Carta aberta ao ministro da Educação

Por Laura Sito*, no Sul21

“Que ninguém roube a nossa capacidade de sonhar”

Caro Ministro da Educação, Ricardo Vélez-Rodriguez,

Tenho 27 anos e sou uma jornalista formada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul pela política de cotas. Minha mãe – mãe solteira e empregada doméstica – teve a alegria de ir ao salão de atos da UFRGS por duas vezes para ver suas filhas receberem seus diplomas. Na última década de profunda transformação no ensino superior do Brasil, pude ver primas, amigos, vizinhos e colegas poderem dar a mesma alegria a suas mães.

Exatamente pelos avanços que tivemos na área da educação, especialmente entre 2003 e 2015, fiquei alguns dias reflexiva em minha indignação, perplexa perante a tua declaração sobre a necessidade das universidades “serem reservadas a uma elite intelectual”.

Não vou nem entrar no mérito do que você chama de “elite intelectual”, considerando que o governo tem como guru o pseudo-filósofo Olavo de Carvalho. Vou me restringir apenas à violência de suas palavras.

É importante lembrar que os investimentos da última década trouxeram impactos que vão além da democratização do acesso às universidades brasileiras. Uma das questões mais profundas neste período, ao meu ver, foi a possibilidade de que os filhos das classes populares pudessem sonhar com um futuro de dignidade e qualidade de vida. Quantos porteiros, faxineiras, camareiras, ambulantes, pedreiros, motoristas, puderam ver seus filhos acessando os bancos universitários do país e saindo com empregos melhores ajudando na estruturação de suas famílias? O que os difere da chama “elite intelectual”?

A realidade dos jovens deste país é de resiliência. Somos o 3º país em população carcerária no mundo com 746 mil detentos, 55% destes são jovens; 5 º país em homicídios de jovens, 77% destes jovens assassinados são negros; 23% dos jovens brasileiros nem estudam e nem trabalham. Registro este quadro considerando as profundas mudanças realizadas na última década, onde os investimentos em políticas públicas transformaram a vida de parcela importante da juventude, especialmente na área da Educação. Ainda assim temos uma realidade dura para a maioria dos brasileiros, seguimos vivendo num Brasil de histórica e brutal desigualdade socioeconômica. Exemplo disso são as cinco famílias que concentram a mesma riqueza que a metade mais pobre, como mostrou o estudo da Oxfam.

Ao ler sua declaração lembrei daquele que vocês fantasiam como vilão da educação brasileira, Paulo Freire:

“Ai daqueles que pararem com sua capacidade de sonhar, de invejar sua coragem de anunciar e denunciar. Ai daqueles que, em lugar de visitar de vez em quando o amanhã pelo profundo engajamento com o hoje, com o aqui e o agora, se atrelarem a um passado de exploração e de rotina. ”

É exatamente disso que estamos falando, sua declaração, Ministro, está atrelada a um passado colonial, de exploração e submissão do povo trabalhador.

Eu defendo um país soberano, e sei que, para isso, precisamos da emancipação do seu povo. Não tenho dúvidas que a ocupação dos bancos universitários pelas camadas populares de nossa sociedade chave para tal emancipação, porque não tem somente uma perspectiva profissional, mas também de democratização do capital cultural e da produção de conhecimento no país.

Desejo, Ministro, do fundo do meu coração, que cada sala de aula seja um foco de resistência para que histórias de vidas transformadas pelo acesso a oportunidades não sejam singulares, mas sim rotineiras na vida dos milhares de brasileiros. Assim, nenhum menino ou menina perderá a sua capacidade de sonhar!

(*) Jornalista, vereadora suplente de Porto Alegre.

Destaque: foto Facebook

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