Braço direito de João de Deus fez parte de grupo que aterrorizou garimpos

João Américo França Vieira foi sócio de Rambo do Pará, morto pela PM do Pará em 1992; ambos atuavam em Castelo dos Sonhos, um distrito de Altamira imerso em conflito por terras e minérios

Por Leonardo Fuhrmann, em De Olho nos Ruralistas

Piloto de avião, garimpeiro e fazendeiro, João Américo França Vieira é tido como o braço direito do médium João Teixeira de Faria, o João de Deus, acusado de uma série de abusos sexuais contra pacientes. Antes de trabalhar com o médium, Vieira tinha um histórico de problemas com a Justiça. Ele chegou a ser acusado de cinco homicídios, mas acabou absolvido por falta de provas.

O piloto se apresenta como amigo do médium há mais de 30 anos. Foi sócio de Márcio Martins da Costa, conhecido como Rambo do Pará, morto pela Polícia Militar do Pará em 1992. O apelido veio em função de Costa andar com diversas armas e usar uma fita na cabeça, como o personagem interpretado por Sylvester Stallone em filmes de ação dos anos 1980.

Também piloto e garimpeiro, Rambo chegou a Castelo dos Sonhos, um distrito de Altamira (PA) localizado a 970 quilômetros da sede do município. Segundo relatos de moradores, ele tentou tomar os garimpos do distrito, mas acabou expulso pela família do primeiro ocupante das terras, Leo Heck. Ele teria sido arrastado pela avenida principal, algemado.

Segundo o livro “Dono é quem desmata – conexões entre grilagem e desmatamento no sudoeste do Pará”, dos pesquisadores Maurício Torres, Juan Doblas e Daniela Fernandes Alarcon, Rambo voltou meses depois e tomou o garimpo da família Heck. Ele chegou com seus homens em um helicóptero com duas metralhadoras. Cinco pessoas foram mortas no ataque.

JADER DESAPROPRIOU GARIMPO COM VIOLÊNCIA

Os relatos apontavam que o novo líder contava com apoio forte de pessoas influentes do Pará e de outros estados. Faziam parte de seu grupo o irmão Miron Vieira, José Miguel Villaverde, o Miguel Argentino, o médico Orlando Kwiatkowski Mayer e o pistoleiro conhecido como Sadi Rambo. O último chefiava os numerosos “guachebas” do grupo, ou capangas, em uma poderosa organização que expandiu suas atividades para roubo de carros e tráfico de drogas.

Depois de tomar o controle dos garimpos, seu grupo teve de enfrentar o de Edson Martins Cardoso, o Edson Goiano, que tentou lhe tomar o poder. Preso diversas vezes, Costa obteve algumas vezes a liberdade na justiça. Em outras, conseguiu fugir. O embate durou até sua morte.

Então governador, o senador Jader Barbalho (MDB) foi responsabilizado por seus adversários pela morte de Costa e pela tomada do garimpo. “Farta documentação mostra, ao tempo em que Jader Barbalho era governador do Pará, a desapropriação irregular do garimpo denominado Castelo dos Sonhos”, escreveu o falecido senador baiano Antonio Carlos Magalhães, no livro O Brasil não merece, usado para atacar o então adversário. “A violência de que se revestiu a ação policial é indescritível. Dela decorreu o assassinato de Márcio Martins, um ato da mais odienta selvageria. As ameaças aos poderes constituídos na região do conflito, em nome do governador, não reconhecendo inclusive autoridade no poder judiciário local, estão fartamente documentadas”.

Mesmo após o término da aventura em Castelo dos Sonhos, Vieira continuou sócio de Miron e Villaverde na MM Aviação, Comércio e Serviços. Antoninho Marcelino da Silva também teve participação no negócio. Vieira tem participação na Agropecuária Pentágono, ao lado de outro empresário da aviação, João Alexandre Almeida Vieira, dono da Commander Aviação e da Total Fish Aquicultura.

PILOTO TROCOU GARIMPO POR FAZENDA

Vieira era apontado em reportagens como responsável por fazer o transporte aéreo de João de Deus para atendimentos. O médium é dono, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), de um bimotor Embraer EMB-810C de prefixo PTRCC, com capacidade para cinco passageiros.

Segundo a Folha, João Américo se tornou dono de um garimpo de ouro em Crixás (GO) que era de João de Deus. Ele trocou o garimpo, numa terra de 30 alqueires goianos, por uma fazenda à beira do Rio Araguaia. É nessa fazenda que o médium foi acusado de desmatamento irregular, como mostramos em outra reportagem: “João de Deus desmata Cerrado em fazenda na Floresta Estadual do Araguaia“.

A atividade como garimpeiro, que, segundo amigos, rendeu muito dinheiro ao médium, também o tornou réu em um processo. Em 1985, ele foi preso em flagrante com 300 kg de autunita, minério com alto teor de urânio (elemento químico do qual se produz combustível para usinas nucleares).

Seus advogados alegaram na época que ele havia sido usado e não sabia que transportava a substância. João de Deus também respondeu a uma acusação de homicídio, ocorrido em 1980. Ele acabou absolvido por falta de provas. A vítima era o taxista Delvanir Cardoso Fonseca, que teria um relacionamento amoroso com Tereza Cordeiro de Faria, ex-mulher de João.

João de Deus também respondeu a um processo que tem relação direta com as acusações atuais. Em setembro de 1980, foi processado por crime de sedução contra a adolescente S.F.S., então com 16 anos. O processo foi extinto em 1986 por “desinteresse” da família da vítima.

Ele também respondia por exercício ilegal da medicina. Após uma sessão de cura que durou três horas, ele teria decidido internar a garota. A adolescente passou três semanas com o médium e relatou os abusos quando os pais retornaram para encontrá-la. A defesa de João de Deus alegou na época que ele estava sendo vítima de uma tentativa de extorsão.

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