Consórcio Estreito Energia, que tem a Vale como acionista, venceu ação judicial; PM tem permissão para destruir barracos
Pedro Ribeiro Nogueira, Brasil de Fato
A fronteira entre os estados de Tocantins e Maranhão é delineada pelo rio Tocantins. Há dez anos, a construção da Usina Hidrelétrica Estreito mudou esse traçado e desalojou centenas de moradores tradicionais das margens dos rios. Em 2012, 35 famílias de atingidos – que nunca foram reconhecidos pela Justiça e pelo Estado como tais – decidiram ocupar uma área próxima e reconstruir a vida. Começava assim o acampamento Ilha Verde.
Porém, alguns anos depois, as famílias voltam a ficar sob ameaça de despejo. No último dia 1º de fevereiro, o juiz Luatom Bezerra de Adelino Lima da 1ª Escrivania Cível de Filadélfia, do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, proferiu uma decisão favorecendo o Consórcio Estreito Energia – Usina Hidrelétrica Estreito (CESTE), capitaneado pelas empresas Engie, Vale, Alcoa e InterCement, autorizando a reintegração de posse em até 15 dias – com permissão para a PM destruir os barracos, as construções, as hortas e remover pessoas e seus pertences.
A Vale é a única das empresas do consórcio que é citada nominalmente como promovente da ação, ao lado do CESTE.
A construção da usina extinguiu o modo de produção agrícola tradicional das comunidades atingidas, que se aproveitavam das vazantes naturais do rio para usar a terra fértil durante a seca e plantar melancia, abóbora, batata-doce e outros vegetais de rápido crescimento.
“Eles viviam disso”, conta Chirlene Santos, uma das lideranças do acampamento, que estuda Pedagogia do Campo em uma cidade vizinha. “A maioria era pescador, vazanteiro. Com a vinda da barragem, a gente não foi indenizado. Só o dono da terra. Como a gente era agregado ou só trabalhava, eles não nos reconheceram como atingidos”, lamenta.
Cerca de 150 pessoas estão acampadas há sete anos, completos no dia 8 de fevereiro. Construíram roça e levam verduras, farinha e peixe para vender na feira de Babaçulândia toda semana. Elas receberam fundos federais para viabilizar hortas em mandala e estruturas de energia solar.
Chirlene, que também é militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), diz que o momento é de “muita tristeza”. [05:33]“Já está com duas vezes que eles fazem assim. A primeira vez tirou nossa casa, não deu nada. E agora, de novo. A gente está tentando procurar nossos direitos, para eles reconhecerem a gente e deixar com um pedaço de terra para trabalhar e tirar nosso sustento, para poder colocar comida na mesa. E eles querem tirar a gente de lá sem nada, como se nós fôssemos animais ou criminosos” [06:11], protesta.
Os assentados têm 15 dias para recorrer. “O juiz não quis nem ouvir nossa versão, nossas testemunhas”, diz a moradora de Ilha Verde. A alegação do CESTE é de que a área é de proteção ambiental permanente.
A usina
A represa inundou, segundo dados do próprio CESTE, 400 km² e 12 municípios em dois estados: Estreito e Carolina no Maranhão, e as cidades tocantinenses de Aguiarnópolis, Babaçulândia, Barra do Ouro, Darcinópolis, Filadélfia, Goiatins, Itapiratins, Palmeirante, Palmeiras do Tocantins, Tupiratins.
Contatado pelo Brasil de Fato, o CESTE afirmou que a área ocupada pelos atingidos “é afeta à concessão da UHE Estreito e pertence às suas Consorciadas”. O consórcio afirma que é seu dever “preservar essas áreas, que são protegidas pela Lei Federal n° 12.651, de 2012 – Novo Código Florestal” e que “é proibido invadir, ocupar, queimar ou desmatar áreas de preservação permanente no entorno do reservatório da UHE Estreito”. Em relação aos atingidos, o CESTE afirmou que “3.378 pessoas proprietárias foram indenizadas e realocadas, assim como 600 pessoas não proprietárias”.
A reportagem entrou em contato com a Vale mas até a publicação desta matéria não recebeu resposta. Leia abaixo a íntegra da decisão:
Edição: Mauro Ramos.
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Imagem: Atingidos por barragem produzem alimentos em acampamento no Tocantins / Divulgação