Dyakalo Farato Matipu correu atrás de sonho e história tornou-se conhecida após desafio nas redes sociais
por Bruna Barbosa, em Midia News
“Meu grande sonho era me formar e usar um jaleco branco. Consegui realizar tudo isso”, comemora o indígena da etnia Matipu, Dyakalo Farato Matipu, de 34 anos. A história de Farato, como prefere ser chamado, viralizou nas redes sociais após ele publicar a sua versão do “Desafio dos Dez Anos”.
Na brincadeira, internautas publicaram montagens com imagens de dez anos atrás para compará-las com as fotos de atualmente.
De um lado da montagem, o indígena publicou uma foto da época em que morava na aldeia, em 2009. Do outro, Farato aparece usando um jaleco branco no trabalho como técnico de enfermagem.
O índio deixou a Aldeia Buritizal, localizada na região do Alto Xingu, em Mato Grosso, para realizar o sonho de se tornar técnico em enfermagem.
Aos 13 anos, o indígena descobriu que gostaria de trabalhar na área da saúde. Ele contou que era apenas um “indiozinho” quando passou a acompanhar os agentes de saúde que visitavam a aldeia.
“Quando comecei era um indiozinho. No começo, as pessoas não confiavam em mim. Os agentes me deixavam pingar o remédio. Com o tempo, fui ganhando a confiança de todos”, lembrou Farato.
O técnico em enfermagem decidiu que se dedicaria aos estudos para realizar o desejo de ser um agente de saúde, como aqueles que admiravam na infância.
Nova língua
Para realizar seus sonhos, o indígena precisaria enfrentar outro obstáculo: o idioma. Devido a uma mudança de aldeia, Farato não foi alfabetizado como o restante das crianças da aldeia.
Os estudos também foram interrompidos, pois o indígena precisava se dedicar aos ensinamentos do pai, que o ensinou a pescar, caçar e fazer artesanatos tradicionais da aldeia.
“Ele [o pai] estava tentando me preparar para o futuro, para que eu pudesse assumir o lugar dele um dia. Como sempre ia pescar com ele, faltava muito na escola. Acabei parando de ir e estudando em casa”, contou.
Apenas na adolescência, Farato passou a freqüentar uma escola na cidade, onde concluiu o ensino médio.
“Foi um processo lento e difícil. Era muito tímido e ficava nervoso para falar em português na sala de aula. Quando pensava em falar, não tinha coragem e desistia. Já cheguei a chorar [por causa disso]”, disse.
Profissionalização
Em 1997, o indígena decidiu participar de um treinamento para se tornar agente indígena de saúde, no posto de saúde Orlando Villas Bôas, localizado no Parque Nacional do Xingu.
“A formação em agente de saúde me salvou. Tive muitas dificuldades para aprender o português, até hoje não sei direito. Entendo um pouco e, quando não sei uma palavra, repito até aprender, mesmo errando”, disse.
Naquele momento, Farato soube que seu futuro estava na área da saúde. Em 2015, ele decidiu deixar a aldeia para se dedicar ao curso técnico de enfermagem, após médicos e enfermeiros interromperem os atendimentos no local pelo fim do contrato de trabalho.
“Deixaram cinco pacientes com tuberculose para que eu tratasse, sendo que três eram crianças com menos de oito anos. Naquele momento, decidi que estudaria e voltaria à aldeia para cuidar do meu povo. Por amor, sem salário ou contratos”, explicou.
Naquele dia, Farato disse que seu “coração doeu” por ver seus companheiros sem atendimento. No ano seguinte fez sua matrícula no curso técnico de enfermagem em Canarana (a 838 km de Cuiabá).
Ele classifica essa fase como “mais uma luta”, entre tantas que precisou travar para realizar seus sonhos.
Preconceito
A vida na cidade apresentou outros obstáculos ao indígena, como o preconceito e a dificuldade para conseguir um emprego. Certa vez, uma professora proibiu que Farato se comunicasse com outros colegas indígenas usando sua língua-mãe, enquanto estivesse na aula dela.
“Falei que ela não tinha direito de me proibir de falar meu idioma. Se ela estivesse em um lugar sem alguém que fale português ela entenderia como me sinto”, explicou.
Além disso, alguns alunos também se incomodaram com o fato de Farato conversar em outra língua com os companheiros indígenas.
“Quando falávamos na nossa língua, achavam que estávamos falando mal de alguém”, lembrou.
O técnico em enfermagem também contou que passou por dificuldades para conseguir comprar comida e pagar seu aluguel, durante o tempo que fez o curso.
“Trabalhava como servente, diarista e em fazendas para conseguir ter dinheiro para comer. Essas dificuldades financeiras foram as únicas que me fizeram pensar em desistir do curso”, disse.
Mas Farato não desistiu e se formou como técnico em enfermagem no dia 8 de dezembro do ano passado. Engana-se quem pensou que os sonhos do indígena parariam na formatura do curso que fez durante dois anos.
No final de 2018, ele passou em primeiro lugar em Ciências da Matemática, na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), em Canarana, onde mora e trabalha atualmente.
“Quando encontro outros indígenas que estudam na mesma faculdade tento incentivar. Meu sonho é ser médico. Vou realizá-lo e voltar à aldeia para cuidar do meu povo”, afirmou.