Fórum de Políticas Públicas Indigenistas: uma ação unificada em defesa da Vida

Por Lígia Apel, do Cimi

A defesa da democracia sem criminalização das pessoas, com defesa das liberdades individuais e coletivas, do direito à participação popular nas decisões políticas e do direito à livre manifestação política garantida aos povos pan-amazônicos, indígenas e não-indígenas. Esse foi o preceito estabelecido no Fórum Regional de Políticas Indigenistas, realizado no Centro de Treinamento Irmão Falco, em Tefé, nos dias 12 e 13 de novembro.

O Fórum Regional de Políticas Indigenistas é uma das atividades previstas no projeto “Garantindo a defesa de direitos e a cidadania dos povos indígenas do médio rio Solimões e afluentes”, realizado pela Cáritas da Prelazia de Tefé e CIMI-Tefé, financiado pela União Europeia e CAFOD, Agência Católica para o Desenvolvimento Internacional. Seu objetivo principal é de contribuir com o fortalecimento da luta indígena e para a formação de uma Rede de Proteção dos Direitos Indígenas. Também, vem contribuir com a identificação e sistematização das denúncias de violação de direitos feitas pelos indígenas da região há muitos anos.

No Fórum de Tefé, tais denúncias foram organizadas de forma conjunta, pois muitas violações apresentadas pelos indígenas ocorrem constantemente nas aldeias da região do médio rio Solimões e seus afluentes, e o fórum propiciou que, mais uma vez, estas violações fossem formalizadas e encaminhadas aos órgãos responsáveis pelas políticas específicas. A importância do momento está na consagração da união de esforços em defesa da luta indígena e no compromisso assumido por atores fundamentais para a resolução dos problemas.

“Mais do que nunca é hora de união e resistência entre indígenas e indigenistas” disseram as lideranças dos povos Maku Nadëb, Kanamari, Kaixana, Kokama, Mayoruna, Miranha, Tikuna, Kambeba e Apurinã, dos municípios de Tefé, Alvarães, Uarini, Maraã e Japurá, reunidas no evento, que contou com a participação de representantes da União dos Povos Indígenas do Médio Rio Solimões e Afluentes (UNIP/MSA), André Cruz; do Conselho Distrital de Saúde Indígena (CONDISI), Genival Oliveira Santos Mayoruna; do Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena, Sebastião Solart Corrêa; do Secretário de Produção e Abastecimento de Tefé, Antônio Pereira do Nascimento; Secretário Municipal de Educação de Tefé, Francisco Ferreira das Chagas Filho; Coordenação de Educação Escolar Indígena de Tefé, Jukson Ferreira Urbano Kambeba; e o Coordenador da Coordenação Municipal de Assuntos Indígenas de Tefé, Valtunino Pacaio, bem como servidores da Funai que apoiam a luta indígena.

A conjuntura nacional

A assessora jurídica do CIMI Regional Norte I e do projeto do CIMI de Tefé, Chantelle Teixeira, fez uma análise da política nacional, expôs a dura realidade atual e vindoura das políticas indigenistas nacionais e disse que “o cenário não é nada animador”, e que “precisaremos de muita força, resistência e sabedoria para enfrentar os ataques aos direitos conquistados na Constituição Federal, pois a conjuntura nacional é de desmontes das políticas indigenistas”.

Suas colocações em relação às propostas do novo governo federal foram acompanhadas por todos com grande preocupação e a conclusão desse debate foi de que o grupo político que chegou ao poder e o presidente eleito, Jair Bolsonaro, não só desconsideram a luta indígena, como ameaçam destruir as conquistas dos povos originários garantidas na Constituição Federal de 1988. As declarações de que não será demarcado mais “um centímetro de terra aos índios” e que “índio quer ter o direito de vender suas terras”, demostram desconhecimento, negligência e descaso com a realidade e a vida indígena. Ao que tudo indica, a proposta eleita é de integração dos povos indígenas aos processos produtivos do sistema capitalista, trazendo como consequência a desvalorização das culturas e modos de vida dos povos originários.

As demandas e a resistência da região

Diante deste cenário, as informações trazidas pelos participantes sobre os problemas regionais revelam, da mesma forma, muita preocupação, mas também, muita certeza de que a luta indígena precisa se fortalecer.

André Cruz, da UNIP-MAS, conclamou a todos para esse fortalecimento, dizendo que a organização indígena “se mantém com a força dos ‘parentes’, só com todos nós juntos podemos barrar essas políticas que nos atacam”. Cruz compartilhou sua preocupação em relação às atividades petrolíferas e de extração de gás natural na região e disse ser necessário um aprofundamento sobre o assunto “porque há desinformação” sobre ele. É preciso “ao menos, que a gente saiba o que está acontecendo e que consequências vamos enfrentar, porque a degradação ambiental vinda dessa atividade é muito grande”, afirmou depois de explanar sobre sua participação em um evento sobre o assunto, em Brasília.

No tema saúde, o representante do CONDISI, Genival Mayoruna, falou da importância das Conferências Locais de Saúde nos municípios e da participação de todos e todas na Conferência Distrital, que acontecerá em dezembro. “Muitas violações de direitos à saúde indígena podem ser denunciadas e ter soluções encaminhadas na Conferência”, disse Genival, mostrando que as conferências são o controle social das políticas públicas.

Na área da educação também foi enaltecida a importância da participação indígena nos conselhos, especialmente, da representação regional no Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena do Amazonas. O conselheiro Sebastião Solart informou que o Conselho está completando 20 anos e “esse ano, 2018, os conselheiros foram reconhecidos e legitimados pelo Estado, a partir da sua reestruturação e da eleição do novo presidente, Emilson Frota Lima, que é do povo Munduruku”. Segundo Solart, com essa reestruturação, “as coisas mudaram, pois agora os conselheiros são chamados para participar das reuniões e os debates acontecem com mais participação”.

Um exemplo importante da eficiência do Conselho, de acordo com relato de Solart, são as violações de direitos dos povos indígenas do município de Japurá que chegaram ao Conselho. Solart foi consultado sobre a situação e conseguiram fazer visitas naquelas aldeias. “Vale ressaltar que, graças à contribuição do CIMI, pudemos identificar as violações e, algumas delas, dar o devido encaminhamento”, valorizou o conselheiro, mostrando que a Rede de Proteção aos direitos indígenas funciona. Solart informou, ainda, que já propôs ao Conselho Estadual a ampliação de conselheiros para a região. “Hoje, nossa atuação é em Tefé, Maraã, Japurá, Jutaí, Fonte Boa, Uarini e Alvarães. Tantos municípios dificulta o atendimento. Então, nós propusemos a ampliação de um para três conselheiros nesses municípios, sendo que eles devem ficar em cidades estratégicas, como Japurá, Jutaí e Tefé. Agora, é torcer para que a ampliação aconteça”.

O tuxaua Anilton Braz da Silva Kokama, da aldeia Porto Praia de Baixo, também expôs sua preocupação com a atual conjuntura nacional e regional. Concordou com a urgência de debates sobre as atividades de extração de petróleo e gás na região e sobre a situação da saúde e da educação indígenas, e reforçou a necessidade de união dos povos indígenas. “Mais do que nunca temos a necessidade de se unir. Participar dos conselhos é muito importante, também. Mas, é preciso informar e organizar os ‘parentes’ nas aldeias. Precisamos de parceiros como o CIMI e de órgãos públicos comprometidos com o povo”, afirmou o tuxaua, demonstrando aflição, mas também a certeza de que “juntos, é bem mais fácil enfrentar a situação”.

O poder público de Tefé também se posicionou

O poder público local sendo representado pelo Secretário de Produção e Abastecimento de Tefé, Antônio Nascimento, também demonstrou preocupação com o cenário político nacional, que ora se anuncia para os próximos anos. Nascimento disse que “é muito preocupante que a população brasileira tenha solicitado através do voto a condução do país para um grupo que, claramente, se diz desfavorável às lutas, reivindicações e conquistas dos movimentos sociais”, e reforçou que o poder público e a sociedade devem, juntos, apoiar e lutar pela democracia. “Agora é preciso nos organizar para discordar das atuações do governo que vierem ferir e violar os direitos indígenas”.

Em sua pasta, Produção e Abastecimento, o secretário concorda que a merenda escolar é um dos mais importantes direitos que estão sendo violados nas aldeias indígenas. Na busca por reparação, Nascimento fala das mudanças trazidas pela atual gestão e que, para isso, é importante que sejam firmadas fortes parcerias com as organizações indígenas das aldeias. “Hoje, a secretaria está trabalhando para o fortalecimento da agricultura e apoia os produtores indígenas”, informou o secretário, afirmando que a atenção do órgão está especialmente voltada para a merenda escolar regionalizada. “Para que os agricultores indígenas possam entregar seus produtos é preciso, apenas, regularizar a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP). E para isso damos apoio”. Informou, ainda, que em janeiro de 2019, estará aberta a Chamada Pública para seleção de agricultores para fornecimento de produtos agrícolas para a merenda escolar, em Tefé.

Analisando os documentos já encaminhados

Desde o início do projeto realizado pela Cáritas e CIMI de Tefé, as denúncias de violação de direitos aos povos indígenas da região são sistematizadas e documentadas pelas lideranças indígenas. Vários documentos já foram encaminhados aos órgãos públicos responsáveis em suas respectivas áreas.

Ao Ministério Público Federal foram encaminhados documentos – Carta Aberta de Japurá, Documento de Incidência Política em Maraã e Carta Aberta do 1º Mutirão de Defesa de Direitos, realizado em Tefé – que relataram as violações e pediam providências. O retorno do MPF foi a solicitação de documentos comprobatórios das denúncias.

Assim, as lideranças desses três municípios (Tefé, Maraã e Japurá) analisaram os pedidos do MPF e se organizaram para responder às solicitações, encaminhando a documentação que comprova as denúncias e, ainda, acrescentando outras demandas que não haviam sido encaminhadas.

Em Tefé, as principais denúncias são a morosidade nos processos de demarcação e o corte dos recursos destinados ao pagamento dos professores e servidores das escolas indígenas.

Em Maraã, os indígenas denunciam que a construção da escola padrão na aldeia São Francisco deveria ter sido realizada no final de 2016 e que os professores estão recebendo menos de um salário mínimo. Também que o Posto de Saúde está sem condições de atendimento, dada à precariedade do prédio.

E em Japurá, a precariedade e a insalubridade da escola têm prejudicado alunos e professores. Também foi denunciada a grande incidência de lixo que vem se acumulando no rio Mapari, em frente à aldeia Mapari, proveniente da cidade de Japurá. Lixos hospitalares e domésticos, eletrodomésticos e até o esgoto da cidade são lançados no rio e se acumulam no território indígena Mapari. Esta denúncia já foi feita à prefeitura de Japurá e, agora, será encaminhada ao MPF.

Documentos Gerais

Ao final do encontro, três documentos gerais foram elaborados e encaminhados aos órgãos públicos e divulgados para a sociedade.

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CARTA PELA GARANTIA DE DIREITOS

Considerando que historicamente foram conquistados direitos relativos aos Povos Originários, Tradicionais, Indígenas, Quilombolas, Ribeirinhos e relativos a outras minorias oprimidas no contexto  de uma nação colonizada e explorada desigualmente, causando prejuízos, por vezes, irreversíveis, que oferecem desafios, em termos sociais, que colocam esses Povos em posição de luta permanente pelos seus Direitos e pelas condições de igualdade perante outras parcelas da sociedade; considerando que a Constituição Federal de 1988 inaugura o período de redemocratização do Estado brasileiro como um Estado Democrático de Direito, pluriétnico e multicultural, que reconhece que o povo brasileiro é diverso e plural e, portanto, deve ter essa condição refletida tanto nas estrutura orgânica, como na construção de políticas públicas que respeitem essa pluralidade;  considerando a importância da defesa da Democracia, dos Direitos Humanos e demais garantias acordadas entre as Nações em Tratados e outros Dispositivos Multilaterais, em especial a Convenção da Organização do Trabalho – OIT 169 e a Declaração das Nações Unidas pelos Direitos dos Povos Indígenas, de 2006; considerando a importância do alinhamento de Povos e Comunidades, com o interesse comum pela defesa da Amazônia, que conecta, por meio de seus rios e ecossistemas, os vários povos pan-amazônicos;

Nós, representantes de Povos Indígenas da Região de Tefé, Alvarães, Uarini, Maraã e Japurá, membros do Conselho Indigenista Missionário – CIMI, servidores da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, representantes de organizações e do Poder Público Municipal envolvidos com as políticas indigenistas, reunidos nos dias 12 e 13 de novembro, no fórum de política indigenista; declaramos ser de permanente importância a luta em defesa da democracia sem sermos criminalizados, das liberdades individuais, do direito à participação popular nas decisões políticas, o direito à livre manifestação política garantida aos povos pan-amazônicos, indígenas e não-indígenas.

Tefé-AM, 13 de novembro de 2018.

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CARTA PELO RESPEITO AO DIREITO À CONSULTA PARA A EXPLORAÇÃO DA BACIA SEDIMENTAR TERRESTRE DO RIO SOLIMÕES

Considerando o disciplinado na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT sobre os povos indígenas e tribais em Estados Independentes, onde são apresentados importantes avanços no reconhecimento dos direitos indígenas coletivos, com significativos aspectos de direitos econômicos, sociais e culturais, bem como, a Constituição Federal de 1988, arts .231 e 232 e a Declaração das Nações Unidas pelos Direitos dos Povos Indígenas, de 2006; considerando que o Direito à Consulta aos Povos Tradicionais, Ribeirinhos, Indígenas, Quilombolas e outras comunidades originárias, deve ser respeitado e orientado a uma verdadeira oportunidade de debate em condições de igualdade com qualquer organismo, entidade ou órgão de direito público ou privado, nacional ou internacional; considerando os casos que demonstram que empreendimentos de alto impacto socioambiental e engenharia e infra-estrutura de grande escala em territórios de Populações vulneráveis e tradicionais podem trazer malefícios de impossível compensação, como, por exemplo, no caso da tragédia envolvendo o Povo Krenak, quando do desastre em Mariana-MG, que afetou e destruiu o Rio Doce, que corre de Minas Gerais ao Espírito Santo, bem como o caso da construção da Rodovia BR-174, que trouxe conflito e massacre ao Povo Waimiri Atroari; considerando que, historicamente, os Povos da Amazônia sempre sofreram revezes e injustiças por ciclos e megaprojetos de exploração econômico-comercial da floresta, que não levaram em conta os seus direitos, provocando o aumento da criminalidade, marginalidade, prostituição, dentre outros problemas sociais; considerando que eventuais compensações referentes a projetos de infraestrutura de larga escala com alto impacto socioambiental não podem ser discutidas em termos de execuções de políticas públicas, sendo essas políticas prerrogativa vinculante ao poder público federal, estadual ou municipal;

Nós, representantes de Povos Indígenas da Região de Tefé, Alvarães, Uarini, Maraã e Japurá, membros do Conselho Indigenista Missionário – CIMI, servidores da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, representantes de organizações e do Poder Público Municipal envolvidos com as políticas indigenistas, reunidos nos dias 12 e 13 de novembro, no fórum de política indigenista  declaramos serem urgentes a observação e o acompanhamento pelas autoridades responsáveis pela garantia  dos direitos coletivos dos Povos Originários, Tradicionais, Indígenas, Quilombolas, Ribeirinhos e demais minorias que eventualmente sejam afetadas por decisões tomadas sem o procedimento que possibilite a devida Consulta a esses Povos (Conforme OIT 169). Nesse sentido, solicitamos, sobretudo do Ministério Público Federal – MPF, o acompanhamento dos fatos recentes de abordagem sobre uma eventual iniciativa de exploração massiva de recursos naturais na Região, em especial no que tange à Prospecção de exploração de Petróleo e Gás na Bacia Sedimentar Efetiva do Rio Solimões, em Tefé,  no Amazonas.

Tefé-AM, 13 de novembro de 2018.

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CARTA PELA PERMANÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – MPF EM TEFÉ-AM

Considerando que a defesa dos direitos coletivos dos Povos Indígenas precisa  ser observada e promovida; considerando que, ao Ministério Público Federal (MPF), cabe a defesa judicial dos direitos e interesses das populações indígenas – artigo 129, inciso VI, da CF/88; considerando a necessidade de se observar e dar o encaminhamento às denúncias e relatos que abordem qualquer ameaça aos direitos dos Povos Indígenas em sua coletividade, ligada à integridade de seu território, ao direito à autodeclaração de identidade e diferença em relação aos demais segmentos da sociedade, e/ ou ao direito às políticas diferenciadas por parte das esferas municipal, estadual e federal; considerando que a não-permanência da Procuradoria do MPF no Município de Tefé dificulta o acesso das populações dos municípios vizinhos, que tem esse município como um pólo regional de referência;

Nós, representantes de Povos Indígenas da Região de Tefé, Alvarães, Uarini, Maraã e Japurá, membros do Conselho Indigenista Missionário – CIMI, servidores da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, representantes de organizações e do Poder Público Municipal envolvidos com as políticas indigenistas, reunidos nos dias 12 e 13 de novembro, no fórum de política indigenista; declaramos ser de extrema prioridade, e de importância fundamental, para a luta dos Povos Indígenas, a permanência e a efetiva ação do Ministério Público Federal em Tefé-AM em todas as suas atribuições, e solicitamos que haja um reforço da Procuradoria neste Município, tanto de pessoal quanto de estrutura, de forma a atender eficaz, eficiente e efetivamente todas as comunidades rurais e urbanas, indígenas e não-indígenas, que habitam os Municípios da Região.

Tefé-AM, 13 de novembro de 2018.

Fórum Regional de Políticas Indigenistas. Defendemos a democracia sem criminalização das pessoas e com defesa das liberdades individuais e coletivas. Foto: Raimundo Francisco.

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