‘Einstein e Newton estavam errados’: estimulada por políticos nacionalistas, ‘pseudociência’ avança [também] na Índia

Na BBC

Palestrantes de uma importante conferência realizada na Índia bateram de frente com a comunidade científica ao apresentar uma série de teorias irracionais durante o evento.

Enquanto alguns acadêmicos indianos contestaram descobertas de Isaac Newton e Albert Einstein, outros argumentaram que os antigos hindus inventaram a pesquisa com células-tronco.

A mitologia hindu e as crenças religiosas estão cada vez mais presentes na agenda de discussões do Congresso Científico Indiano, que acontece anualmente, indicando o avanço da chamada pseudociência.

Mas, de acordo com especialistas, as declarações feitas durante a 106º edição do evento, iniciada no dia 03 e encerrada hoje, foram especialmente absurdas.

O diretor de uma universidade do sul do país citou um antigo texto hindu como prova de que a pesquisa com células-tronco foi descoberta na Índia há milhares de anos.

G. Nageshwar Rao, vice-reitor da Universidade de Andhra, também disse que o rei demônio do Ramayana, épico religioso hindu, tinha 24 tipos de aeronaves e uma rede de pistas de pouso no território em que hoje está localizado o Sri Lanka, país vizinho.

Outro cientista de uma universidade no Estado de Tamil Nadu, no sul do país, afirmou aos participantes da conferência que Isaac Newton e Albert Einstein estavam errados.

KJ Krishnan teria dito que Newton falhou em “entender as forças gravitacionais repulsivas” e que as teorias de Einstein eram “enganosas”.

Segundo ele, as ondas gravitacionais deveriam ser chamadas de “Ondas de Narendra Modi”, uma referência ao primeiro-ministro do país.

Séria preocupação

A Associação Indiana de Congressos Científicos manifestou uma “séria preocupação” com as observações.

“Não concordamos com suas opiniões e nos distanciamos de seus comentários. Isso é lamentável”, disse Premendu P. Mathur, secretário-geral da entidade, à agência de notícias AFP.

“Há uma séria preocupação com esse tipo de declaração por parte de pessoas responsáveis”, acrescentou.

De acordo com os críticos, embora os textos antigos devam ser lidos e apreciados, é um contrassenso sugerir que eles representam a ciência.

O avanço da ‘pseudociência’

O jornalista Soutik Biswas, correspondente da BBC News em Déli, na Índia, lembra que o país tem uma relação confusa com a ciência.

“Por um lado, tem uma rica tradição de cientistas de destaque – o Bóson de Higgs, também conhecido como a ‘partícula de Deus’, recebeu parte do nome em homenagem ao físico indiano Satyendra Nath Bose, contemporâneo de Einstein.”

“O físico Ashoke Sen ganhou, por sua vez, o Fundamental Physics Prize, considerado um dos prêmios acadêmicos mais respeitados do mundo”, destaca.

Mas, segundo ele, o país também tem uma longa tradição de substituir a ciência por mitos, o que leva à cultura da pseudociência.

“Muitos acreditam que, sob a gestão do partido nacionalista hindu BJP, do primeiro-ministro Narendra Modi, a pseudociência avançou da marginalidade para o ‘mainstream’.”

“O próprio Modi deu o tom em 2014 quando declarou que a cirurgia estética era praticada na Índia há milhares de anos”, completou.

Também em 2014, Modi afirmou em um encontro com profissionais de saúde em um hospital de Mumbai que a história do deus hindu Ganesha – cuja cabeça de elefante está presa a um corpo humano – mostra que a cirurgia estética existia na Índia na antiguidade.

Muitos ministros seguiram o exemplo dele fazendo declarações semelhantes.

No ano passado, o ministro da Educação, Satyapal Singh, disse em uma cerimônia de premiação de engenharia que os aviões foram mencionados pela primeira vez no épico hindu Ramayana.

E que o primeiro avião a voar foi inventado por um indiano chamado Shivakar Babuji Talpade, antes dos irmãos Wright e de Santos Dumont.

Em janeiro de 2017, o secretário da Educação do Estado de Rajastão, no oeste do país, declarou que era importante “entender o significado científico” da vaca, já que era o único animal do mundo a inspirar e expirar oxigênio.

Presentational grey line

A principal cúpula científica da Índia também começou a convidar acadêmicos com inclinações nacionalistas hindus que fizeram afirmações igualmente bizarras.

“Essas alegações geralmente remontam a um passado hindu imaginário glorioso para reforçar o nacionalismo religioso. O BJP e seus aliados linha dura misturaram por um longo tempo mitologia e religião para reforçar o hinduísmo político e o nacionalismo. Ao acrescentar ciência à mistura, dizem os críticos, só ajuda a propagar a ciência charlatã e corroer o pensamento científico”, explica o jornalista Soutik Biswas.

“Além disso, como diz o economista Kaushik Basu: ‘Para uma nação progredir, é importante que as pessoas dediquem tempo à ciência, matemática e literatura, em vez de gastar tempo mostrando que há cinco mil anos seus ancestrais faziam ciência, matemática e literatura'”, acrescenta.

O primeiro-ministro Narendra Modi (ao centro) participou da abertura do 106º Congresso Científico Indiano, Foto: Getty

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