O Tribunal Superior Eleitoral prometeu, ao longo deste ano, que agiria de forma contundente para prevenir que as eleições brasileiras fossem influenciadas pela circulação de notícias falsas. Organizou eventos, trouxe especialistas, deu centenas de entrevistas, bateu no peito e garantiu que não haveria anormalidade. Disse até que as eleições poderiam ser canceladas se o vencedor usasse desse tipo de artifício.
Depois, quando o debate público passou a ser manipulado à luz do dia, com notícias falsas, fraudadas e distorcidas, ou através de cálculos sofisticados que produzem mensagens personalizadas considerando o desejo dos indivíduos identificado com coleta de dados, psicometria e inteligência artificial, veio o silêncio. O TSE não tem sido capaz de defender o processo eleitoral, nem a si mesmo, sofrendo sucessivos e inaceitáveis ataques de Jair Bolsonaro e amigos, que acusam a urna eletrônica e os resultados eleitorais sem provas concretas.
Nesta quarta (17), o tribunal chamou uma reunião com representantes dos candidatos à Presidência da República para pedir compromisso contra as notícias falsas, a violência na campanha e em defesa das urnas. Esse tipo de encontro, em que todos concordam com tudo, tende a ser ineficiente. Melhor faria que os ministros apontassem publicamente os problemas de cada candidato. O que seria útil, inclusive, para fugir da falsa simetria.
Pode ser que os ministros do TSE ou do Supremo Tribunal Federal não tenham dimensão real do que está acontecendo. Ou, tenham percebido que o monstro é maior do que eles, pode ser que permaneceram quietos, sem a coragem necessária para enfrentá-lo. Ministros que, em condições normais, comentam até jogo de futebol da quarta divisão e penteado de Playmobil.
Em artigo publicado no jornal New York Times, desta quarta (17), Cristina Tardáguila, da Agência Lupa, Fabrício Benevenuto, da UFMG, e Pablo Ortellado, da USP, trouxeram dados de um estudo realizado pelas três instituições sobre o impacto da desinformação compartilhada pelo WhatsApp nas eleições presidenciais. Com base na análise de 846.905 mensagens de 347 grupos de discussão política, verificou-se que das 50 imagens diferentes que circularam, entre 16 de agosto e 7 de outubro, apenas quatro eram verdadeiras ou não haviam sido manipuladas. Quatro.
Para reduzir o impacto de conteúdo com objetivo de manipular o debate público, eles sugerem que o WhatsApp reduza, no período eleitoral, a quantidade de vezes que uma mensagem pode ser replicada – de 20 para 5, como é na Índia, por exemplo. A plataforma já havia reduzido de 200 para 20. E também reduzir o tamanho de grupos montados durante a eleição. A plataforma não respondeu, mas se o TSE tivesse dialogado antes, poderia ter conseguido compromissos nesse sentido.
A somatória de todas as checagens de boatos feitas por agências especializadas e veículos de comunicação não conseguiu acompanhar o ritmo de notícias falsas, fraudes e distorções distribuídas por aplicativos de mensagens e rede sociais. E mesmo se conseguisse, não chegaria ao público tanto quanto os boatos em si. Os smartphones de uma parcela considerável da população conta com planos em que apenas o acesso ao Facebook ou ao WhatsApp é ilimitado devido a parcerias com as plataformas. Ou seja, quando recebe uma notícia que desconfia ser falsa, o usuário não consegue clicar e ler o texto, muito menos procurar no Google mais informações, porque acabou seu plano de dados e está longe de um Wi-fi.
No final, o WhatsApp foi o que avisamos que seria: não um aplicativo de mensagens, mas uma rede social anônima e, portanto, perfeita para a difusão de conteúdo sem a chance de ser contestado.
Ao mesmo tempo, consultorias digitais montaram ou compraram bancos de dados, com 80 a 100 pontos de informação coletados sobre cada pessoa, para poder tocar fundo o que cada uma delas desejava ouvir. A partir disso, criaram grupos microssegmentados e enviaram mensagens a eles, empacotando-as em uma embalagem de notícia falsa. Daí, impulsionam esse pacote, usando um cartão de crédito pré-pago internacional e acessando através de uma rede privada virtual sediada em outro país, tornando mais difícil a identificação, responsabilização e remediação do ato.
Essa parte invisível, que usa ”chipeiras”, com dezenas de cartões de celulares, acopladas a computadores com abastecidos com megaplanilhas, atua com psicometria e manipulação em massa. Ela é muito, mas muito mais assustadora. Porque, ao enviar conteúdos capazes de mexer com seus sentimentos baseados em bases de dados com informações que eles coletam, compram ou roubam sobre você, acabam por manipular sua vida sem que você perceba. É mensagem subliminar da propaganda extremamente mais poderosa e eficaz.
A dez dias do segundo turno, é possível afirmar que o debate eleitoral foi manipulado com consequências que não podem ser ainda determinadas. E que o resultado da ”festa da democracia” de 2018 é uma sociedade em que uma parcela considerável de seus membros tornou-se incapaz de separar ficção de realidade. E uma outra parte simplesmente não se importa com isso.