Por João Filho, no The Intercept Brasil
Os primeiros 15 dias de governo mostram que o bolsonarismo é mesmo o terraplanismo aplicado à política. Nada precisa fazer sentido. Basta se apegar a uma crença, ignorar a realidade dos fatos e seguir em frente. Até agora tem dado certo.
Depois de se elegerem ostentado um anticomunismo insano, parlamentares da bancada do PSL e outros bolsonaristas foram convidados pelo Partido Comunista da China para conhecer a tecnologia de reconhecimento facial em locais públicos — o Big Brother do regime. E lá foram cerca de 20 anticomunistas passear durante dez dias para conhecer as maravilhas tecnológicas daquele país. Toda essa mamata da trupe de Bolsonaro, incluindo hotel de luxo e passagem aérea em classe executiva, foi financiada pelo comunismo.
As violações dos direitos humanos na China não são motivo de repúdio como são as da Venezuela. Mas há uma explicação. Segundo o deputado pitboy Daniel Vieira (PSL-RJ) — aquele que destruiu a placa de rua simbólica que levava o nome de Marielle Franco —, a China é um “socialismo light”, e não uma ditadura como a Venezuela. Eu sei que já devia estar acostumado, mas ainda fico constrangido com a dificuldade com que esses novos políticos de extrema direita têm em lidar com conceitos básicos de política. Certamente o nosso pitboy considera o “socialismo chinês” muito mais brando do que a ditadura do PT.Assine nossa newsletterConteúdo exclusivo. Direto na sua caixa de entrada.Eu topo
Olavo de Carvalho, o farol intelectual do bolsonarismo, gravou um vídeo dando umas belas chineladas na turma que traiu o movimento anti-globalista e embarcou no trem da alegria. Prometeu não falar mais com sua amiga Carla Zambelli (PSL-SP) e chamou todos da comitiva de “semi-analfabetos” e “caipiras”. Olavo nunca teve tanta razão. De fato, alguns vídeos que os bolsonaristas publicaram em suas redes mostram um deslumbre que lembra a família Buscapé chegando em Beverly Hills.
A coisa fica ainda mais cômica quando se descobre que a viagem não foi uma iniciativa do governo brasileiro, mas de um amigo do Alexandre Frota (PSL-SP), o empresário Vinícius de Aquino. Ele combinou a viagem com a embaixada e escolheu os convidados. “Convidei os deputados de que gosto e confio, e que são web influencers, para que a esta viagem possa trazer o maior êxito possível”, afirmou o empresário que jura não estar ganhando nada fazendo essa ponte.
Entre os convidados, o influenciador digital de maior presença na internet é o deputado Luis Miranda (DEM-DF). Ele tem publicado muitos vídeos da viagem e parece ser o parlamentar mais entusiasmado no país da foice e do martelo. É sobre ele que eu quero falar nesta coluna. A sua trajetória até a Câmara dos Deputados é um troço meio inacreditável, mas bastante representativa do embuste que é essa viagem pra China e do bolsonarismo vigente.
Miranda se apresenta na internet como um empreendedor de sucesso. Um self-made man que saiu do Brasil sem um tostão e virou um empresário milionário em Miami. Durante anos, ele se dedicou a contar no YouTube as maravilhas do capitalismo na terra do Tio Sam, sempre comparando com as desgraças do “socialismo brasileiro”. Nos vídeos, ele aparece ostentando imóveis, carros, lancha e bolos de notas de cem dólares — algumas vezes falsas. Foi assim que ganhou fama na comunidade brasileira nos EUA e entre os brasileiros que sonham em migrar. Conquistou aproximadamente 800 mil seguidores no YouTube e 3 milhões no Facebook. Virou uma estrela da internet.
Sempre usando frases motivacionais e retórica de coach, Luis Miranda também deu palestras e vendeu cursos ensinando como conseguir o green card e ficar rico nos EUA. No Linkedin, se apresenta como um “multi empresário, que assim como seu ídolo famoso Steve Jobs, precisou se reinventar após um grande sucesso e queda”.
Acontece que o sucesso empresarial de Miranda é mais fake do que a mamadeira de piroca do WhatsApp. Simplesmente todas as empresas que ele fundou faliram e deixaram um histórico de calotes na praça.
Sua carreira empresarial se iniciou ainda no Brasil em 2008, quando fundou a Fitcorpus, uma franquia de clínicas de estética que chegou a aparecer mais de uma vez no programa Amaury Jr. como um modelo de negócio revolucionário.
Depois de aplicar muitos calotes e receber muitos processos, a Fitcorpus faliu. Foi então que Miranda decidiu viajar para os EUA e prosseguir no ramo da picaretagem.
O deputado eleito faz qualquer tipo de negócio. Em Miami, fundou a Gifts for World, empresa de importação e exportação, que seduzia brasileiros com produtos a preços baixos, mas que também ficou marcada por calotes. No Reclame Aqui, há diversos relatos de clientes lesados que pagaram e não receberam seus produtos.
Outra empreitada de Miranda foi a Dreamtrips, uma espécie de clube de viagens sob o modelo de Marketing Multinível, em que você paga um pequeno valor mensal e tem direito a diárias em bons hotéis no Brasil e no exterior. Quem aderir ao clube também pode ganhar dinheiro se conseguir atrair novos membros. Tem cara, cheiro e talvez seja mesmo uma pirâmide financeira.
A Dreamtrips oferece os produtos de outra empresa, a WorldVentures, que não tem permissão para vender no Brasil. Mas isso não é um problema para Miranda. Em um vídeo tutorial gravado no ano passado, ele ensina como se cadastrar no site da empresa e se tornar um membro do clube fornecendo número de identidade e endereço americano falsos! A própria WorldVentures teve que declarar que não está trabalhando legalmente no Brasil. Ou seja, Luis Miranda ofereceu um serviço ilegal para quem mora aqui. Os calotes relatados no Reclame Aqui não deixam dúvidas de que a Dreamtrips é mais uma empreitada picareta do deputado eleito.
Foto: Reprodução/Site do Luis MirandaHá dezenas de publicações no YouTube com pessoas relatando terem sido vítimas desses golpes. Lauri de Matos, um dos youtubers que se dedica a desmascarar as mutretas de Miranda, revelou alguns processos que ele sofreu nos EUA. Em um deles foi condenado por não pagar o aluguel do seu escritório na Flórida. Em outro, foi condenado por dar calotes de quase US$ 200 mil em um grupo de investidores. Ele prometia comprar carros em leilões, reformá-los e lucrar em cima da revenda. Mas a grana nunca aparecia. É o que costuma acontecer com muitos dos que fazem negócios com o deputado eleito.
Luis Miranda também tem o hábito de ameaçar quem o denuncia. Em uma das ameaças, mostra tacos de madeira expostos na parede do seu escritório que ele diz servir “para dar porrada em vagabundo”. Segundo ele, só não os usou ainda porque seus denunciantes “estão longe, senão já teria feito maldades”. Neste mesmo vídeo, ele também exibe um Lamborghini e plaquês de 100 dólares enquanto grita “dinheiro falso? Confere direito! Tira um print disso aqui, seu filho da puta! Vai, seu viado do caralho! Tira um print!”
Mesmo tendo sido desmascarado por vários outros youtubers, Luis Miranda continuou com seus negócios obscuros e começou a preparar o terreno para entrar na política brasileira. Em 2017, foi recebido pelo então deputado Jair Bolsonaro em seu gabinete, onde gravaram um vídeo demonstrando simpatia mútua. Seus vídeos passaram a falar cada vez mais sobre política, sempre surfando na onda bolsonarista. No ano passado, ele decidiu lançar sua candidatura a deputado federal pelo DEM.
Mesmo morando em Miami, Miranda foi o sexto deputado federal mais votado do Distrito Federal. Durante a campanha, vendeu a imagem do herói que abandonou uma carreira empresarial de sucesso no exterior para salvar sua terra natal do comunismo. O milionário condenado por não pagar aluguel fez uma promessa de campanha que dificilmente poderá cumprir: abrir mão dos salários e benefícios de deputado.
Depois da repercussão negativa da viagem no Brasil, Luis Miranda gravou vídeo na China ao lado do embaixador brasileiro exibindo sua megalomania: “acabei de receber a informação de que a bolsa tá bombando no Brasil porque um grupo de malucos veio fazer uma visita para aquecer a economia”. Em outro vídeo, ele deixou escapar que está usando a viagem para fins particulares. “A todo momento estou pedindo para a delegação me apresentar empresas de tecnologia que vendam produtos que eu possa comercializar no meu grande negócio nos EUA.” Aproveitou também para xingar os críticos da viagem de “burros, idiotas e palhaços”, e fazer novas ameaças: “me chama de safado na minha frente pra ver se eu não quebro um dente do vagabundo.” Miranda está mesmo muito à vontade nessa nova era.
Logo após o primeiro turno, o deputado já vislumbrava grandes negócios com Bolsonaro na presidência. “Mermão, se o Bolsonaro ganhar, tudo vai melhorar. A economia do Brasil vai explodir. Eu já tenho negócios articulados com pessoas do alto escalão”. Poucos dias depois, lá estava ele viajando com a bancada do PSL para fazer negócios na meca do comunismo.
Fale o que quiser de Luis Miranda, mas não dá para negar que se trata de um gênio da vigarice. Agora, um gênio com foro privilegiado.
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Luis Miranda em visita ao gabinete de Jair Bolsonaro na Câmara em 2017. Foto: Reprodução YouTube