Ministério do Trabalho é vítima fatal do cheque em branco dado a Bolsonaro. Por Leonardo Sakamoto

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As idas e vindas, tentativas e erros, desde o final da eleição, mostram que Jair Bolsonaro não está apenas escolhendo seu ministério e preparando a transição, mas decidindo, neste momento, qual o programa de seu governo.

O processo tem toques de reality show. Após anúncios de fusões ministeriais ou nomes de ministros por membros de sua equipe ou apoiadores, a reação do público é medida e, dependendo de sua origem e intensidade, outras declarações são dadas para correções de rumo. A justificativa é de que nada estava decidido ainda ou que o anúncio anterior era ansiedade da imprensa ou fake news.

Cada etapa do processo, quando concluída, é anunciada pela conta do presidente eleito no Twitter ou por declarações suas via live do Facebook ou em entrevistas à mídia.

Nesse processo, ele também aparece, periodicamente, para botar ordem na casa, publicando desmentidos ou dando puxões de orelha na equipe. O quanto disso é real, mostrando um alto nível de desorganização interna, e o quanto é pensado para confundir o público e reforçar a imagem de um Bolsonaro pulso firme e que traz serenidade ao caos, não se sabe.

O que chama a atenção, contudo, não é o processo de montagem ministerial a céu aberto – até porque seu partido, o PSL, e mesmo sua rede de apoiadores próximos não contam com nomes o bastante para suprir as demandas de um governo federal e, portanto, têm que correr atrás. Mas que um programa de governo esteja sendo montado ao vivo, com atualização via redes sociais.

O arquivo de PowerPoint de 81 páginas que apresentou, por obrigação, durante a campanha, apesar de trazer propostas que certamente serão colocadas em prática, é insuficiente para entender para onde Bolsonaro irá. As reuniões da equipe de transição, em Brasília, e em sua casa e nas de aliados, no Rio de Janeiro, é que estão montando, agora, o que será a sua gestão.

Durante a campanha, o futuro czar da economia, Paulo Guedes, defendia a redução na influência do Estado na economia, com muitas privatizações. Mas não detalhava propostas específicas. Algumas delas, aliás, vazaram, causaram polêmica, levando Bolsonaro a desautorizá-lo em público. O trabalhador nunca soube ao certo qual a concepção de Bolsonaro para a Previdência daqui a 20, 30 anos, por exemplo. Talvez nem ele soubesse.

Também não dá nem para dizer que a área de Segurança Pública perfazia um pacote pronto. Tratava de liberar armas e reduzir a punição de policiais envolvidos em mortes e lugares-comuns, como aumentar a área de inteligência da polícia ou colocar o Exército nas fronteiras. É possível que as ações estruturantes estejam sendo pensadas agora pelo juiz Sérgio Moro, que assumirá a pasta da Justiça, e pelo general Augusto Heleno, que ficará do Gabinete de Segurança Institucional.

A isso, soma-se a relação com ruralistas e outros empresários. Não houve um profundo debate programático junto ao núcleo duro de Bolsonaro. Apenas o suficiente para passar a mensagem ”diga-me com quem andas que te direi quem és”.

O mais evidente era o pacote conservador comportamental e educacional, que funcionou como isca – mordida efetivamente tanto pela esquerda, quanto por fundamentalistas religiosos, trazendo o debate para o campo que Bolsonaro conhece bem.

A esta altura do texto, alguns leitores devem bradar que Fernando Haddad também deixava a desejar neste ou naquele ponto do programa de governo e que estou me furtando a tratar disso. Há uma explicação bem simples: não sei se todos perceberam, mas a eleição terminou, Bolsonaro ganhou e agora as cobranças serão, nos próximos quatro anos, sobre ele.

Alguns podem dizer que a montagem a céu aberto tanto da equipe quanto do programa de governo é transparência e que candidatos devem propor linhas gerais para serem votadas e não propostas específicas. As duas coisas, qual os objetivos e a filosofia do novo governo são relevantes, bem como certas decisões que vão nos afetar nos próximos anos ou décadas.

Confrontado em entrevistas, sabatinas e debates, Bolsonaro não conseguiu dar uma resposta satisfatória ou compreensível sobre como pretende reduzir o desemprego, que atinge 12,5 milhões de pessoas, segundo o IBGE. Ou trazer de volta os 4,8 milhões que simplesmente desistiram de procurar emprego porque sabem que não vão encontrá-lo.

Não explicou que desmembraria o Ministério do Trabalho. Muito menos que poderia subordinar a parte responsável pelas políticas de geração de empregos a um ministro favorável a aprofundar a redução na proteção à saúde e à segurança do trabalhador. Dessa forma, a cada dia, uma surpresa nova cai em nosso colo. Em sua defesa, Bolsonaro pode alegar que não está fazendo nada contra ao que prometeu. Até porque, nessa área não prometeu muita coisa.

Esperemos ao menos que, nesse reality, a sociedade não seja obrigada a sair da casa caso proteste.

 

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