O medo como afeto desmobilizador. Por Débora Diniz

Em sua nova coluna, Débora Diniz reflete a intenção perversa do governo Bolsonaro de provocar um ruído e disseminar o medo

Na Marie Claire

Circulou a notícia de que o novo governo revisaria a política de bolsas para a pós-graduação, cancelaria bolsas vigentes ou mesmo não aprovaria novos bolsistas se estes não estivessem alinhados à ideologia populista de Bolsonaro. Verdade ou bravata, a notícia tem um objetivo: disseminar o medo entre uma juventude que majoritariamente não votou no presidente e que não se sensibiliza por notícias falsas de WhatsApp. Enquanto não for uma política de gerenciamento das bolsas pela CAPES ou CNPq, meu conselho aos estudantes de pós-graduação dedicados a temas considerados sensíveis é simples: estudem ainda mais e melhor, escrevam e falem muito. Por trás da notícia sem fonte está a intenção perversa de provocar um ruído e disseminar um afeto: o medo.

Uma das características da ideologia extremista de Bolsonaro é mover-se pela paranoia. Não há loucos no poder, não é disso que falo. A paranoia não é um atributo exclusivo dos que carregam um CID psiquiátrico. Há homens e mulheres comuns que acreditam em teorias conspiratórias contra seus valores ideológicos. A paranoia é uma das forças que move o extremismo populista – para lidar com o próprio medo que os assola, a estratégia é intimidar os que consideram adversários. Não por acaso a notícia tem um alvo, ao mesmo tempo, poderoso e vulnerável: estudantes de pós-graduação dependentes do financiamento do Estado para serem professores, pesquisadores e intelectuais do país. Como não há tempo para romper o ciclo de formação já iniciado muito antes da chegada de Bolsonaro ao poder, a estratégia é assustá-los pela força bruta.

Se atacam é porque têm medo. Se têm medo é porque acreditam na conspiração paranoica que os ameaça – ministra Damares acredita na pureza de suas crenças de que “menina veste rosa e menino veste azul”. Não é metáfora, como tentou se justificar depois do ocorrido em cadeia nacional, é o essencialismo de sua doutrina moral transposta para a pasta de direitos humanos. Os bolsonaristas acreditam que a TV Globo é uma empresa do PT que deve ser boicotada e persegue o presidente. Há uma dose de estratégia nesta crença, além de um forte componente paranoico: “se não está comigo, está contra mim”. A vida social é organizada por um binarismo plano – nós e eles, nós contra eles. O risco é que ao serem legitimados no poder político podem fazer uso das instituições do Estado para oprimir os dissidentes da ideologia extremista. Nada mais estratégico do que ter como alvo os estudantes, o grupo vulnerável dentre os gigantes do ensino superior.

Por trás deste jogo, está a ideologia extremista que tomou o poder no país. Se falam tanto em ideologia de gênero, é porque essas são as lentes com que enxergam a realidade – realmente, seus ideais paranoicos são ideológicos sobre como deve ser o bem-viver. Lutarão com as estruturas do Estado para promover as mudanças nas políticas de forma a conformá-las à agenda ideológica. Esse é um dos jogos políticos da democracia. O que não é democrático, no entanto, é disseminar o medo como tática de controle dos que escapam ao controle. Por isso, repito: o afeto do medo não deve nos contagiar. A cautela acende a atenção, mas não nos paralisa para o uso do pensamento na política.

Debora Diniz é antropóloga, professora da UNB e pesquisadora da Anis: Instituto de Bioética. Em 2017, ganhou o prêmio Jabuti pelo livro “Zika: Do Sertão Nordestino à Ameaça Global”. Como documentarista, seus filmes já ganharam mais de 50 prêmios. Sua área de interesse são os direitos das mulheres.

‘O Grito’, de Edvard Munch. Recorte

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