Nota pública contra a expansão do deserto verde no Rio de Janeiro

No apagar das luzes do (des)governo Luiz Fernando Pezão (MDB) – preso na manhã do dia 29/11/18 – foi enviado recentemente para a Alerj um Projeto de Lei(PL) que pretende dar novos incentivos para a expansão ilimitada do deserto verde fluminense. O PL Nº 4473/2018, de autoria do Poder Executivo (Mensagem Nº 38/2018), está tramitando em regime de urgência. Trata-se de mais uma tentativa de favorecer empresas do setor madeireiro e de papel e celulose, em detrimento da produção de alimentos, da geração de empregos de qualidade e da conservação dos bens naturais no estado, dentre eles a água.

É muito estranho que na conturbada conjuntura estadual de um governo em fim de mandato, falido e amplamente rejeitado pela sociedade, este PL esteja sendo analisado às pressas, sem qualquer debate com a sociedade e sem a prévia apresentação de estudos técnicos e de seus impactos socioambientais e econômicos.

Cabe lembrar que a primeira LEI DO DESERTO VERDE FLUMINENSE(Lei 5067/2007) foi aprovada na Alerj durante o primeiro governo Sérgio Cabral (PMDB), hoje na cadeia justamente pelas relações promiscuas e criminosas mantidas com o empresariado.

Tentativa anterior, na gestão do ex-governador Anthony Garotinho (1999-2002), capitaneada pelo então Secretário Estadual de Meio Ambiente, André Corrêa, deputado estadual atualmente preso, foi barrada por uma coalização de ecologistas, movimentos da reforma agrária, sindicatos, pesquisadores, que, articulados na Rede Alerta contra o Deserto Verde Fluminense, conseguiram aprovar a lei 4.063/2003, de autoria do deputado estadual Carlos Minc, limitando a expansão das monoculturas no território fluminense.

Infelizmente, cooptado pelo governo Cabral, Minc patrocinou do poder executivo a mudança da lei que ele mesmo propusera anteriormente, de forma a favorecer as papeleiras e outras empresas interessadas na expansão de monoculturas como a do eucalipto, especialmente a Aracruz Celulose que estava impedida por se expandir no estado do Espírito Santo, dados os expressivos passivos/dívidas sociais e ambientais acumulados pela empresa no estado, como a grilagem de terras de quilombolas e indígenas, a expulsão de milhares de camponeses para a periferia das cidades capixabas e o ressecamento de nascentes e rios.

Agora, no apagar das luzes do seu (des)governo, Pezão propõe nova lei para beneficiar as empresas do setor, como a Fibria (ex-Aracruz Celulose) e a Votorantim (que já possui extensos monocultivos de eucalipto no município de Resende).

Trata-se de uma proposta legislativa que, se aprovada, contribuirá para flexibilizar ainda mais a atual legislação ambiental, ao fragilizar e fragmentar os procedimentos vinculados à elaboração, análise e aprovação dos estudos de impacto ambiental. O PL em questão é um desserviço à sociedade e uma ameaça ao patrimônio ambiental: se aprovado, aprofundará os riscos de crise hídrica (isto, é falta de água para o abastecimento da população fluminense) e de avanço do desmatamento da mata atlântica, já devastado por ciclos predatórios de crescimento econômico que enriqueceram poucos e empobreceram muitos.

O PL, ao propor o avanço quase ilimitado das monoculturas em nosso território, e por consequência não avaliar com profundidade os impactos e riscos socioambientais da implantação de novas monoculturas em larga escala no território fluminense, visa beneficiar apenas interesses econômicos das grandes empresas multinacionais de papel e celulose, altamente poluidoras, além de ameaçar a biodiversidade, a produção de alimentos e a disponibilidade de água para a população. Destaca-se ainda que as monoculturas utilizam agrotóxicos em grande quantidade (alguns inclusive proibidos no exterior), contaminando a saúde dos trabalhadores rurais e os recursos hídricos, inclusive tornando vulneráveis mananciais estratégicos atualmente destinados ao abastecimento público. E os (poucos) empregos que geram são de má qualidade, inclusive com o registro de elevado número de acidentes de trabalho e mortes no manejo florestal.

Nós, abaixo assinados, organizações da sociedade civil, movimentos sociais do campo e da cidade, pesquisadores e representantes de comunidades impactadas pelo atual modelo de desenvolvimento, em especial pela expansão das monoculturas, solicitamos ao Poder Legislativo fluminense a imediata retirada de pauta do PL Nº 4473/2018.

Contamos com a sensibilidade e espírito público dos Srs. atuais e futuros deputados estaduais eleitos, para que a Alerj não seja, mais uma vez, utilizada como balcão de negócios, ao decidir de forma açodada e sem diálogo, participação social e sem dispor de dados técnicos adequados.Desta forma, estarão os parlamentares contribuindo decisivamente para evitar que, em pleno século XXI, o ERJ venha a fomentar um novo ciclo de predação da natureza acompanhado de aumento da desigualdade e da pobreza no campo e nas cidades. O Rio de Janeiro merece empregos de qualidade, alimentos saudáveis e água limpa!

Assinam:

Movimentos

Movimento Baía Viva
Movimento dos Atingidos por Barragens
Movimento dos Pequenos Agricultores
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

Entidades

Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Niterói
Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Rio de Janeiro
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fiocruz (EPSJV/Fiocruz)
Instituto Permacultura Lab

Núcleos de Pesquisa

Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Geografia Agrária da FFP/UERJ
Laboratório de Estudos de Movimentos Sociais e Territorialidades da UFF
Núcleo de Pesquisa em Dinâmica Capitalista e Ação Política da UFF/ESR

Professores e Pesquisadores

Ana Maria Almeida da Costa – Assistente Social e Professora do SSC/UFF
Anakeila de Barros Stauffer – Professora da EPSJV/Fiocruz
Ary Carvalho de Miranda – Médico e Professor da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz
Carlos Walter Porto Gonçalves – Geógrafo e Professor da UFF
Cicero Augusto Prudencio Pimenteira – Professor do CPDA/UFRRJ
Eli de Fátima Napoleão de Lima – Professora do CPDA/UFRRJ
Érica Terezinha Vieira de Almeida – Assistente Social e Professora do SSC e PPGDAP/UFF
Helifrancis Condé Groppo Ruela – Professor-pesquisador da Coordenação de Cooperação Internacional da EPSJV/Fiocruz
José Luís Vianna da Cruz – Cientista Social e Professor do PPGDAP/UFF
Leonilde Sérvolo de Medeiros – Socióloga e Professora do CPDA/UFRRJ
Luiz Jardim de Moraes Wanderley – Geógrafo e Professor da UERJ
Marcelo Firpo Porto – Professor da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz
Marcos Pedlowski – Geógrafo e Professor da UENF
Maria José Teixeira Carneiro – Professora do CPDA/UFRRJ
Muza Clara Chaves Velasques – Pesquisadora – docente da EPSJV/Fiocruz
Paulo Roberto Raposo Alentejano – Geógrafo e Professor da UERJ
Sergio Pereira Leite – Economista e Professor do CPDA/UFRRJ
Tania Pacheco – Pesquisadora do Mapa de Conflitos/Neepes/ENSP/Fiocruz

Monocultivo de eucalipto na Serra do Espinhaço, em Minas Gerais. Foto: Carlos Souza /Terra de Direitos

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