UniFavela semeia o ensino popular na Maré

Por Mareen Butter, no Rio On Watch

“O nosso DNA não é só nosso. Têm milhares de anos de contato com outras bactérias”, Luana Silva dos Santos explica. Estava tão quente naquela tarde de fim de primavera que várias garrafas de água gelada foram necessárias para que os estudantes conseguissem se concentrar. O grupo estava sentado em frente a duas mesas de plástico. Um quadro foi colocado improvisadamente em cima de tijolos na frente deles. Não havia brisa nenhuma, as cabeças dos alunos estavam suadas, mas isso não impedia que eles fizessem anotações, perguntas e, acima de tudo, debatessem juntos.

Eles estavam em um terraço no Complexo da Maré, na Zona Norte da cidade, e a aula de biologia acabava de começar. No entanto, não é uma aula no sentido tradicional: Luana, 19 anos e estudante de biologia da UFRJ, se recusa a ser chamada de professora, assim como Laerte Breno, 23, aluno de letras na UFRJ e fundador do grupo de estudos pré-vestibular UniFavela. “No senso comum, professor é aquela pessoa detentora de qualquer conhecimento. Mas aqui é uma troca de saberes: na medida que eu estou trocando meu saber com eles, eu também estou aprendendo com eles”, esclarece ele. Os alunos concordam. Natricia Rodrigues, 18, adiciona: “Eu acho que aqui, por conta de ser um público reduzido e mais jovem, você tem a oportunidade de tirar dúvidas, e se você estiver um pouco envergonhado você também tem a possibilidade de encontrar um ambiente mais de casa mesmo”. Thiago Carlos, 21, corrobora: “Eu não vejo como um projeto, mas sim como uma família”.

O lema da UniFavela, ‘Semeando o ensino popular’, manifesta os seus princípios fundamentais. De acordo com Laerte, a ideia do grupo não é apenas de ensinar pessoas a ler e repetir palavras, mas sim de aprender a criticar a sociedade em que vivem. “Na UniFavela a gente vê esses professores que são favelados igual a gente, são negros igual a gente, é uma identificação que a gente não vai encontrar em outra escola. Lá vai ter uma pessoa da classe A, branca, com quem a gente não se identifica. Aqui [a gente] traz toda essa resistência do povo negro, da mulher”, diz Camila Felippe, de 21 anos. Laerte ainda explica que dá aulas por convicção política: “É uma questão de militância minha. Porque a universidade tem muita gente que é da elite, da Zona Sul do Rio e nós queremos colocar [na universidade] gente da periferia, da favela”. Dando aulas particulares para um aluno da Zona Sul do Rio de Janeiro, Laerte percebeu a grande discrepância de erros de português entre alunos de ensino público e privado: “Um tem uma educação boa e outro tem uma educação fraca. Não é culpa deles, é culpa do ensino no Brasil”.

Em poucos meses, os fundadores do UniFavela conseguiram iniciar esse projeto social. O projeto começou em junho de 2018, porque uma amiga de Laerte pediu ajuda para estudar uma matéria, e ele então convidou mais pessoas para participarem do estudo. Então, desde de junho de 2018 as aulas de preparação para o Enem aconteceram todos os dias, de segunda à sexta, a partir de 13:30 até às 16:00, na laje de um dos alunos na Maré. Por meio de um grupo no Facebook, a UniFavela ficou mais conhecida e no total 15 a 20 alunos participaram regularmente das aulas. Embora todos os professores trabalhem de forma voluntária e gratuita, o maior problema continua sendo as finanças. “A gente tá correndo atrás de bolsas. Gastamos muito dinheiro com xerox”, Laerte diz. O grupo já tentou arrecadar por meio de uma vaquinha online, pediram dinheiro na rua e na faculdade, e ainda pagaram uma parte das despesas dos próprios bolsos, mas mesmo assim a improvisação foi necessária: “A gente ficou desesperado de ficar sem quadro, até que uma aluna deu um quadro para nós”.

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