Barragem em Brumadinho: Projeto de lei que endureceria regras para mineradoras está parado há mais de um ano em MG

Por Felipe Souza, na BBC News Brasil

Três anos após o desastre causado pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, um projeto de lei criado em 2016 que pretendia evitar novos acidentes como aquele está parado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais.

O texto, parado há mais de um ano, prevê regras mais rígidas de licenciamento ambiental para a criação de novas barragens e endurece a fiscalização sobre as já existentes – caso da que se rompeu nesta sexta-feira em Brumadinho, deixando nove mortos e mais de 300 pessoas desaparecidas e um rastro de destruição.

O projeto original foi aprovado na primeira votação em plenário. De lá, foi encaminhado para as comissões de Administração e Minas e Energia, presidida na época pelo deputado João Vitor Xavier (PSDB).

Junto com o Ministério Público, Ibama, ONGs e moradores da região, Xavier formulou um texto substitutivo que previa, por exemplo, a realização de uma audiência pública com as comunidades diretamente afetadas pela construção das novas barragens e proibia a construção em áreas de mananciais ou povoadas. O projeto recebeu apoio popular por meio de mais de 56 mil assinaturas.

O texto ainda exigia que as empresas fizessem um fundo para haver um seguro em casos de acidentes e proibia a instalação de barragens de rejeitos pelo método chamado de alteamento a montante, que permite que ela seja ampliada para cima quando ficar cheia.

A proposta, porém, foi vetada por três votos a um pelos deputados Thiago Cota (MDB), Tadeu Martins Leite (MDB) e Gil Pereira (PP). A BBC News Brasil os procurou nesta sexta-feira durante o expediente para saber qual o motivo do veto, mas apenas Thiago Cota se manifestou por meio de sua assessoria de imprensa.

Ele disse, por meio de uma nota, que votou contra o projeto porque ele “inviabilizaria a mineração em Minas Gerais”.

“Nosso parecer no projeto original contempla rigorosamente as medidas de seguranças sugeridas pelas entidades envolvidas, mas sem inviabilizar a atividade minerária. Entendo que, caso o parecer apresentado pelo atual relator na Comissão de Minas e Energia vingasse, não teríamos mais como sonhar com o retorno da Samarco. Isso seria terrível para Mariana, Ouro Preto e toda uma região. Significaria menos empregos e menos renda para a nossa gente”, justificou.

Já os deputados Gil Pereira e Tadeu Martins Leite não foram encontrados em seus gabinetes durante o expediente, assim como seus chefes de gabinete. A assessoria de imprensa de Leite não soube informar onde ele estava e disse que atenderia à reportagem por e-mail, mas não respondeu aos questionamentos até a publicação deste texto.

O deputado João Vitor Xavier diz que seu projeto foi derrotado porque há um “lobby muito forte” feito pelas mineradoras na região.

“As mineradoras querem operar no modelo que está. E eu digo há dois anos que as pessoas vão continuar morrendo. Já temos mineradoras em Minas Gerais com rejeito sólido. Precisamos tomar medidas duras e importantes para evitar mais mortes. Mas o setor quer lucrar mais, se mobilizou e agora tem a mão suja de sangue”, afirmou.

As empresas envolvidas na atividade, como a Vale – responsável pela barragem que se rompeu em Brumadinho -, se defendem argumentando que seguem todas as regras de segurança. Após o desastre desta sexta-feira, o presidente da Vale, Fabio Schvartsman, disse em pronunciamento à imprensa que relatórios periódicos sobre a estabilidade das barragens eram formulados a pedido da empresa por técnicos especializados.

O deputado disse que o projeto não evitaria o desastre que ocorreu em Brumadinho, mas que novas barragens menos seguras fossem construídas.

“As barragens já estão feitas. Temos 400 bombas-relógio em Minas Gerais. Isso que aconteceu hoje, eu avisei como presidente dessa comissão diversas vezes e digo que vai se repetir. Enquanto o povo morre aqui, os acionistas na Austrália estão enriquecendo”, afirmou.

Nada mudou

Pedro Dutra, pesquisador de Defesa Civil Internacional do Centro Universitário de Belo Horizonte, faz um estudo na região há mais de um ano para a criação de práticas de prevenção de acidentes em áreas de inundação. Em entrevista à BBC News Brasil, ele disse, porém, que quase nada foi implantado desde o desastre em Mariana e lamenta o veto ao projeto de João Vitor Xavier.

“A Assembleia Legislativa de Minas Gerais aprovou apenas um dos três projetos que foram colocados em votação, referente à aplicação de uma taxa de fiscalização de recursos minerais. O texto que foi vetado também previa a alteração do processo de licenciamento para que ele fosse analisado de maneira integral e não fatiado como é hoje”, afirmou.

Dutra também afirmou em entrevista à BBC News Brasil que a barragem de Brumadinho não estava em nenhuma lista de risco.

Pedro Dutra também diz que não sabe se a sirene que alerta os moradores em casos de rompimento de barragem foi acionada. O pesquisador afirmou, porém, que o impacto em casas deve ser menor quando comparado a Mariana. Ele afirma que muitas pessoas se mudaram da região após o desastre ambiental que ocorreu há três anos no mesmo Estado.

“A gente notou uma mudança voluntária de famílias que moravam em áreas de mineração. Esse afastamento foi essencial para protegê-las. Também temos visto um trabalho intenso da Defesa Civil de cada município para educar a população. O problema é que não existe equipe suficiente formada para isso”, afirmou.

Ele afirmou que a população tem pouco tempo de reação quando ocorre o rompimento de uma barragem. Ele disse que a lama demora de 5 a 7 minutos para atingir as primeiras casas, localizadas a cerca de 1 km da barragem.

“Isso também ocorre em países como a Indonésia. O principal é fazer um trabalho de educação contra esses acidentes nas escolas para ensinar às crianças a reagir nessas situações porque o alarme só dispara quando o material já cedeu e ele se desloca muito rápido. O mais importante é não se prender a bens materiais e fugir o mais rápido possível.”

Como ocorreu em Brumadinho?

Os rejeitos liberados pelo rompimento de uma barragem no município de Brumadinho, que faz parte da região metropolitana de Belo Horizonte (MG), atingiram residências e a área administrativa da empresa no local, conhecido como Mina Córrego do Feijão. Ao menos 150 pessoas estão desaparecidas, segundo o Corpo de Bombeiros.

A mineradora Vale, dona da barragem, afirmou que havia funcionários da empresa no refeitório no momento do rompimento. A distância entre a sede da mineradora e a barragem que se rompeu é de cerca de 1,6 km.

À BBC News Brasil o secretário-adjunto de Saúde da cidade, Geraldo Rodrigues do Carmo, disse que a chamada Vila Ferteco, também atingida, abriga casas e sítios, mas não é muito populosa. A região foi evacuada.

O rompimento em Brumadinho ocorre três anos depois que outra barragem da Vale na região de Mariana, se rompeu. Morreram 19 pessoas e três distritos – Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira – ficaram destruídos. Administrada pela Samarco, subsidiária da Vale, a barragem de Fundão liberou 34 milhões de metros cúbicos de rejeito de minério, que desceram 55 km pelo rio Gualaxo do Norte até o Rio do Carmo e outros 22 até o Rio Doce.

A avalanche de lama percorreu 663 km de cursos d’água e atingiu 39 municípios em Minas Gerais e no Espírito Santo – o maior desastre ambiental do país.

A distância entre a sede da mineradora e a barragem que se rompeu é de cerca de 1,6 km. Imagem: BBC

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Amyra El Khalili

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