Governo corta cargos e programas, censura conteúdos e aprofunda desmonte da EBC

Proposta de extinção da empresa estatal foi ventilada por Jair Bolsonaro em 2018

Cristiane Sampaio, Brasil de Fato

As últimas informações oficiais divulgadas pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL) a respeito do futuro da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) aumentaram o estado de alerta na estatal, que vive um processo de desmonte desde setembro de 2016, sob a gestão de Michel Temer (MDB), após o golpe que depôs Dilma Rousseff (PT).

Em nota interna publicada nesta segunda-feira (28), a direção da empresa anunciou o corte de cargos comissionados nas sedes de Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro e Maranhão. Além disso, informou que o programa Repórter Brasil Maranhão, produzido pela TV Brasil no estado, deixa de existir a partir desta terça-feira (29).

O comunicado ocorre cinco dias após o anúncio, pelo governo, de um “plano de reestruturação da EBC”. A medida foi anunciada na última quarta-feira (23) como uma das metas previstas para os primeiros 100 dias de governo, embora o propósito não tenha sido detalhado junto à imprensa nem aos funcionários.

Apesar de afastar, pelo menos neste início de governo, a ideia de extinção da EBC, que foi ventilada por Bolsonaro no ano passado, o anúncio sobre as mudanças na estrutura da empresa foi recebido com fortes críticas por trabalhadores e especialistas.

A jornalista Tereza Cruvinel, primeira diretora da empresa e uma das responsáveis pela fundação da estatal, em 2008, lamentou a extinção Repórter Brasil Maranhão. Veiculado pela TV Brasil no estado, o programa estava no ar há mais de 30 anos.

“É uma medida horrível, que desvaloriza a produção de conteúdos locais. O Brasil é um país onde as grandes emissoras de TV produzem a partir de Rio e São Paulo, inundando o Brasil a partir de notícias verticais, então, é muito ruim acabar com o telejornal local que a TV Brasil faz em São Luís”, afirma.

Uma nota publicada no final da manhã desta terça por entidades sindicais que reúnem radialistas e jornalistas de Brasília, do Rio de Janeiro e de São Paulo, além da Comissão de Empregados da EBC, criticou as novas medidas anunciadas. O documento também lembrou a história da TV no Maranhão, que já conta com 50 anos e, antes da criação da EBC, operava como “TVE”.

“Não é razoável colocar uma pá de cal em cima de tudo isso dessa forma atabalhoada. Inclusive a lei de criação da EBC estabelece a exigência de veiculação de conteúdos regionalizados”, ressaltam as entidades.

TV Brasil

Outra possível grande mudança, esta ainda não oficialmente confirmada, ronda o futuro da EBC: a junção da TV Brasil com a NBR, emissora responsável pelas transmissões oficiais do governo. Cogitada desde o ano passado, a novidade foi divulgada nesta segunda (28) pelo jornal O Estado de São Paulo como o próximo passo do governo em relação à empresa.

Tereza Cruvinel destaca que as duas têm naturezas distintas: enquanto a TV Brasil, pelo seu caráter público, é originalmente voltada à produção de conteúdos de interesse comum e social, numa relação direta com a ideia de cidadania, a TV NBR cumpre um papel oficioso, sendo destinada à veiculação de conteúdos de interesse dos governos de plantão, como agendas oficiais, entre outros.

“Isso é retrocesso, é antidemocrático, porque a TV pública e os canais públicos, em geral, são aprimoramentos da democracia, no sentido de garantir mais pluralidade, mais diversidade no sistema de radiodifusão. Então, esse anúncio de ontem é lamentável”, complementa.

Cenário

Os anúncios dos últimos dias sobre os rumos da empresa aumentaram o clima de dúvidas e apreensão que prevalece entre o corpo de funcionários da EBC desde 2016.

Em conversa com o Brasil de Fato, a jornalista Carol Barreto, da Comissão de Empregados da EBC, disse que os trabalhadores não têm conseguido manter um fluxo de comunicação com a direção, o que dificulta o acesso a informações oficiais sobre os planos do novo governo para a empresa. Com isso, os funcionários vivem um cenário marcado pela ocorrência constante de boatos.

“A gente escuta muita conversa de corredor mas, oficialmente, a gente não tem nada, e segue sem saber o que vai acontecer. Muito embora já, em grande medida, se tenha afastado o fantasma da extinção da EBC, que era uma coisa que o Bolsonaro repetia o tempo todo, por outro lado, a gente também não sabe como é que vai sobreviver”, desabafa.

O clima de censura ao trabalho dos jornalistas, crescente desde 2016, também permanece. Ao longo dos últimos dias, o Brasil de Fato ouviu, em off, diferentes profissionais que atuam na TV Brasil, na Agência Brasil e na Rádio Nacional, consideradas como os principais veículos da empresa.

Eles foram unânimes em destacar que a autonomia da EBC sempre foi um desafio, desde a sua fundação, mas sublinharam que a empresa tem vivido uma piora crescente nesse quesito, com a adoção de uma linha editorial cada vez mais orientada para o interesse dos governos, e não para o interesse público.

Na semana passada, por exemplo, profissionais que produziam matéria sobre a saída do deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) do Brasil foram censurados pelas chefias. O parlamentar, conhecido pela forte oposição aos governos de Temer e Bolsonaro, tem vivido, nos últimos tempos, um agravamento das ameaças de cunho político e por isso renunciou ao seu terceiro mandato paras se proteger fora do país.

O caso foi amplamente noticiado pela mídia nacional e também pela imprensa internacional, mas não foi publicado em nenhum veículo da EBC, que mantém TVs, rádios e páginas na internet. Segundo a direção da empresa, a decisão foi “jornalística”.

“Elas (as chefias) não alegaram nada. No início, ainda havia uma preocupação em tentar inventar justificativas, mas agora não tem mais nem isso. A orientação é só não falar sobre isso. É assim que tem funcionado”, conta Carol Barreto.

Estrutura

O receio atual dos funcionários está relacionado também ao enxugamento dos quadros da empresa. A exoneração anunciada pela EBC esta semana, por exemplo, atingiu mais de 40 pessoas, incluindo superintendentes, gerentes de jornalismo, coordenadores de jornalismo e de operações, entre outros.

Na TV Brasil do Maranhão, onde houve a mais recente extinção de programa, foram quatro pessoas. Trabalhadores da emissora disseram ao Brasil de Fato, nesta terça (29), que a mudança “praticamente inviabiliza o funcionamento do telejornalismo local”.

As exonerações se inserem num contexto de redução de quadros que se desenrola desde 2016. Dados oficiais levantados pela reportagem junto à direção da EBC mostram que os dois PDVs (Planos de Demissão Voluntária) lançados pelo governo Temer levaram à saída de 342 empregados, no total.

Em 2016, a EBC tinha 2.467 funcionários e mantém, atualmente, 2.016. O número, fornecido pela empresa na última sexta-feira (25), ainda não leva em conta as exonerações desta semana – que incluem concursados e não concursados.

Do total de 2.016 trabalhadores, 1.710 são do quadro efetivo. Há ainda outros 228 terceirizados, além dos comissionados.

O contexto de redução da força de trabalho tem levado a um cenário que potencializa o receio de demissão por parte dos funcionários, que são contratados via concurso público como celetistas e, portanto, não têm estabilidade.

Atualmente, os trabalhadores lidam com um boato de que a empresa irá lançar, em breve, um novo PDV. O cenário dificulta até mesmo o registro de denúncias sobre os casos de censura e outros problemas junto, por exemplo, ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF). É o que afirma Gésio Passos, da coordenação da entidade.

“Os funcionários estão apreensivos. O que está sendo noticiado é justamente um retrocesso em relação a todos os avanços que houve com a criação da EBC. O medo é tão grande que a gente tem sido pouco pautado em relação à questão da cobertura porque o receio maior das pessoas é perder o emprego, mas a discussão é constante”, afirma.

O que diz a empresa

A nota interna publicada pela EBC nesta segunda-feira (28) afirma que o objetivo das mudanças anunciadas seria “adequar a empresa à meta de otimizar despesas, com vistas à sustentabilidade até 2022, conforme estabelecida no Planejamento Estratégico da Empresa”.

Procurada pela reportagem nos últimos dias para tratar das críticas relacionadas aos casos de censura e ao aprofundamento da linha editorial de caráter governista, a direção respondeu que “os veículos da EBC têm como orientação produzir um jornalismo profissional e de prestação de serviços de interesse dos brasileiros”.

O Brasil de Fato também perguntou qual a opinião da direção a respeito da possível unificação da NBR com a TV Brasil, mas a empresa não respondeu a esse questionamento.

Edição: Pedro Ribeiro Nogueira.

Imagem: Jornalistas da EBC durante protesto contra censura à divulgação de matérias sobre caso da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), em 2018 / Divulgação

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