Entenda a relação de Temer e Coronel Lima com o universo agropecuário

Protagonista de uma contrarreforma agrária no Brasil, ex-presidente teve fazenda em Goiás e foi acusado de grilagem; em SP, MST ocupou fazenda do militar que vizinhos chamam de “fazenda do Temer”

Por Alceu Luís Castilho, em De Olho nos Ruralistas

Pivô da prisão do ex-presidente Michel Temer e de João Baptista Lima Filho, a empresa Argeplan Arquitetura e Engenharia é um dos fios da meada para se entender a relação entre o político e o setor agropecuário. Foi em uma fazenda da Argeplan, conhecida na região de Duartina (SP) como “fazenda do Temer”, que, segundo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o então vice-presidente articulou o impeachment de Dilma Rousseff.

Consumado o golpe de 2016, Michel Temer promoveu o que especialistas em questão agrária identificam como um processo histórico de contrarreforma agrária no Brasil. Medidas como a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), a paralisação de demarcações de terras indígenas e o estímulo à regularização de terras obtidas ilegalmente foram marcas do governo do MDB, entre maio de 2016 e a posse de Jair Bolsonaro, em janeiro.

A “fazenda do Temer”, expressão ouvida por reportagem da Folha em Duartina, foi ocupada várias vezes pelo MST nos últimos anos. Durante a ocupação de maio de 2016, o movimento achou no local uma correspondência endereçada ao político. “Se perguntar para qualquer um, vão dizer que a fazenda é do Michel Temer”, disse o motorista João Carlos de Oliveira ao jornal paulista. “É assim que as pessoas daqui conhecem o local.”

A mesma Folha contou, naquele mês, que a dona do imóvel de 1.500 hectares onde Temer recebeu a correspondência – a Argeplan – tinha sido acusada na Operação Lava Jato de ter ganhado uma obra de R$ 162 milhões na usina de Angra 3, “a mando de Temer”. A acusação, revelada um mês antes pela revista Época, foi feita por um engenheiro da Engevix, José Antunes Sobrinho.

MPF DIZ QUE GRUPO RECEBEU R$ 1,8 BI EM PROPINA

O MST diz que Temer é o verdadeiro dono da fazenda. O coronel Lima seria um laranja. A dupla foi presa nesta quinta-feira em São Paulo, acusada de compor uma organização criminosa liderada pelo ex-presidente. Eles teriam cometido crimes como peculato e lavagem de dinheiro, sendo beneficiados por propinas que somam R$ 1,8 bilhão.

O Ministério Público Federal no Rio de Janeiro diz que Temer e Lima formam uma organização criminosa há 40 anos.

Uma das empresas que beneficiaram o grupo foi a JBS, segundo o executivo Ricardo Saud. O Estadão informou em maio de 2017 que o então presidente recebera R$ 1 milhão em propina, em uma caixa, por meio do coronel Lima. Os próprios donos do frigorífico, os irmãos Wesley e Joesley Baptista, fizeram um dossiê sobre o caso, o Relatório Argeplan.

O Relatório Argeplan diz que Lima Filho – amigo de Temer desde os anos 1980 – era um dos destinatários de repasses ilícitos. Ainda segundo o Estadão, a JBS anexou ao relatório uma planilha que procurava “demonstrar o suposto repasse de R$ 15 milhões para Temer em forma de propina durante a campanha eleitoral de 2014″.

EX-PRESIDENTE JÁ FOI ACUSADO DE GRILAGEM

Dias antes da votação na Câmara que derrubou Dilma Rousseff, em maio de 2016, o MST ocupava a Fazenda Esmeralda. Kelli Mafort, da direção nacional do movimento, contou que dentro da fazenda ficava a antiga estação de trem Esmeralda, desativada. E que ela não podia ser acessada pelos órgãos responsáveis do patrimônio público: “A faixa de terra da estação é pública e não poderia ser apropriada de forma privada como está sendo. Isso tem nome: para nós é ‘grilagem’!”

Segue um trecho do livro “Partido da Terra” (Contexto, 2012) que resume uma acusação de grilagem contra Temer, relativa a uma propriedade que ele tinha em Goiás:

Nada menos que o vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), viu-se envolvido num caso desses, em Alto Paraíso de Goiás, na região de Chapada dos Veadeiros – a 230 quilômetros de Brasília. Os gestores da maior RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) do Cerrado, em Campo Alegre, reagiram contra o vizinho célebre.

Ele foi acusado de tentar abocanhar 2,5 mil hectares da reserva, de 7 mil hectares. Segundo o presidente da Associação Ecológica Alto Paraíso (que administra a RPPN), Alyrio Lima Costa, Temer tinha apenas 40 hectares de posse. Depois a alterou para 746 hectares. Mais tarde, para 2,5 mil hectares. E, por fim, tentou dobrar a área – com os 2,5 mil hectares da reserva – por meio de uma ação de usucapião.

Na reserva, segundo Lima Cova (percussionista conhecido no exterior como Nivedano), o presidente do PMDB destruiu árvores de mata ciliar, provocando o assoreamento de nascentes e uma voçoroca – buracos gerados a partir da erosão. Ele também teria aberto uma estrada para a fazenda sem autorização, como constatou um funcionário do Ibama.

O caso dormiu na Justiça por muitos anos, mas em 2009 foi parar nas mãos do ministro Joaquim Barbosa, do STF. Em 2009, o ministro cobrou a Procuradoria-Geral da República por lentidão excessiva no inquérito sobre o (então) deputado. A demora da PF poderia levar à prescrição do caso. Barbosa chegou a ameaçar o Ibama por “crime de desobediência” diante da demora em fornecer informações.

Temer disse que não participou da construção da estrada. Em entrevista à Folha do Meio Ambiente, em 2001, ele afirmou que tinha desistido da ação de usucapião. E que pretendia vender as terras, que só lhe estavam causando problemas. “Estou disposto até a transformar toda essa área em RPPN, uma vez que não tenho o menor interesse em sua exploração”, afirmou.

De fato, a posse deixou de aparecer na sua lista de bens ao TSE em 2006. Em 1998, presidente da Câmara dos Deputados, ele declarou “direitos possessórios” de metade da área, de aproximadamente 500 hectares. O valor declarado foi de R$ 48.578,09. Em 2002, esse item se repetiu em sua declaração eleitoral. Mas a essa altura ele tinha comprado de Luiz Antônio Schincariol a outra metade por R$ 10 mil.

Em carta à editora Contexto, em 2012, Michel Temer informou que já tinha vendido essa fazenda.

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