MPF recorre ao TRF4 para obter suspensão da licença ambiental do Projeto Retiro

Em uma das ações, recurso defende o meio ambiente e a ordem jurídica violada pelo Ibama; na outra, as comunidades tradicionais de pescadores artesanais

Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul

Nesta quarta-feira (27), o Ministério Público Federal (MPF) interpôs recursos de agravo de instrumento contra decisões da 2ª Vara Federal de Rio Grande (RS), que negaram os pedidos liminares formulados em duas ações civis públicas movidas contra o Ibama e a empresa Rio Grande Mineração (RGM). Em uma das ações civis públicas, o MPF busca a defesa do meio ambiente e da ordem jurídica violada pelo Ibama, inclusive quanto aos direitos à informação e à participação do público no licenciamento ambiental do projeto. Na outra, o MPF tem em vista a defesa das comunidades tradicionais de pescadores artesanais presentes na área a ser diretamente afetada pelo empreendimento e no seu entorno, às quais foi sonegado pelo Ibama o direito à consulta prévia informada.

O “Projeto Retiro” tem em vista o aproveitamento econômico de titânio no município de São José do Norte, numa extensão aproximada de 30 Km x 1,6 Km, com o revolvimento de cerca de 13,75 milhões de m³, em um ambiente muito frágil, de baixa resiliência e alta vulnerabilidade a lesões de grande magnitude, onde vivem espécies ameaçadas de extinção.

O Ibama foi alertado pelo Ministério Público Federal, por meio de recomendações expedidas em 2016, de que a insuficiência do EIA/Rima e de suas complementações, assim como as graves falhas do Plano de Recuperação da Área Degradada (Prad), além de invalidar todo o procedimento de licenciamento ambiental, impedia juízo seguro acerca da viabilidade ambiental do projeto. Não obstante, o Ibama emitiu licença prévia para o projeto, em junho de 2017, e sem observar o direito das comunidades tradicionais de pescadores artesanais presentes na área visada pela mineração à consulta prévia. O pedido de suspensão de liminar dos efeitos da licença foi negado pela Justiça Federal de Rio Grande sob o argumento de que, como se trata ainda de licença prévia, e esta não autoriza qualquer intervenção concreta na área pretendida pelo empreendimento minerário, não haveria risco ao meio ambiente, ao menos não no presente momento, de modo que ausente um dos requisitos para a concessão da medida.

Segundo a procuradora da República Anelise Becker, porém, embora a licença prévia se situe na fase preliminar do empreendimento, limitando-se a aprovar sua localização e concepção, isto não torna menor a sua importância. Pelo contrário, inclinando-se todo o direito ambiental em favor da prevenção, é justamente a fase de planejamento a mais exigente de atenção, por ser a mais propícia à efetiva prevenção de danos. E, exatamente por aprovar a localização e concepção do empreendimento proposto, é por meio da outorga da licença prévia que o órgão ambiental atesta a sua viabilidade ambiental e estabelece requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas fases subsequentes da implantação. Assim, bastará ao empreendedor cumprir as condicionantes nela previstas para habilitar-se à obtenção da licença de instalação, de modo que a consumação do dano já se encontra desde logo anunciada, uma vez que as condicionantes previstas na LP 546/2017, por serem baseadas em estudos incompletos e não suficientemente supridos, não bastam para assegurar, de fato, sua viabilidade ambiental. Por isso, não há sentido em esperar pela emissão da licença de instalação para reconhecer a urgência no deferimento do pedido do MPF.

Destaca a procuradora, que o Prad apresentado pelo empreendedor, e aprovado pelo Ibama, se baseia em estratégias muito genéricas, não contém um “plano preestabelecido para o uso do solo” nem um cronograma físico e financeiro de execução dos trabalhos de recuperação, sendo incerto o tempo que o ecossistema poderá levar para recuperar suas características, de modo que não apresenta garantias para a efetiva recuperação ambiental da área. Registra ainda a procuradora que o próprio Ibama reconhece que o empreendedor assume ter dúvidas quanto à garantia da possibilidade de utilização futura da área, o que se agrava pelo fato de a licença prévia não obrigá-lo a recuperar integralmente a área degradada. Por outro lado, embora a mesma licença preveja o bloqueio de áreas alagáveis à mineração, já estabelece que essa restrição poderá ser revista no futuro, fragilizando-a completamente.

Os recursos foram distribuídos à 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Imagem: Em São José do Norte, projeto quer extrair titânio e zircônio, entre outros minerais, em uma faixa entre a Lagoa dos Patos e o Oceano Atlântico. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

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