Militares no poder

Como o general Etchegoyen ganhou força no governo e preparou terreno para a vigilância do Estado

por Luiz Antônio Araujo, em The Intercept Brasil

Sergio Westphalen Etchegoyen coleciona ao menos uma proeza desde que assumiu, há 29 meses, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República – a manutenção de Michel Temer no poder. Fiador da posse do emedebista, o general foi uma espécie de delegado das Forças Armadas junto à Presidência, com poderes para reorganizar e controlar a inteligência de Estado.

O sucesso de sua missão deve ser avaliado a partir de dois fatos. O primeiro é o de que o protegido de Etchegoyen transmitirá o cargo ao sucessor em 1º de janeiro de 2019. O segundo é o de que o fará depois de duas denúncias na Câmara, um indiciamento pela Polícia Federal, afastamento e prisão de todo o seu círculo próximo, sem que nenhum desses desastres tenha sido previsto ou evitado pela inteligência chefiada pelo ministro-chefe do GSI.

A chegada de Etchegoyen ao Palácio do Planalto também ajudou a preparar o terreno para o sem fim de generais, a começar pelo vice-presidente, com que Jair Bolsonaro promete rechear o ministério caso vença as eleições – uma promessa que dá calafrios em quem vê a ditadura militar dos anos 60, 70 e 80 como um período de retrocessos e repressão. Não que o militar da reserva que passou a vida na caserna seja lá muito simpático ao capitão reformado. “Na minha convicção, a solução do Brasil é política, o Brasil precisa de um político, não de um outsider. Eu não me enquadro nisso. Me olho no espelho e não vejo esse cidadão. Conseguimos avançar tanto na consolidação de instituições e da democracia que qualquer coisa que desviar disso na solução de que precisamos vai trazer muito mais solavancos”, disse em entrevista à revista Piauí.

Como todas as grandes vitórias militares, a de Etchegoyen foi resultado de um misto de planejamento, audácia e acaso. Seus lances decisivos ocorreram quando Dilma Rousseff ainda ocupava o Palácio da Alvorada na condição de presidente afastada que respondia a processo de impeachment.

O triunfo começou a ser sacramentado em 12 de maio de 2016. Nessa data, por meio de medida provisória, o então presidente em exercício Michel Temer recriou o GSI com status de ministério, nomeando Etchegoyen como ministro-chefe. Restaurou-se, assim, uma tradição iniciada em 1999, quando o órgão assumira as atribuições da antiga Casa Militar da Presidência da República, no segundo governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Ao novo gabinete, cabia supervisionar o chamado Sistema Brasileiro de Inteligência, constelação de ministérios, serviços e repartições envolvidos em atividades de informação, fiscalização e controle. O mais notório desses corpos, destinado a operar sob a ordem unida do GSI, era a Agência Brasileira de Inteligência, a Abin, sucessora do Serviço Nacional de Informações do regime militar. Enquanto o extinto serviço havia sido tradicionalmente dirigido por generais, a Abin esteve desde a criação sob comando direto de civis. Acima dela, porém, os três chefes do GSI sempre ostentaram quatro estrelas.

O destino do GSI havia sido um dos pontos de discórdia entre Dilma e a cúpula das Forças Armadas durante a reforma ministerial de outubro de 2015, a mais acidentada promovida pela presidente. Com o objetivo de reduzir os ministérios de 38 para 31, a petista renomeara o gabinete como Casa Militar, transferindo-o à tutela da Secretaria de Governo, um ministério civil. Com isso, pela primeira vez desde 1999, a Abin situava-se além da supervisão da caserna. O episódio foi a culminância de uma longa série de desencontros entre o GSI, a Abin e os governos do PT. O ponto alto ocorrera em 2005, quando um ex-servidor da agência havia fornecido equipamento para gravação do flagrante de propina que detonou o escândalo do mensalão.

Antes de completar seis meses, o arranjo de Dilma caiu por terra. Temer não aguardou sequer a votação do processo de impeachment pela Câmara, em agosto de 2016, para reestabelecer a soberania militar sobre o GSI. Por meio de uma medida provisória, o órgão foi reforçado com novas competências, como a de “coordenar as atividades de inteligência federal”. O texto estabelece que a Abin passa a fazer parte da “estrutura básica” do GSI.

“A recriação do GSI dá a dimensão do que se passou no afastamento da presidente Dilma. Não sou dos que veem que estejamos à beira de um golpe militar, mas é óbvio que os militares foram consultados em vários momentos e opinaram de forma bastante discreta”, me disse Alexandre Fuccile, professor do Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais San Thiago Dantas da Universidade Estadual Paulista, a Unesp. “Aos poucos, isso está mudando. Passados mais de dois anos do governo Temer, opino que experimentamos bastante retrocesso nas relações civis militares e no controle civil das Forças Armadas no Brasil”, acrescentou.

Com Etchegoyen à frente do GSI, estava aberto o caminho para uma reviravolta na inteligência de Estado no Brasil. Foi o que ocorreu em 29 de junho, exatos 63 dias antes da aprovação do impeachment de Dilma. Por decreto, Temer determinou nesse dia que o GSI seria responsável pela chamada Política Nacional de Inteligência, a PNI. Com isso, o ministério, com Etchegoyen à frente, assumiu uma autoridade que não se concentrava em um único órgão desde o regime militar.

Inserido como anexo no decreto de Temer, o texto da PNI é um misto de dissertação acadêmica, exposição doutrinária e manual de operações. Inclui platitudes (“a Inteligência é uma atividade especializada e tem o seu exercício alicerçado em um conjunto sólido de valores profissionais e em uma doutrina comum”), garantias redundantes (“a Inteligência desenvolve suas atividades em estrita obediência ao ordenamento jurídico brasileiro”) e ciência política de fundo de quintal (“a conjuntura mundial tem alterado a percepção e a conduta dos Estados nacionais, das organizações e dos indivíduos, realçando os chamados temas globais e transnacionais”).

Ao enveredar pelas tarefas da inteligência oficial, o documento transforma o GSI em um superministério. Cabe ao órgão comandado por Etchegoyen tratar de áreas tão variadas como espionagem e contra-espionagem, monitoramento de fronteiras, infraestrutura e ciberespaço, prevenção de sabotagem, compartilhamento de informações entre órgãos governamentais, informação sobre “ações contrárias ao Estado Democrático de Direito”, combate à corrupção e ao terrorismo e identificação de “oportunidades e interesses para o desenvolvimento nacional”. Nenhum aparelho estatal criado depois de 1985 no Brasil havia abarcado um raio de ação tão extenso. Se a ressurreição do GSI foi a ata de triunfo de Etchegoyen, a PNI é o mapa do território ocupado. Um mapa, aliás, assumidamente vago, no qual vastas regiões são deixadas à imaginação – ou ao arbítrio – do cliente.

A maior parte da nova fatia de poder do GSI deve-se à retomada do controle sobre a Abin e a uma interpretação visivelmente ampla do conceito de inteligência do Estado. Para efeito de comparação, a Casa Militar surgida da reforma ministerial de Dilma, definida como “órgão essencial da Presidência”, tinha oito atribuições, todas relacionadas ao assessoramento direto e pessoal do chefe do Executivo, à segurança e às viagens presidenciais, ao apoio ao Conselho de Defesa Nacional e ao Sistema de Proteção ao Programa Nuclear Brasileiro. O termo “inteligência” sequer era mencionado no decreto de Dilma, publicado em 26 de dezembro de 2015 – em vez disso, referia-se a “assuntos militares e de segurança” e “atividades de segurança da informação”.

O homem do presidente

A reinvenção do GSI não teria sido possível sem a afinidade que une Temer e Etchegoyen desde a crise que culminou com o impeachment de Dilma, em 2016. O então vice-presidente e o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas mantinham um relacionamento protocolar até o início daquele ano, quando ficou claro que o Palácio do Planalto se encaminhava para uma troca de guarda. Ciente de que o PT mantinha diálogo com setores da cúpula militar, Temer tratou de sondar generais. Um dos encontros solicitados pelo vice-presidente ocorreu na casa de Etchegoyen. Nas conversas, ficou claro que a restauração do GSI era ponto de honra para as Forças, e que Etchegoyen era o comandante designado para a missão.

A escolha não se deu ao acaso. Aos 66 anos, com três filhos e quatro netos, o general-de-Exército é um representante típico da geração de oficiais que ingressou na carreira na segunda década do regime militar e chegou ao topo quando a redemocratização já estava consolidada.

Não faz o tipo caricato de general de comédia da Sessão da Tarde: discreto e cordato no trato pessoal, é tido como leitor contumaz, com interesses que vão da estratégia à história, passando pela ficção, especialmente a de seu Estado natal, o Rio Grande do Sul. Não é dado a liturgias e pavoneios, como atesta o hábito, incomum entre ministros, de almoçar diariamente no bandejão dos servidores do Planalto. Profissionalmente, reúne experiência de comando de tropa (como a 3ª Divisão de Exército, em Santa Maria), de instituições de ensino (como a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, no Rio) e de missões no Exterior (como a Comissão do Exército Brasileiro em Washington e a Missão de Verificação das Nações Unidas em El Salvador).

“O general Etchegoyen é um homem de diálogo. Conhecedor da nossa história, defende nossas Forças Armadas fortes e modernas, sabendo que investir na nossa defesa é investimento, e não despesa. Pensa grande e não se contenta com a mediocridade”, afirma o jornalista e ex-deputado federal Roberto D’Avila, que o entrevistou em maio de 2017 e setembro de 2018 para o canal de TV por assinatura GloboNews.

A rotina de Etchegoyen reflete a maneira como encara seu papel. O general aguarda Temer diariamente pela manhã na garagem do Planalto. No deslocamento de elevador até o gabinete presidencial, no terceiro andar (o GSI situa-se no quarto), os dois repassam as questões mais importantes do dia. Etchegoyen é o único ministro que ostenta crachá nos corredores do Planalto – menos por formalismo e mais por atenção à regra de inteligência segundo a qual a identidade funcional, como toda e qualquer informação, deve ser acessível a quem comanda.

Esse apego às normas provocou pelo menos um constrangimento entre o GSI e a CIA, a agência americana de inteligência. No dia 9 de junho de 2017, a agenda de Etchegoyen registrou reunião com Duyane Norman, “chefe do Posto da CIA em Brasília”. Com o episódio, o Brasil passou a fazer companhia ao Paquistão na galeria de nações amigas dos Estados Unidos que expuseram identidade de funcionários da agência em serviço. O GSI defendeu-se afirmando que a legislação sobre transparência determina que sejam identificados cargos ou funções de quem é recebido pelo ministro.

Etchegoyen chegou a ser convidado pelo ministro-chefe da Secretaria-Geral de Governo, Carlos Marun, para se filiar ao MDB, partido do presidente. Como militar da reserva, não haveria impedimento legal ao gesto. Polidamente, o titular do GSI recusou. Não que tivesse pouca familiaridade com os aspectos profissionais da política.

Uma família de coturno

Os Etchegoyen estão ligados às Forças Armadas, à política e aos levantes nos quartéis desde a década de 1920. Ancestrais de Sergio apoiaram a ditadura de Vargas e o regime militar iniciado em 1964. Um deles foi acusado de tortura.

Seu avô, Alcides Gonçalves Etchegoyen, começou como praça em 1918 e se formou aspirante-a-oficial de Artilharia pela Escola Militar do Realengo, no Rio, na turma de 1921. Entre seus colegas de turma, estavam dois futuros presidentes, Humberto de Alencar Castelo Branco e Arthur da Costa e Silva, ambos de Infantaria, um futuro comandante do II Exército, Amaury Kruel, de Cavalaria, e um futuro ministro do Exército, Ademar de Queiroz, de Artilharia, entre outros.

Na madrugada de 16 de novembro de 1926, os irmãos primeiros-tenentes Alcides e Nelson Gonçalves Etchegoyen lideraram uma revolta no 5º Regimento de Artilharia Montada, hoje Regimento Mallet, em Santa Maria. Ao mesmo tempo, os tenentes Yguateny Moreira e Heitor Lobato Vale tomaram o 7º Regimento de Infantaria, no mesmo município, e prenderam o comandante da 5ª Brigada de Infantaria.

O objetivo dos rebeldes, que contavam com o apoio de políticos locais de oposição ao governo estadual, era impedir a posse do presidente Washington Luís, sucessor apoiado pelo presidente Arthur Bernardes. Os combates duraram 28 horas, sem intervalo, durante as quais a cidade foi varrida por um “furacão de metralha”, segundo o jornal Correio da Serra.

Da Argentina e do Uruguai, três colunas de rebeldes invadiram o Rio Grande do Sul a fim de se somar às forças de Alcides e Nelson Etchegoyen, mas a junção foi impedida por tropas legalistas. Os rebeldes de Santa Maria foram batidos em Santa Bárbara no dia de Natal de 1926 e se exilaram em Três Vendas, Uruguai, em 5 de janeiro do ano seguinte. O episódio ficou conhecido como Coluna Relâmpago, uma referência à Coluna Prestes, que iniciara sua marcha dois anos antes em Santo Ângelo. Oitenta e cinco anos depois, o neto do primeiro-tenente Alcides, Sergio Etchegoyen, retornaria a Santa Maria como comandante da 3ª Divisão de Exército.

O primeiro-tenente Nelson Etchegoyen reaparecerá na Revolução de 30, comandando a revolta do 6º Regimento de Artilharia Montada, que culminou na prisão do comandante, coronel João Baptista Mascarenhas de Moraes, futuro comandante da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália durante a II Guerra Mundial. Em Porto Alegre, seu irmão Alcides, ainda clandestino, estava incorporado ao comando revolucionário de 1930 e assumiu o comando do primeiro destacamento que partiu para o Rio, em outubro. Com a deposição de Washington Luís e a constituição do Governo Provisório encabeçado por Getúlio Vargas, Alcides foi anistiado e promovido a capitão.

Na década de 1930, Alcides seguiu adepto aos “princípios revolucionários”. Numa carta enviada a Vargas, escreveu que alguns oficiais exigiam “a existência do atual estado de ditadura, até que ele tenha preenchido integralmente o seu fim, isto é, permitida a transformação radical do ambiente político administrativo legado pelo regime extinto”.

A partir de 1942, Alcides Etchegoyen chefiou a polícia carioca, órgão que atuou na repressão política do Estado Novo. Em sua passagem pelo local, que se estende por pouco mais de um ano (até agosto de 1943), terá como alvos primordiais a prostituição e o jogo do bicho, além de perseguir opositores do regime, com destaque para a Sociedade Amigos da América, entidade que pregava a entrada do Brasil na Segunda Guerra ao lado dos Aliados.

Ainda presidiu o Clube Militar em 1952, entidade que ainda hoje serve de caixa de ressonância a posicionamentos de oficiais das três Armas sobre temas nacionais.

Após deixar a presidência do Clube Militar, em 1954, Alcides Etchegoyen teve participação discreta na crise que culminou com o suicídio de Vargas. Em 5 de agosto, compareceu ao Cemitério São João Batista no enterro do major Rubens Florentino Vaz, morto em atentado no qual o alvo era o jornalista de oposição Carlos Lacerda. Em 22 de agosto, dois dias antes da madrugada fatídica no Catete, foi um dos signatários do chamado Manifesto dos Generais, que pedia a renúncia do presidente. Após a morte de Vargas e a posse do vice, Café Filho, denúncias de que familiares do presidente estariam envolvidos em contrabando levaram à abertura de um inquérito, sob a condução de Etchegoyen, lembrado para a função em razão de sua atuação moralizadora como chefe de Polícia do Rio. O inquérito produziu um relatório que concluiu pela culpa dos três investigados, mas terminou arquivado.

Durante o governo Café Filho, Etchegoyen aproximou-se dos setores das Forças Armadas que pretendiam impedir a posse do presidente eleito, Juscelino Kubitschek, e chocou-se por duas vezes com o ministro da Guerra, Henrique Teixeira Lott. Em fins de 1955, foi punido com a exoneração da Inspetoria de Artilharia Antiaérea. Em novembro, em companhia do general Álvaro Fiúza de Castro, foi preso por Lott, por se opor ao golpe pelo qual foram depostos simultaneamente dois presidentes – o presidente da Câmara, Carlos Luz, e o presidente licenciado por motivos de saúde, Café Filho.

Nos meses de vida que lhe restaram, teve seu nome envolvido em conspirações. Em entrevista concedida em 1994, o ex-presidente Ernesto Geisel conta ter sido abordado nos primeiros meses do governo Juscelino pelo então coronel Jayme Portella, futuro chefe da Casa Militar e eminência parda do governo Costa e Silva. Segundo o relato do ex-presidente, Portella convidou-o a se somar a uma conspiração para derrubar JK e substituí-lo por Etchegoyen. Geisel mostrou-se cético, uma vez que o general citado seria “sabidamente de poucas luzes”. Além de não prosperar, a iniciativa contribuiu para afastar ainda mais Geisel e Portella. O general Alcides Etchegoyen morreu em 17 de junho de 1956, após o quarto de uma série de infartos.

Nova geração na caserna

Dos três filhos de Alcides Gonçalves Etchegoyen, dois seguiram carreira militar. Nenhum, porém, alcançou a sua proeminência. Pai do atual chefe do GSI, Leo Guedes Etchegoyen, nascido em 1925, chegou a general-de-brigada (duas estrelas). Em 1964, juntou-se ao destacamento comandado pelo tenente Freddie Perdigão que guarneceu o Palácio Guanabara durante o golpe de 31 de março, onde o governador Carlos Lacerda pretendia resistir a forças leais ao presidente João Goulart, que não compareceram ao local. Ainda major, foi secretário estadual de Segurança Pública do Rio Grande do Sul de novembro de 1964 a fevereiro de 1965, onde teve fama de linha-dura.

Seu irmão, Cyro Guedes Etchegoyen, formou-se pela Academia Militar de Agulhas Negras em 1949 e, durante o governo Médici, serviu no gabinete do ministro do Exército, general Orlando Geisel, como chefe da seção de contrainformações do Centro de Informações do Exército (CIE), comandado pelo general Milton Tavares de Souza. Preterido na promoção para general-de-brigada, passou à reserva em 1983.

Identificados com a linha dura, os Etchegoyen perderam espaço durante o governo Geisel (1974-1979). O primeiro foi nomeado chefe do Estado-maior do então comandante do II Exército, general Milton Tavares de Souza, em São Paulo, enquanto o segundo chefiou a 2ª Seção do Estado-maior (Informações) do II Exército entre 1979 e 1982. Uma das missões dos irmãos foi a repressão às greves metalúrgicas do ABC Paulista entre 1978 e 1980. Leo costumava sobrevoar o ABC como observador a bordo de um helicóptero durante as comemorações de 1º de Maio em 1980. Em solidariedade ao irmão coronel, preterido em promoção em 1983, Leo passou à reserva no mesmo ano como general-de-brigada. Leo morreu em 2003, e Cyro, em 2012.

Em 2013, o coronel da reserva do Exército e ex-agente do CIE Paulo Malhães identificou Cyro como o Doutor Bruno, responsável do CIE pela Casa da Morte, aparelho clandestino de tortura e execuções do órgão em Petrópolis (RJ). A revelação, feita à Comissão da Verdade do Rio de Janeiro e, em 2014, reiterada à Comissão da Verdade em âmbito federal, motivou a inclusão, no relatório final da última, de Cyro e Leo entre os responsáveis por tortura. Menos de um mês depois do último depoimento, Malhães foi morto em sua residência durante um assalto. Junto com familiares, o general Sergio Etchegoyen, na época chefe do Departamento Geral de Pessoal do Exército, divulgou nota de repúdio à inclusão do nome de seu pai, Leo, no relatório da Comissão, qualificando o trabalho de “patético esforço para reescrever a história”. Foi o único general da ativa a se manifestar sobre o assunto, num episódio que contribuiu para azedar suas relações com o governo Dilma.

Para pesquisadores do período, as revelações de Malhães exigem cautela. “A validade do depoimento é pequena. Trata-se de um velho ressentido, elaborando sobre uma época muito remota. É um depoimento muito mal conduzido, uma confusão de perguntas. Esse homem já estava doente, com problemas visíveis de saúde e de memória. Do meu ponto de vista, é um depoimento muito frágil em termos das supostas revelações que faz. É preciso ali pinçar com muito escrutínio alguns dados”, diz Carlos Fico, professor titular do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Gabinete de inteligência?

Em seus 25 meses de governo, o presidente Michel Temer enfrentou uma greve da PM no Espírito Santo, rebeliões em presídios comandadas por facções criminosas no Rio Grande do Norte e no Amazonas, uma manifestação com incêndio de prédio público em Brasília, uma greve de caminhoneiros que paralisou o país e uma crise humanitária em razão do fluxo de refugiados na Venezuela. Viu o Rio de Janeiro mergulhar no caos em razão da corrupção e da violência do crime organizado. Soube da execução de uma vereadora que investigava a ação de milícias e do esfaqueamento de um candidato presidencial que defende a revogação do Estatuto do Desarmamento. Foi gravado clandestinamente por um empresário na garagem do Palácio do Jaburu. Assombrou-se com a prisão de três militares encarregados da segurança da Presidência por envolvimento num assalto em Ceilândia (DF). Com exceção das rebeliões em presídios, nenhum desses episódios foi antecipado pelo GSI.

A resposta padrão de Temer ao colapso social tem sido a de recorrer às operações de garantia da lei e da ordem, com emprego massivo das Forças Armadas. Essa opção deve-se ao aconselhamento de Etchegoyen, que encarna a ala “proativa” das Forças Armadas, interessada em buscar maior protagonismo político numa conjuntura de descrédito das instituições, especialmente de políticos e partidos. Os limites da estratégia, porém, são evidentes.

No Rio de Janeiro, por exemplo, enquanto nos seis meses pré-intervenção houve 3.477 tiroteios, nos seis meses seguintes o número foi de 4.850. A operação federal não reduziu o número de homicídios e registra o maior índice de mortes cometidas por policiais desde 2008. Nem o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, disfarça o descontentamento. “Exigem-se soluções de curto prazo, contudo nenhum outro setor dos governos locais empenhou-se com base em medidas socioeconômicas, para modificar os baixos índices de desenvolvimento humano, o que mantém o ambiente propício à proliferação da violência”, afirmou. Em entrevista à rádio CBN, Etchegoyen concordou com Villas Bôas e disse que operações como a do Rio resultam em “férias coletivas para o crime organizado”, acrescentando que, depois, “o problema volta”.

Em nenhum terreno a inteligência teve mais falhas, porém, do que no do combate à corrupção. A PNI diz expressamente: “Cabe à inteligência cooperar com os órgãos de controle e com os governantes na prevenção, identificação e combate à corrupção em suas diversas manifestações, inclusive quando advindas do campo externo, que colocam em risco o interesse público”. Além do próprio Temer, indiciado em inquérito da Polícia Federal por suspeita de receber R$ 10 milhões da Odebrecht em benefício do MDB e por troca de favores no caso do Porto de Santos, seis de seus ministros são alvos de inquéritos. Ex-ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, está preso desde que a PF encontrou R$ 51 milhões em dinheiro num apartamento de sua propriedade em Salvador, por exemplo.

Sergio Etchegoyen já foi definido como “homem forte” do governo Temer. Uma vez que o presidente ostenta 5% de aprovação segundo a mais recente pesquisa de popularidade, não é difícil prever que o general terá de empregar parte dessa força para carregar, nos próximos anos, o peso de ter servido a uma administração tão execrável.

Sérgio Etchegoyen e Michel Temer. Colagem de Fotos: Charles Sholl /Futura Press/Estadão Conteúdo e André Coelho /Agência O Globo

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