O fim da espera sem fim. Por Janio de Freitas

Ações liberadas para plenário do STF estavam fazendo aniversário de joguetes

Na Folha

Em tempos bolsonaros sobrevivem, inextinguíveis, os tempos violentados. A ditadura cassou, prendeu, perseguiu, recorreu ao crime contra quem não se tornou serviçal da nova ordem. O lugar dos retirados jamais ficou vazio. Sempre houve mais de um pronto a ocupá-lo. Assim é, onde quer que a prepotência se imponha, sejam quais forem a sua forma e o seu grau.

É nessa regra que se inscreve a atitude do ministro Marco Aurélio de Mello que suspendeu a validade de prisão quando o réu ainda tem direito de recorrer contra a condenação.

A permanência em liberdade até o julgamento do último recurso é assegurada pela Constituição e explicitada no Código de Processo Penal. Apesar disso, por um voto, seis a cinco no total, a maioria do Supremo Tribunal Federal combinou-se com o ambiente exaltado pelo confronto Moro/Lula, e deu validade ao que a Constituição nega.

Não só militares e policiais são dados à prepotência contra direitos da cidadania. A decisão audaciosa dos seis ministros foi atitude de prepotência gritante. Não foi a reconsideração de um item constitucional, o que só ao Congresso caberia fazer. Foi, sim, subjugação da palavra e da primazia da Constituição à vontade coordenada de seis juízes.

A incompatibilidade desse ato com as normas vigentes gerou inúmeras críticas jurídicas. E recursos judiciais. Então presidente do Supremo, a ministra Cármen Lúcia não demonstrou dificuldade alguma em redobrar a prepotência para satisfazer sua posição de votante, entre os seis, do descaso com a Constituição.

Bastou-lhe dizer e repetir que não poria a questão em novo julgamento. Como deixara de fazer a agenda de julgamentos em comum com os demais ministros, de fato não a programou. Um componente da ocasião: era tida como certa, a haver novo julgamento, a inversão do resultado, voltando-se à regra original.

Sucessor de Cármen Lúcia, o ministro Dias Toffoli, também por decisão individual, agendou o segundo julgamento para sete meses depois de sua posse: 10 de abril de 2019. Uma só razão para mais de meio ano além da lengalenga que vinha de 2016: a prepotência conduz à arbitrariedade.

Marco Aurélio de Mello não tem a simpatia da imprensa. Pudera, não se curva a pressões de jornais e TV, e muito menos do plenário. Divulgada sua decisão, como relator do assunto boicotado, logo lhe caiu uma tempestade de críticas, sem falta dos impropérios em moda. A isso seguiu-se a incitação a um ato de Dias Toffoli para anular o do colega.

Haverá quem diga que Marco Aurélio foi prepotente. Primeiro, sua decisão foi liminar de relator e temporária até o julgamento em plenário. Além disso, as ações impetradas estão liberadas para o plenário desde dezembro do ano passado: estavam fazendo aniversário de joguetes de política. E, ainda, a decisão é respeitosa à Constituição, contrária é a sua falta.

Sugestão

Incluir ao menos um livro, nos presentes natalinos, é um gesto de muitos efeitos. Eis duas sugestões. Para facilitar o convívio com a realidade, nada como o bom humor. Portanto, “Autobiografia desautorizada de Jô Soares”, dele e de Matinas Suzuki (Cia. das Letras). Para perceber um pouco mais dessa confusa realidade, o estarrecedor “Medo: Trump na Casa Branca”, de Bob Woodward (Todavia).

Destaque: imagem parcial da capa da revista “Isto É”

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