Brumadinho pode ser maior acidente de trabalho do Brasil

O resgate desesperado de uma mulher enlameada, helicópteros carregando corpos constantemente e famílias desesperadas em busca de famíliares desaparecidos

por Felipe Souza e João Fellet, em BBC News Brasil

As imagens após o rompimento de três barragens da Vale em Brumadinho (MG) na sexta-feira são registros do maior acidente de trabalho da história do Brasil, e que poderá se tornar o segundo acidente industrial – denominação para desastres de larga escala causados por atividades empresariais – mais mortífero do século 21 em todo o mundo, segundo especialistas e rankings compilados pela BBC News Brasil.

Até a noite desta segunda-feira, haviam sido contabilizados 65 mortos, e 279 pessoas estavam desaparecidas, de acordo com as equipes que atuam no resgate de vítimas. Após 72 horas do acidente, as chances de se encontrar pessoas vivas sob a lama são mínimas.

Só serão contabilizados como vítimas de acidente de trabalho os funcionários da Vale, incluindo os terceirizados. Entre os 65 mortos encontrados também há moradores, mas boa parte das pessoas ainda não encontradas é de funcionários da mineradora.

Segundo o professor de direito do trabalho na Universidade de Guarulhos (UNG) Gleibe Pretti, o maior acidente registrado no Brasil até então tinha sido o desabamento de um galpão em Belo Horizonte – que deixou 69 mortos em 1971.

A segunda maior tragédia do tipo aconteceu em Paulínia (interior de SP), na Shell-Basf. Ao longo de muitos anos de funcionamento (que começou em 1977), os agrotóxicos usados pela Shell contaminaram o solo e acabaram matando 62 funcionários. Mais de mil funcionários também foram afetados. Hoje esses agrotóxicos são proibidos no Brasil.

A terceira foi a tragédia em Mariana (MG), em 2015, que também teve envolvimento da Vale – ela é, ao lado da anglo-australiana BHP, dona da Samarco, responsável pela barragem que se rompeu ali. A tragédia arrasou a região, contaminou os rios e deixou 19 mortos.

O rompimento de barragem em Brumadinho também deve ter um destaque na história internacional. No mundo, o maior acidente industrial dos primeiros 18 anos deste século foi o desabamento de um prédio que abrigava fábricas e empresas em Bangladesh, causando 1.127 mortes em 2013.

Em muitos dos maiores acidentes industriais da história, porém, o número de vítimas é incerto, pois nem sempre todos os corpos são encontrados e há pouca transparência na divulgação dos dados.

“No Brasil e no mundo, há muito casos não conhecidos. Se a gente falar de Serra Pelada, por exemplo, os garimpeiros costumavam descer por grandes escadas rudimentares. Quando quebrava um degrau em cima, o trabalhador caía sobre os outros. Muitos morriam e eram enterrados ali mesmo. Contam que a Praça dos Três Poderes, em Brasília, é um cemitério de operários pela quantidade de gente que morreu ali. Sem falar na Transamazônica, que tem mortes até hoje. Também só sabemos das mortes na China quando alguém vaza”, afirmou.

O maior acidente de trabalho da história do Brasil, de acordo com os especialistas entrevistados pela BBC News Brasil, ocorreu no dia 4 fevereiro de 1971, quando o teto de um pavilhão de exposições projetado por Oscar Niemeyer desabou, matando 69 pessoas e ferindo mais de cem.

Segundo os especialistas, o acidente ocorreu porque o então governador de Minas Gerais, Israel Pinheiro, queria inaugurar a obra antes do fim de seu mandato. O gestor ignorou os alertas de que o cimento ainda não tinha maturado e ordenou que fossem retiradas as escoras de sustentação da estrutura. Cerca de 10 toneladas de concreto armado desabaram por volta das 11h45, e até hoje há famílias sem indenização.

Um balanço da Organização Internacional do Trabalho (OIT) aponta que 321 mil pessoas morrem por ano no mundo em acidentes de trabalho. O Brasil é o 4º colocado nesse ranking, atrás da China, Índia e Indonésia.

“Isso tem um grave impacto nas contas públicas. Nos últimos cinco anos, o INSS gastou R$ 26 bilhões em indenização. É um dinheiro que é pago como indenização que poderia ser investido em outras áreas”, afirmou o professor da UNG.

O que fazer para reduzir os acidentes de trabalho?

Para o especialista, essa situação só vai mudar quando três fatores forem endurecidos e respeitados: fiscalização, prevenção e punição.

“Se não houver fiscalização dura e punição com prisão, as empresas vão continuar pensando que não faz sentido investir em segurança porque nunca serão punidas. Eu trabalho em cinco universidades e três cursinhos e nunca vi um fiscal do trabalho. Tem locais que não têm tablados, extintores. Imagine em escolas públicas. Se pegar fogo, todo mundo morre”, afirmou.

Em casos de morte em acidente de trabalho, os especialistas dizem que tanto os filhos quanto os cônjuges devem receber pensão. Os filhos deverão ter o benefício até os 25 anos de idade, caso fizerem faculdade até essa idade. Se a vítima não tiver filhos, seus pais podem receber o valor.

Há ainda a indenização com projeção de tempo de vida útil, calculada a partir da idade e o quanto ainda poderia produzir até o fim natural de sua vida.

O que é um acidente de trabalho?

De acordo com a lei trabalhista de 1991, é considerado acidente de trabalho qualquer ato que traga dano a pessoas que tenham vínculo com o emprego. Eles se dividem em três tipos.

Há o acidente típico, como o que ocorreu em Brumadinho, quando o funcionário se machuca ou morre durante o trabalho. Existem também as doenças ocupacionais, causadas pela atividade relacionada ao seu trabalho, como tendinite, lesões na coluna e estresse.

Já o acidente de trajeto é aquele que acontece durante o deslocamento entre a casa e o trabalho.

Além de responder a um processo trabalhista, tributário, administrativo e ser multada pelo Ministério Público do Trabalho, a Vale deve responder criminalmente por lesão corporal e até homicídio no caso de Brumadinho.

O professor de direito do trabalho da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Flávio Batista diz que acidentes como os ocorridos em Brumadinho abrangem diversas esferas do direito além da trabalhista.

“A empresa deve fazer diversas reparações, desde o deslocamento das pessoas para fazer o enterro até o dano moral causado pelo abalo psicológico causado pela morte”, afirmou.

Ele afirma que entender as normas para a elaboração de plantas industriais para mineração pode eliminar a discussão sobre a culpa do acidente.

“Supondo que a construção de um prédio administrativo e um refeitório na direção da barragem infrinja as normas técnicas previstas, isso pode gerar uma responsabilização criminal individual. A culpa estaria confirmada porque demonstraria negligência e responsabilizaria não só o arquiteto, mas também o engenheiro, o diretor e todos que autorizaram a obra. Quando você faz algo sabendo que aquilo pode produzir um risco é um dolo eventual e tem a mesma gravidade de você atropelar ao dirigir bêbado”, afirmou o professor da USP.

Batista explica ainda que em alguns casos, quando é provada a culpa da empresa no acidente. o INSS pode cobrar a devolução aos cofres públicos do valor pago em indenizações às vítimas e seus dependentes.

Acidentes industriais

A BBC News Brasil preparou um ranking de maiores acidentes industriais ocorridos no mundo nos últimos cem anos tendo como base um estudo publicado em 2012 pela International Review of Chemical Engineering, revista científica especializada em engenharia química, e um ranking produzido pelo Australasian Mine Safety Journal – publicação australiana sobre segurança em mineração.

O Brasil já tem um acidente entre os mais mortíferos da história: o incêndio provocado pelo vazamento em um oleoduto da Petrobras em Cubatão (SP), em 1984, quando ao menos 508 pessoas morreram.

Confira a lista a seguir:

1 – Bhopal, Índia, 1984

Um vazamento de gás na empresa de agrotóxicos Union Carbide provocou cerca de 20 mil mortes.

2 – Benxi, China, 1942

Cerca de 1.500 trabalhadores morreram quando os administradores de uma mina fecharam sua saída para conter um incêndio.

3 – Savar, Bangladesh, 2013

O desabamento de um prédio que abrigava fábricas e um centro comercial provocou 1.127 mortes.

4 – Jesse, Nigéria, 1998

A explosão de um oleoduto deu início a um incêndio que só foi apagado cinco dias depois e deixou cerca de mil mortos.

5 – Shanxi, China, 1960

Explosão na mina de carvão Laobaidong provocou 682 mortes de trabalhadores.

6 – San Juan Ixhuatepec, México, 1984

Uma série de explosões em armazéns de gás natural provocou 650 mortes.

7 – Oppau, Alemanha, 1952

Explosão em fábrica da empresa química Basf causou 561 mortes.

8 – Cubatão, Brasil, 1984

Um vazamento em um oleoduto da Petrobras gerou um incêndio na favela Vila Socó. Foram encontrados 93 corpos, mas estima-se que o número total de mortes chegue a 508, baseado no número de alunos que deixaram de comparecer à escola da região e ao fato de que famílias inteiras morreram sem que ninguém tivesse sobrado para comunicar o desaparecimento de parentes.

9 – Gauley Bridge, EUA, 1931

Ao menos 476 trabalhadores morreram intoxicados enquanto cavavam um túnel durante as obras de construção de uma usina hidrelétrica.

10 – Kyushu, Japão, 1963

Uma explosão numa mina subterrânea de carvão provocou 458 mortes.

Foto: Bombeiros resgatam vítimas do desastre em Brumadinho, onde barragem da mineradora Vale rompeu na sexta (AFP)

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