Dono de terras em área indígena, desembargador decide contra interesses dos povos originários

Com fazendas nas terras Limão Verde e Taunay-Ipegue, em Aquidauana, Luiz de Lima Stefanini, do TRF-3, responde a processo por suspeição e diz ter uma visão “diferenciada” do tema, pois conquistadores “também sofreram revezes”

Luís Indriunas, em De Olho nos Ruralistas

O desembargador Luiz de Lima Stefanini, do Tribunal Regional Federal da 3ª divisão (TRF-3), tem uma visão, como ele mesmo diz, “diferenciada” da questão indígena e da história. Em março de 2010, ele fez uma palestra na Ordem dos Advogados do Brasil – seção Mato Grosso do Sul (OAB-MS) sobre as implicações da demarcação da Raposa Serra do Sol para a questão indígena no estado. Colocou no mesmo barco os povos indígenas e os brancos:

– Desde que o primeiro português saltou da caravela e defrontou com o primeiro índio e dele já levou a primeira surra. É fato que, é preciso ser revelado, que não só índio que teve revezes, também os conquistadores sofreram do mesmo sofrimento.

Esses princípios norteiam um livro jurídico de Stefanini, Código Indígena no Direito Brasileiro. O tema Justiça compõe um dos eixos do projeto De Olho no Mato Grosso do Sul, iniciado com um perfil dos ministros do Supremo Tribunal Federal: “De Gilmar Mendes a Lewandowski, veja como os ministros do STF votam os temas indígenas“.

Pouco meses depois dessa palestra, em dezembro, o desembargador decidiu em favor da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Mato Grosso do Sul (Famasul) e suspendeu os processos de demarcação de terras Guarani Kaiowá em 26 municípios do estado. Sua decisão foi revogada pelos seus pares no TRF-3.

Sua atuação anti-indígena é um dos argumentos para a Fundação Nacional do Índio (Funai) pedir a suspeição do juiz para o processo de reintegração de posse de produtores rurais de parte da Terra Indígena Buriti, em Sidrolândia e Dois Irmãos do Buriti. O processo está parado desde junho de 2016, nas mãos da ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Regina Helena Costa.

Em março, a primeira turma do STJ manteve decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) que determinou a reintegração de posse de 13 mil hectares de terras em Buriti. Stefanini havia votado favoravelmente aos fazendeiros, entre eles o ex-deputado estadual Ricardo Bacha (PSDB). Foi por causa dessas terras que, em maio de 2013, o indígena terena Oziel Gabriel foi morto a tiros durante uma ação policial.

ESPOSA CONTESTA DEMARCAÇÃO

Um dos argumentos para a suposta suspeição são os interesses pessoais do desembargador. Stefanini é sogro de Estevão Alves Corrêa Neto, neto do fundador de Aquidauana e proprietário falecido das Fazendas Santa Constância e Retiro, cujos 196 hectares incidem sobre a Terra Indígena Limão Verde. A demarcação está sendo contestada e espera pauta para ser discutida no Supremo Tribunal Federal (STF).

Em 1999, quando ainda era vivo, Corrêa Neto usava Stefanini, então procurador, como seu porta-voz. Para os servidores da Funai, o atual desembargador disse, segundo a denúncia, que “não permitiria de maneira alguma a realização dos trabalhos técnicos da Funai em suas propriedades”. Durante todo o processo de demarcação, o sogro de Stefanini recorreu a diversos subterfúgios para impedir o andamento da ação.

A mulher de Stefanini, Yonne Alves Corrêa Stefanini, pede na Justiça a reintegração de posse de 1.581 hectares da Fazenda Capão das Araras, incidentes na Terra Indígena Taunay-Ipegue, de etnia Terena, em Aquidauana.

Com medo do agravamento dos conflitos na Terra Indígena Taunay-Ipegue, em abril, a ministra do STF Cármen Lúcia suspendeu  a reintegração de posse concedida pelo TRF-3 aos supostos proprietários das Fazendas Água Branca e Capão das Araras, esta última pleiteada por Yonne, filha de Estevão e procuradora aposentada.

A Terra Indígena Taunay-Ipegue teve sua declaração publicada pelo Ministério da Justiça, em abril de 2016, num processo iniciado em 1985. Apenas 6 mil dos 33 mil hectares pleiteados pelos Terena estão regularizados.

Para alegar a reintegração, a procuradora e ruralista pede que sejam usados os parâmetros da demarcação da Raposa Serra do Sol, inclusive o Marco Temporal (que limita a validade da demarcação à ocupação da terra no dia 05 de outubro de 1988), como várias outras ações contra demarcações ainda em andamento na Justiça.

Cármen Lúcia não concorda em adotar a todos os casos de demarcação os parâmetros da Raposa Serra do Sol.

UMA DECISÃO CONTRA QUILOMBOLAS

Caso seja decidida sua suspeição, será possível contestar diversas decisões do desembargador, cuja atuação tem beneficiado fazendeiros poderosos do Mato Grosso do Sul.

Em 2008, de maneira monocrática, o desembargador determinou a reintegração de posse de a favor do ex-governador Pedro Pedrosian e de sua filha Regina Maura Pedrossian na Terra Indígena Cachoeirinha, em Miranda (MS), além da extinção do processo de demarcação. Em 2009, por unanimidade, a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) reverteu a decisão.

Em setembro de 2014, foi a vez de Stefanini decidir contra os quilombolas, reduzindo a área do Quilombo da Picadinha, em Dourados (MS).

A atuação anti-indígena do fazendeiro se expande, além das arcadas da Justiça. Em junho de 2014, a convite do deputado federal ruralista Osmar Serraglio (PP-PR), defendeu em uma audiência pública que as demarcações de terras indígenas sejam decididas pelo Congresso. Ele também foi porta-voz dos ruralistas em uma discussão sobre questão indígena na Assembleia Legislativa de São Paulo.

Stefanini também chegou a ser acusado de favorecer o frigorífico Torlim, que atua no ramo de frigoríficos em Ponta Porã (MS), por suposta sonegação e supostos crimes tributários estimados em R$ 184 milhões. O processo, no entanto, foi arquivado em 2016.

DESEMBARGADOR DEFENDE DECISÕES

Procurado pelo De Olho nos Ruralistas, o desembargador enviou por meio da assessoria de imprensa do TRF-3 a seguinte nota:

– Cumpre informar a Vossa Senhoria que a matéria foi objeto de Exceção, devidamente julgada em 05/05/2011 pela E. Primeira Seção do TRF3 que, por unanimidade, rejeitou a Exceção proposta, tendo como Relator o E. Desembargador Federal Nelton dos Santos. Em face desta decisão do TRF3, não persistiu qualquer dúvida a respeito da qualidade deste Magistrado nos julgamentos à época sobre demarcação de terra indígena (vide processo 000386605220014036000). Outrossim, informo que o magistrado se encontra desde 22/12/2015 atuando exclusivamente na Oitava Turma Previdenciária desta Egrégia Corte.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Isabel Carmi Trajber.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

1 × quatro =