Projeto lista dificuldades enfrentadas internacionalmente na desativação de usinas nucleares e busca estratégias para superá-las
Procuradoria-Geral da República
Uma iniciativa da Agência Internacional de Energia Atômica que auxilia países membros no descomissionamento de instalações nucleares e na remediação de áreas contaminadas contou com a participação de representante do Ministério Público Federal (MPF). A Reunião Técnica sobre a Fase II das Restrições à Implementação do Descomissionamento e Projeto de Remediação Ambiental, realizada em Viena, Áustria, teve, na tarde desta terça-feira (26), apresentação do procurador da República Lucas Gualtieri sobre o caso da Unidade de Tratamento de Minérios (UTM), situada no município de Caldas, sul de Minas Gerais. O descomissionamento é o processo de desmantelamento que ocorre no fim da vida útil das usinas. A remediação ambiental consiste em um conjunto de medidas destinadas a recuperar áreas contaminadas.
A barragem situada em Caldas contém material radioativo resultante da primeira mina de urânio explorada no Brasil. A exploração durou de 1982 a 1995 e, mesmo após o fim da mineração, remanescem no local a cava da mina contendo lama com resíduos radioativos, uma fábrica de beneficiamento de minério desativada, dezenas de equipamentos e uma barragem com milhares de metros cúbicos de rejeitos contendo urânio, tório e rádio. Em 2015, o MPF ingressou com uma ação civil pública (ACP) contra as Indústrias Nucleares Brasileiras (INB) para exigir a integral recuperação ambiental na área do empreendimento.
Lucas Gualtieri reforçou que, desde o início da ACP, não houve avanços em relação às medidas de descomissionamento e remediação da área. O procurador avaliou que a omissão se deve à inexistência de marcos legais e regulatórios no Brasil para a desativação de usinas. “Existem poucas regras específicas sobre o descomissionamento, e as normas sobre recuperação do meio ambiente são genéricas e não abrangem particularidades exigidas pela atividade nuclear”, destacou. Devido às deficiências da legislação, ponderou o procurador, as atividades são licenciadas sem a imposição de requisitos que possam contribuir para o descomissionamento no futuro, o que inclui a criação de um fundo para garantir o processo de desmantelamento.
Outros impedimentos para a desativação ideal foram citados: a falta de avaliação de risco e a priorização baseada em risco. Lucas Gualtieri apontou que as medidas concretas para o descomissionamento e a remediação ambiental da UTM Caldas não são claras. “Após mais de 20 anos desde o fechamento da mina, o plano de descomissionamento é mantido no nível conceitual, de não execução, e somente as atividades de manutenção foram realizadas”. O entendimento do procurador é o de que também faltam recursos para custear o descomissionamento e a remediação ambiental, o que, em grande parte, é causado pela falta de planejamento e pela legislação deficiente. “Também não há diálogo com a sociedade civil, fator que contribui para a falta de apoio do governo”, ressaltou Lucas Gualtieri, completando que não há independência suficiente entre a autoridade reguladora e a operadora, uma vez que a Comissão Nacional de Energia Nuclear é acionista majoritária e controladora das INB.
O procurador apresentou as medidas necessárias que possam solucionar o problema. Estabelecer uma estratégia clara que inclua ações concretas, prazos e custos envolvidos é uma das providências que podem ser tomadas. Além disso, de acordo com Gualtieri, é fundamental desenvolver um plano de comunicação capaz de engajar os stakeholders, incluindo a sociedade civil, de forma a contribuir para o processo de tomada de decisão. “A partir dessas premissas, o MPF entende que o Estado brasileiro poderá preservar, de forma equilibrada, o meio ambiente, o patrimônio público e os interesses nacionais, a fim de cumprir o que dispõe a Constituição e o ordenamento jurídico”, finalizou Lucas Gualtieri.
A reunião em Viena continua até esta sexta-feira (29), com apresentações de representantes de diversos países. A participação do MPF no evento foi viabilizada pela Secretaria de Cooperação Internacional da Procuradoria-Geral da República (SCI/PGR).
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Foto: Arquivo pessoal