Expedição pelo rio Paraopeba não encontra água própria para consumo

A Fundação SOS Mata Atlântica seguiu o caminho da destruição causada pelo rompimento das barragens da Vale e classifica o resultado como “estarrecedor”

Por Redação Gallileu

Ainda vai levar muito tempo até que a dimensão dos estragos causados pelo rompimento das barragens da mineradora Vale em Brumadinho, em Minas Gerais. Os primeiros estudos, no entanto, já demonstram um cenário “estarrecedor”.

Foi essa a definição encontrada por um grupo de pesquisadores da Fundação SOS Mata Atlântica, que percorreu durante dez dias mais de dois mil quilômetros por estradas, rodovias, fazendas e comunidades, perseguindo o curso da degradação.

Em todos os 305 quilômetros de rio que foram analisados, desde a região de Córrego do Feijão, onde os rejeitos encontraram o rio Paraopeba, até o reservatório de Retiro Baixo, em Felixlândia, a água se encontrava imprópria para o consumo, com qualidade péssima ou ruim.

“Perceber a destruição ao longo do rio foi muito triste. Encontramos pessoas que dependiam do rio, olhando para ele, desoladas, e animais que ainda buscavam alimento por lá”, afirmou Marta Marcondes, do Laboratório de Poluição Hídrica, da Universidade de São Caetano do Sul, em comunicado. “O rio era a vida dessas pessoas e a destruição levou todos esses sonhos embora.”

No último ponto analisado, o mais distante da barragem, no reservatório de Retiro Baixo, a situação da água foi considerada ruim com índices de turbidez de 329,6 NTU (sigla em inglês para a unidade matemática Nefelométrica de Turbidez, que verifica a quantidade de partícula sólida em suspensão, o que impede a passagem da luz e a fotossíntese, causando a morte da vida aquática). É três vezes mais do que o permitido pela legislação.

A comunidade da região, incluindo ribeirinhos, quilombolas, indígenas e agricultores, utilizam a água do Paraopeba para subsistência, atividades econômicas e, principalmente, para animais e lazer. Existe ainda o impacto de valor imaterial – associado a cultura dessas comunidades —, que não vem sendo mensurado. Assim como no rio Doce, o dano silencioso é de impacto profundo em várias gerações.

A bacia do rio Paraopeba é formadora e corresponde a 5,14% do território da bacia do rio São Francisco, além de ser um dos principais mananciais de abastecimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte – desde a tragédia, o Paraopeba se manteve indisponível para qualquer tipo de uso.

O rio tem extensão de 546,5 km, com área de 12 mil km², por 48 municípios mineiros, nos limites da Mata Atlântica e do Cerrado. O rejeito contaminado altera desde nascentes ao  curso do rio, com vazões interrompidas em alguns trechos e com variações ao longo de toda a bacia hidrográfica.

De acordo com dados da SOS Mata Atlântica, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e da MapBiomas, houve uma perda de 112 hectares de florestas nativas. Destes, 55 hectares eram áreas bem preservadas.

“Todos, sem exceção, querem que a impunidade, como no rio Doce, não impere. Juntos podemos combater crimes como esses e recuperar a bacia”, destaca Marcelo Naufal, advogado e consultor da SOS Mata Atlântica para questões hídricas.

“É momento de fortalecer instituições de fiscalização e controle, dar apoio às vítimas e condições à população da bacia do Rio Paraopeba, de governança, na tomada de decisão e, principalmente, nas medidas de ressarcimento de prejuízos materiais, imateriais e ambientais.”

Para obter dados sobre a qualidade da água, a expedição técnica contou com ferramentas de análise do Índice de Qualidade da Água (IQA), estabelecido no Brasil por meio de uma norma legal (CONAMA 357), que contempla o levantamento de indicadores físicos, químicos, biológicos e bacteriológicos.

A cada 40 km, uma amostra de água foi coletada – foram 22 pontos de análise –, possibilitando resultados em tempo real sobre 14 indicadores, entre eles turbidez, oxigenação, nitrato e fosfato. Portanto, os dados ainda são preliminares. Informações que demandam tempo maior para serem obtidas, como indicadores microbiológicos da contaminação da água, serão divulgadas junto ao relatório completo em Brasília, no dia 27 de fevereiro.

“A ideia é entregá-lo a autoridades, contribuindo para que as melhores decisões sejam tomadas, e também para a sociedade, principalmente quem ainda precisa viver daquele e naquele rio, para que tenham informações concretas sobre a situação local”, afirmou, em nota, a SOS Mata Atlântica. “Afinal, a vida das pessoas foi modificada.”

Imagem: O Córrego do Feijão após o rompimento da barragem da Vale. (foto: Gaspar Nóbrega/ SOS Mata Atlântica)

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