O Brasil tem como principais marcas a desigualdade social, o esquecimento da população querente pelo poder público, a falta de interesse em promover a inclusão social pelo Estado, dentre outras mazelas que assolam e agravam o disparate existente em nossa sociedade. No sistema de Justiça a instituição que defende os interesses das minorias, dos negros, dos índios, dos homossexuais, dos imigrantes, dos pobres, segue igual realidade, a do esquecimento, da falta de prestígio, do desamparo.
O constituinte de 1988 inseriu na Constituição Federal dispositivo tratando expressamente da Defensoria Pública da União, inovando no ordenamento jurídico ao criar a instituição responsável pela defesa dos interesses jurídicos da população vulnerável na Justiça Federal, Militar, Trabalhista e Eleitoral pela primeira vez, na vã tentativa de mitigar a desigualdade abissal geradora de tantos problemas sociais.
Não obstante essa iniciativa, a Defensoria Pública da União apenas foi implantada, “em caráter emergencial e provisório”, nos termos da epígrafe da Lei 9.020, no ano de 1995, ou seja, passados 7 anos da promulgação da Carta Cidadã. Entretanto, não é exagero afirmar que a situação de emergência e provisoriedade permanece até os dias atuais.
A Defensoria Pública da União conta com apenas 628 defensores públicos federais, estando presente em somente 30% do território nacional. Nos outros 70% do Brasil há quem acuse, há quem julgue, mas não há quem defenda. Nesses lugares, a população não tem acesso à justiça, não tem acesso à cidadania, não tem acesso a sequer ter direito a brigar pelos seus direitos!
Em 2014, sensível à essa dura e injustificável realidade, o Congresso Nacional, através da Emenda Constitucional 80, estabeleceu prazo de 8 anos para que o poder público promovesse a interiorização da Defensoria Pública para toda comarca/sessão judiciária, de modo a garantir o acesso à justiça ao cidadão que não dispõe de recursos para contratar um advogado.
Dita emenda, contudo, virou letra morta no ano de 2016, em frontal violação ao direito fundamental de acesso à justiça, em razão da promulgação da Emenda Constitucional 95, batizada de “PEC do fim do mundo”. Afinal, como concretizar o crescimento de uma instituição em gestação com uma severa limitação orçamentária?! Compare-se, por exemplo, o orçamento da DPU, em torno de R$ 550 milhões, com o do Ministério Público da União, que beira aos R$ 6,6 bilhões. A esse respeito, inclusive, a Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (Anadef) propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5.988), com o objetivo de garantir o integral cumprimento da interiorização da DPU, a qual está pendente de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal.
Para além da necessidade estrutural, a realidade remuneratória dos membros da Defensoria Pública da União também é calamitosa, sobretudo quando comparada às carreiras que integram o sistema de Justiça. Como justificar, por exemplo, o fato de um defensor público federal receber remuneração quase 40% inferior ao do membro do Ministério Público? Sem nesse cálculo o famoso auxílio moradia, não recebido pelos membros da DPU, e a gratificação de substituição, igualmente não paga aos Defensores Públicos.
Para minorar esse cenário, foi enviado em agosto do corrente ano o PL 10.773 à Câmara dos Deputados, através do qual busca-se garantir a recomposição dos subsídios dos membros da DPU, recomposição que, nos termos do que previsto, se dará em quatro parcelas, implementando-se a última no longínquo ano de 2021, respeitando-se, inclusive, o limite individualizado do orçamento da instituição, nos termos da Emenda Constitucional 95.
As dificuldades encontradas no Legislativo e Executivo para superar essas diferenças são gritantes. Lembre-se, também, que o Projeto de Lei 7.836/14, que institui a gratificação por substituição para os Defensores, encontra-se em tramitação há mais de quatro anos na Câmara dos Deputados, sem qualquer sinalização de aprovação. Ademais, mais recentemente foram aprovadas merecidas recomposições aos subsídios dos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público e, mais uma vez, os membros da Defensoria Pública da União ficaram de fora, vez que não qualquer indicativo de deliberação e aprovação do Projeto de Lei 10.773/18.
Sem a necessária valorização aos membros da instituição responsável por garantir o acesso à justiça aos vulneráveis, esse importante direito fundamental perde cada vez mais força, de modo que atuações essenciais, como as ações propostas para garantir acesso à saúde no Estado do Rio de Janeiro, deixarão de existir.
No Brasil, infelizmente a máxima de que “trabalhar para pobre é pedir esmola para dois” nunca esteve tanto em voga!
*Presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais.