Onde o bolsonarismo vem conseguindo o que quer

Por Editorial da Ponte Jornalismo

Numa olhada rápida, pode parecer que o movimento que catapultou a extrema direita brasileira da irrelevância para um sucesso arrasa-quarteirão nas eleições do ano passado não teve até agora grandes consequências práticas. O governo federal parece tão perdido em suas brigas internas e na pauta dos assuntos irrelevantes, das doutrinações comunistas às lombadas eletrônicas, que está longe de conseguir emplacar pautas concretas.

No Congresso, a tramitação do projeto anticrime do ministro Sergio Moro perdeu prioridade em relação ao andamento da reforma da Previdência — e, desde a semana passada, parece que até esta pauta, tratada como prioridade absoluta pela elite empresarial que ajudou a colocar Bolsonaro no poder, subiu no telhado. Anunciada com estardalhaço, a ideia de uma operação Lava-Jato na Educação parece ter naufragado no golden shower da própria irrelevância. De um modo geral, o governo parece paralisado.

Mas talvez o clima gerado pelo bolsonarismo esteja fazendo o Brasil avançar, sim — na direção da barbárie e do Estado policial. Era algo que as pessoas que acompanham a situação dos direitos humanos no Brasil vinham apontando antes das eleições: num país que já tem uma tradição tão forte de violência contra os grupos mais vulnerabilizados, qual seria a consequência de eleger, na Presidência da República e nos governos dos estados, políticos que adotam uma retórica de apoio à tortura e ao assassinato que nem os generais da ditadura tinham coragem de usar publicamente? Só pode ser a mortandade.

Uma possível consequência pode ser observada no Rio de Janeiro, justamente o estado que elegeu o mais “bolsonarista” dos governadores, no sentido de que Wilson Witzel, como Bolsonaro, domina o talento para combinar irrelevância política e falta de ideias com retórica violenta. E não é que Witzel não decepcionou quem esperava pelo pior dele? Logo no começo do governo, por exemplo, fez questão de declarar apoio a um massacre de 15 jovens, com sinais de execução, feito no Morro do Fallet.

As consequências estão no sangue nas ruas e nas estatísticas oficiais: em fevereiro, os policiais militares fluminenses mataram mais do que nunca. Foram 305 mortes, uma a cada quatro horas e meia. É o maior número desde que o governo começou a fazer essa contagem. Como os homicídios praticados por civis estão em queda, a consequência é que, hoje, a cada três assassinatos praticados no Rio, um tem como autor um policial. É um padrão que foge a tudo o que se observa nos países democráticos.

E não se trata de policiais despreparados, nem de ações que fogem ao controle. Os observadores mais lúcidos sabem que a violência de Estado é direcionada contra pobres e negros, que isso é fruto de séculos de planejamento e que a decisão de matar ou deixar viver está justamente na base dos poderes estatais. “Na economia do poder, a função do racismo é regular a distribuição da morte e tornar possíveis as funções assassinas do Estado”, afirma o filósofo camaronense Achille Mbembe, na obra Necropolítica, mencionada neste perfil de Bruna Dias, mãe de Marcus Vinicius, morto aos 14 anos na Maré. Ao negar a humanidade de determinados grupos, o racismo permite realizar todo tipo de violência com esses corpos desumanizados, de espancamentos a massacres.

É o que estamos vivendo hoje. E tudo indica que vai piorar. É que já faz algum tempo, como disse a pesquisadora Lena Azevedo, da ONG Justiça Global, que o Rio virou “um laboratório de todo o mal”.

Imagem: Wilson Witzel em caminhada na zona oeste do Rio em 30/10/2018 | Foto: Tania Rego/Agência Brasil

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