Entrega do governo Bolsonaro à iniciativa privada poderia enfraquecer capacidade de fiscalização pelo Estado brasileiro
Rafael Tatemoto, Brasil de Fato
O anúncio do governo Bolsonaro (PSL) de que pretende quebrar o monopólio estatal sobre a exploração do urânio, garantido pela Constituição brasileira, causa apreensão em organizações sociais e trabalhistas ligados à mineração. Isso porque a entrega para a iniciativa privada pode ampliar os ricos para a população e trabalhadores nas áreas onde o minério existe.
A informação foi dada no dia 4 de março pelo ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, em entrevista ao jornal Valor durante um encontro da indústria de mineração em Toronto. O Brasil é o sétimo maior produtor de urânio do mundo, atrás de Austrália, Cazaquistão, Rússia, África do Sul, Canadá e Estados Unidos.
Beniezio Eduardo de Carvalho, militante do Movimento pela Soberania Nacional na Mineração (MAM), lembra que o urânio tem características bastante especiais, por conta de sua utilidade em áreas complexas como a energia nuclear. De outro lado, a privatização coloca “em risco nosso povo”, já que a iniciativa privada tem protagonizado episódios recentes e graves na mineração. Em um minério envolvendo radioatividade, os efeitos poderiam ser ainda mais profundos.
“Hoje, a mineração de urânio é um monopólio estatal, controlado pelas Indústrias Nucleares do Brasil (INB). Esse propósito [de quebrar o monopólio] corresponde aos interesses desse governo controlado por uma visão entreguista. A proposta é muita grave, é um recurso mineral estratégico”, critica.
No Brasil, 99% do urânio é usado para geração de energia. O 1% restante é usado para medicina e agricultura. Esse elemento também pode ser usado para fabricação de armas nucleares, mas o Brasil não o utiliza para esse fim. As duas minas de extração de urânio no país ficam em Lagoa Real (BA) e Santa Quitéria (CE).
O ativista ressalta que, apesar da vedação constitucional, há diversas Propostas de Emenda Constitucional que pretendem alterar a regra, além de tentativas de burlar a proibição. No caso, por exemplo, do consórcio Santa Quitéria, no Ceará, as Indústrias Nucleares do Brasil (INB) se associaram ao grupo Galvani, privado. O Ibama, entretanto, não concedeu licença ambiental para o projeto.
Lourival Andrade, integrante da Rede Ibeids e da Ação Sindical Mineral, diz que é possível se associar a entes privados para a exploração do urânio, mas que o Estado deve manter um rígido controle sobre a atividade, o que já é inexistente atualmente.
“Eu acho que tem possibilidade de ter mais efetividade de aproveitamento do recurso natural com parcerias na iniciativa privada, mas controle e gestão de maneira nenhuma [o Estado pode abrir mão]. [O caminho é] O controle social para o controle estatal. Como? A comunidade organizada, com conhecimento tecnológico, com capacidade e direito de paralisação”, diz.
O sindicalista defende que haja agentes socioambientais da própria comunidade que sejam capacitados para fiscalizar a exploração de urânio. Além disso, é necessária a implementação imediata da Norma Regulamentadora número 22 da mineração. Essa regra estipula um Plano de Gestão de Risco elaborado pelos próprios trabalhadores da mineração e o direito de paralisação citado por Andrade, que cabe à Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) de unidades mineradoras.
Edição: Aline Carrijo.
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Imagem: Mina de Caetité, na Bahia: a maior do país / Marcelo Corrêa / INB