Comissão Interamericana recebe denúncias de organizações indígenas brasileiras sobre políticas do governo Bolsonaro

Indígenas questionaram representantes do Estado brasileiro em audiência pública e fizeram solicitações à CIDH

Por Adilvane Spezia, no Cimi

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e o Centro de Recursos Jurídicos para dos Povos Indígenas (Indian Law Resource Center) solicitaram audiência temática na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) com o objetivo de discutir a situação dos direitos humanos dos povos indígenas no Brasil. Na ocasião, as organizações indígenas denunciaram as medidas adotadas pelo governo de Jair Bolsonaro e a crescente violência contra as comunidades indígenas. A audiência foi realizada no marco do 171º Período Ordinário de Sessões, celebrado entre 7 e 16 de fevereiro. O pedido de audiência foi concedido pela Comissão e a reunião ocorreu no último dia 13 de fevereiro de 2019, na cidade de Sucre, na Bolívia.

As organizações denunciaram as declarações de Bolsonaro que afetam de forma direta as comunidades indígenas, como a comparação dos povos originários que vivem em reservas a animais em zoológico e a promessa do presidenciável de que nenhum centímetro de terra será demarcado para comunidade indígenas e quilombolas.

Eleito, por meio da Medida Provisória 870 e dos Decretos 9660 e 9667, Bolsonaro criou uma série de medidas que dificultam o andamento de processos de demarcação de terras indígenas. Desvinculou a Fundação Nacional do Índio (Funai) do Ministério da Justiça, e a vinculou ao Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos. Retirou da Funai a competência para demarcar terras indígenas e formular, coordenar e supervisionar as ações e diretrizes sobre licenciamento ambiental nas terras quilombolas e indígenas. Sem contar as mudanças realizadas no Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), órgão colegiado de caráter consultivo, responsável pela elaboração, acompanhamento e implementação de políticas públicas voltadas aos povos indígenas.

Luiz Eloy Amado, indígena do Povo Terena, advogado e integrante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), denuncia ainda a tese do marco temporal, a municipalização da saúde dos povo indígenas e questiona as mudanças realizadas pelo atual governo sem consulta livre, prévia e informada aos povos e organizações indigenistas, conforme exigem a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas e a própria jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

“As alterações feitas pelo Estado brasileiro colocam a demarcação de terras indígenas nas mãos do agronegócio, inimigos históricos dos povos indígenas brasileiros”, argumenta o advogado.

Por sua vez, Angela Kaxuyana, que é integrante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), denuncia as medidas adotadas pelo governo Bolsonaro que afetam diretamente a garantia dos territórios indígenas no Brasil.

“Temos 537 terras indígenas sem nenhuma providência por parte do Estado. É um ataque aos direitos e à vida dos povos indígenas e também aos direitos dos não indígenas, pois a não demarcação gera insegurança, traz conflitos, invasões por parte dos garimpeiros, posseiros, madeireiros e outros invasores”. Ela lista ainda os povos que recentemente sofreram ataques a seus territórios e o discurso de ódio contra os povos originários, alimentado pelos afirmações de Bolsonaro.

George de Vasconcelos, do povo indígena Pankararu e Coordenador da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), relatou um ataque ocorrido na Terra Indígena Pankararu. “No dia da eleição de Bolsonaro, as terras indígenas do povo Pankararu, no município de Jatobá, em Pernambuco, foram atacadas, tanto o centro de saúde quanto a escola frequentada por membros da comunidade foram queimados”. A comunidade tem denunciando estes atos de violência, mas nenhuma providência tem sido tomada.

Por parte dos representantes do governo, a ministra de Estado da Mulher, Família e Direitos Humanos (MDH), Damares Alves, por meio de vídeo, assumiu o compromisso de ver “o índio como um todo nesta nação”. A equipe presente na audiência destacou preocupação com a promoção dos povos indígenas, do acesso à educação e saúde, e garantiu que grandes propostas estão sendo apresentadas para o Brasil e para o mundo sobre como será conduzida a política indigenista no Brasil, em especial, o cuidando com as mulheres, crianças, jovens, estudantes, idosos e pessoas com deficiência.

“Nunca tantos ministros e um governo se preocuparam tanto com os povos indígenas como este atual”, conclui a ministra.

Eloy Terena rebateu os argumentos da representação do governo Bolsonaro na CIDH. “Só a presença de indígenas ocupando cargos no governo não é suficiente, é preciso que estes tenham compromisso com as pautas indígenas. Por exemplo, Bolsonaro já anunciou o corte das bolsas universitárias indígenas. Que tipo de prioridade é esta?”, questionou o advogado Terena.

O advogado também denunciou a retirada de crianças indígenas de suas mães, que tem ocorrido no Mato Grosso do Sul, seu estado de origem. “Há vários casos em que crianças indígenas estão sento tiradas de forma violenta de suas famílias tradicionais e levadas por famílias não indígenas. Inclusive, está em tramite uma ação na Justiça Federal em Campo Grande [MS] que pede o afastamento do ministra Damares Alves por conta da acusação contra ela por ter raptado uma criança”.

A CIDH está ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA), da qual o Brasil é Estado-membro. Por esta razão, o país foi convocado a participar e a responder pelas denúncias apresentadas, porém a delegação brasileira no evento, representando o Governo Bolsonaro, não respondeu nem se comprometeu em buscar soluções para as questões abordadas.

Sobre o pedido de audiência

Na sessão pública, foram reiteradas as informações apresentadas na audiência temática realizada pela CIDH em 2017 e durante a visita in loco da Comissão ao Brasil, em 2018.Neste encontro na Bolívia, novos fatos que evidenciam as violações de direitos humanos contra os povo indígenas ocorridas nos últimos meses foram apresentados.

Na sessão pública, foram reiteradas as informações apresentadas na audiência temática realizada pela CIDH em 2017 e durante a visita in loco da Comissão ao Brasil, em 2018. Foto: Thiago Dezan / CIDH

Quando da estadia no Brasil, a CIDH visitou várias cidades e estados, incluindo Brasília, Minas Gerais, Pará, São Paulo, Maranhão, Roraima, Bahia, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro. Assim como visitou várias instituições estatais, incluindo centros de detenção, centros de atendimento para pessoas em situação de rua, de recepção e assistência a migrantes e refugiados e, o centro de acolhimento de migrantes em Pacaraima, Roraima. Também visitou quilombos, territórios de comunidades indígenas e bairros periféricos. Igualmente, teve a oportunidade de assinar acordos de cooperação tanto com o Ministério Público Federal quanto com o Conselho Nacional do Ministério Público.

Sobre as solicitações feitas à CIDH

Durante a audiência, a delegação dos povos indígenas fez uma série de solicitações à CIDH, registradas no documento entregue no qual listam o contexto brasileiro no período posterior à visita da Comissão, realizada entre os dias 5 a 12 de novembro de 2018. Criticaram as “alterações da institucionalidade democrática” no Estado brasileiro e seu impacto para o reconhecimento, a titulação, a delimitação e a demarcação de terras indígenas, bem como os atos de violência contra os povos indígenas e suas lideranças.

Entre as solicitações feitas à Comissão, está o pedido para que o Estado restabeleça o funcionamento da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), espaço institucional de discussão e consulta com representantes indígenas eleitos legitimamente pelos próprios povos indígenas. Os indígenas também pediram à CIDH que solicite ao Estado brasileiro a consulta aos representantes indígenas sobre quaisquer medidas administrativa ou política que afetem os povos indígenas e a proteção dos povos em situação de isolamento voluntário ou contato inicial.

Pedem que a CIDH ainda solicite ao Estado que priorize o reconhecimento, a delimitação, a demarcação e a titulação de terras indígenas e se abstenha de realizar atos que possam levar agentes do próprio Estado ou terceiros a atuarem com sua permissão ou tolerância em terras indígenas ou meio ambiente. E, por último, que tramite com urgência a solicitação de medidas cautelares que a Apib e demais organizações apresentarão a favor das comunidades indígenas Pankararu e outras.

Solicitada pelos indígenas, a audiência na CIDH teve como objetivo discutir a situação dos direitos humanos dos povos tradicionais no Brasil. Foto: Thiago Dezan / CIDH

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