organizar eventos com funcionários em que declara seu voto no candidato do PSL, e sugere que, caso ele não ganhe, o futuro da Havan e de seus empregados estará em risco. Neles, afirma que a empresa fez levantamentos de intenção de voto entre seus funcionários.

O magistrado destaca que a frase “conto com cada um de vocês”, usada por Hang no final de um pronunciamento, “indica a intenção de ordenar o comportamento de votar em um candidato, o de sua predileção”. Castro estabeleceu multa de 500 mil reais em caso de descumprimento. Hang ainda deverá gravar e divulgar um vídeo em suas redes sociais onde deve ler a decisão judicial proferida.

Para o cientista político e mestre em antropologia Benedito Tadeu César, professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, atitudes como estas explicam os motivos do crescimento do apoio ao candidato Jair Bolsonaro e da rejeição ao petista Fernando Haddad.

Segundo pesquisa do Datafolha, a rejeição de Haddad na região Sul saltou de 37% para 52%. Para César, a classe média tem se sentido ameaçada, assustada. “De um lado, pela crise, pelo desemprego; de outro pelo fato dos segmentos de baixa renda, que sempre os serviram como empregados, passarem a ascender socialmente e buscar seus direitos” afirmou.

O temor pelos governos de “esquerda” se dá justamente porque todos esses avanços sociais foram conquistados durante os governos Lula e Dilma. O professor lembra que o direito às cotas dos negros nas universidades assustou uma elite acostumadas aos privilégios de seus filhos. “De repente, o filho da empregada doméstica tem as mesmas oportunidades que o filho da patroa. Isso se configura não apenas uma disputa nos bancos escolares, mas no mercado de trabalho futuro. O que antes era uma reserva de mercado, passa a ser um espaço de disputa”, explica.

Diante disso, avalia o cientista político, a única forma que encontram para lutar pela manutenção do “status-quo” é pelo discurso reacionário, conservador, moralista e ético. “Nessas horas, buscam a família e invocam os valores patrióticos. Criticam o comunismo e defendem o País do ‘chão vermelho’. A manifestação das mulheres, que levou milhares de pessoas às ruas no fim de semana, provocou uma reação em cadeia”, disse o sociólogo.

César lembra, ainda, do papel do Judiciário que,aliado ao Ministério Público, ganhou relevância política e se sobrepõe aos demais poderes a ponto de assumir um papel que não lhe cabe. “Quem tem o poder de definir os rumos do País são os poderes executivos e legislativo, eleitos pela vontade popular”.

Para ele, o que ocorre é algo muito semelhante com o que se passou entre nos anos 1920 e 1930, com a oficialidade jovem das Forças Armadas. “A diferença para os dias atuais é que esta elite dos jovens oficiais era modernizadora e levou o Brasil a um salto de desenvolvimento. Hoje, temos um movimento regressivo que tenta impedir o movimento de emancipação nacional. A preocupação do Judiciário e do MP é manter seus próprios privilégios”, conclui.

Adesivo em carro foi motivo para abordagem policial (Arquivo pessoal)

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