Por que é crime pescar na Estação Ecológica de Tamoios, em Angra dos Reis?

Tania Pacheco

Acabo de republicar a coluna de Janio de Freitas, na Folha de hoje. Sob o título “Pesca de mentira“, ele revela a “burla” (o termo elegante é seu) utilizada por Bolsonaro e seus advogados para livrar-se das penalidades decorrentes de pesca ilegal na Estação Ecológica de Tamoios, em janeiro de 2012. A denúncia é importante, mas vale acrescentar a ela outra questão: por que, afinal, é crime considerado grave não só pescar, como meramente adentrar essa Estação Ecológica? Cabem algumas informações complementares.

Conforme mostram vídeos disponíveis na internet, a multa revoltou o então deputado, que criticou a ação do Ibama no Plenário da Câmara, confirmando assim, inclusive, sua presença na área proibida. Nos meses subsequentes, dois projetos de lei foram apresentados na Casa –
os PL 4.119/12 e PL 4.196/12, depois apensado ao primeiro -, propondo, ambos, a liberação da pesca artesanal ou amadora, do tráfego de embarcações e da utilização de praias na Estação de Tamoios.

A tramitação dos projetos levou a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara a promover uma audiência pública sobre a matéria, em 4 de junho de 2013. Dela participaram como convidados, entre outros, o secretário municipal de Meio Ambiente de Angra dos Reis, Ricardo Toledo; o diretor do Centro de Estudos Ambientais e Desenvolvimento Sustentável da UERJ, Marcos Bastos Pereira; o secretário de biodiversidade e florestas do Ministério do Meio Ambiente, Roberto Brandão Cavalcanti; e, representando a 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, a procuradora da República Monique Cheker (AQUI).

Enquanto os demais expositores concentraram suas falas em questões relativas à preservação ambiental propriamente dita, a representante da 4ª CCR frisou que Tamoios foi criada em 1990, como contrapartida à instalação das usinas nucleares de Angra 1 e Angra 2 e com um objetivo bastante especial:

“Ela serve como uma zona de amortecimento, de segurança, onde são feitos permanentes estudos sobre a fauna e a flora, permitindo que sejam identificadas possíveis anormalidades ambientais. Qualquer alteração nesse ambiente, inclusive a presença humana, prejudicará o monitoramento”.

(…)

“Minha preocupação é que os projetos de lei não mencionam, em momento algum, a questão nuclear. Então, uma das razões principais da criação de Tamoios como uma estação ecológica de proteção integral não foi sequer considerada”.

No seu depoimento na audiência, Monique Cheker acrescentou ainda que, caso aprovados, os projetos seriam inconstitucionais, por afrontarem o artigo 225, § 1º, III da Constituição Federal, segundo o qual é “vedada qualquer utilização que comprometa a integridade” de áreas especialmente protegidas.

O Projeto de Lei 4119/12 (e o PL-4196/2012 a ele apensado) foram rejeitados pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, onde tramitavam em caráter conclusivo, no dia 27 de maio de 2015. Quem sabe agora, já ‘perdoado’ da multa de 2012 e com o galopante desmonte dos organismos ambientais, o novo presidente possa voltar a pescar impunemente nos mares de Angra dos Reis.

Procuradora da República Monique Cheker. Foto: Antonio Augusto, Secom MPF

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