Militante fala em livro sobre a produção ecológica de arroz dentro do MST
Por Maura Silva, na Página do MST
Lançado pela Editora Expressão Popular, durante a 16ª Festa da Colheita do Arroz Agroecológico, no Rio Grande do Sul, o livro: “A produção ecológica do arroz e a Reforma Agrária Popular”, de Adalberto Martins, que integra a coordenação do setor de produção do MST, é uma análise do processo produtivo que transformou o MST no maior produtor de arroz orgânico da América Latina. O livro trata o modelo de produção do MST como uma prática social que mostra como um outro caminho de produção é possível.
Abaixo, confira uma conversa com o autor, que nos falou um pouco sobre esse método produtivo e sobre como ele é estruturado dentro do Movimento.
Como surge o atual modelo de produção do arroz agroecológico do MST?
A produção agroecológica de arroz na região metropolitana de Porto Alegre, começa, sobretudo, em função de uma grande crise econômica que nós vamos vivenciar na rizicultura no final dos anos 90. Em 1999, por uma série de razões, o preço do arroz caiu muito no Brasil em especial no Rio Grande do Sul, que é o maior produtor de do país. Isso fez com que os assentados e os arrendatários deixassem de se interessar por essa atividade em função da baixo lucratividade. Diante desse cenário, algumas famílias e algumas cooperativas, em especial, as cooperativas coletivas que o MST já tinha organizado na região, passaram a desenvolver experiências utilizando a água como principal método de controle de insetos e de doenças. Esse movimento inicial começa em pequenas áreas, com poucas famílias e insumos. A partir daí, esse processo vai se caracterizando pela sua viabilidade e, por volta de 2003, as famílias reúnem-se e constroem uma coisa chamada ‘Grupo Gestor do Arroz Ecológico’, essa articulação passa a ser uma metodologia de gestão que hoje está muito consolidada.
Isso abriu caminho para a consolidação da produção que vemos hoje?
Sim. Foi nesse espaço que o MST se deu conta de que era possível ampliar a produção agroecológica e realizá-la efetivamente. A partir disso, em 2003, a Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre (Cootap) que era uma cooperativa que já existia, se restabelece e se repactua de forma ecológica. Nesse processo os agricultores pesquisaram, conheceram outras experiências e realizaram intercâmbios com outros produtores que já produziam agroecologicamente, tudo isso vai dando o arcabouço técnico-cientifico dessa experiência. Assim, começa o processo, que é todo partilhado. E hoje, após 19 anos de experiência, a produção de arroz agroecológico já transborda para outras regiões do estado.
E qual a principal característica desse processo?
Hoje, cerca de 500 famílias produzem anualmente cinco mil sacas de arroz em aproximadamente cinco mil hectares de lavoura. Esse instrumento de gestão está todo nas mãos dos assentados. O controle do processo técnico-científico, inclusive a certificação, gera uma nova territorialidade, essa é a novidade. E, essa nova territorialidade, gera uma nova conduta ético-política dentro do Movimento, isso marca o que chamamos de resistência ativa que, dentre outras coisas, é também a denúncia das contradições da matriz técnico-produtiva do agronegócio.
Nesse sentido, a resistência ativa se dá na consolidação de alternativas à agricultura do agronegócio?
A resistência ativa é a negação enquanto prática dessa atual forma de produção vinda do agronegócio. Não só do ponto de vista de sustentação e experiência, mas, sobretudo, pelas relações que ali se reproduzem. Essas famílias estabeleceram em seu cotidiano uma opção pela produção agroecológica — elas poderiam produzir convencionalmente, arrendar à terra — mas elas decidiram plantar, assumir o processo de gestão participativa e compartilhada com as outras famílias. Com essa escolha elas afirmam condutas e um caminho societário que nos remete ao que existe de melhor no gênero humano. Ela extrapola, rompe a mesquinhez do pequeno burgues, isso gera uma nova ética que se expressa pela satisfação que as famílias têm de oferecer para sociedade um produto agroecológico de auto valor nutritivo e de qualidade.
Logo, podemos afirmar que todo o processo produtivo do Movimento está orientado por um processo político?
Desde a semente, passando pela discussão do manejo de condução das lavouras, domínio do processo produtivo, colheita, armazenamento, beneficiamento, marca e comercialização. Todos os elos do processo são controlados pelas famílias a partir do grupo gestor. Esse é um processo democrático e popular que tem todo esforço coletivo balizado. Esses são os pilares que não podem ser reproduzidos pelo capital, essa é a resistência ativa, a reafirmação de algo que nega no fazer cotidiano das famílias a lógica do capital. Esse embrião de uma nova forma societária nos dá dicas de que é possível organizar a produção da vida e do bem comum de formas diferentes. Todo esse esforço tem uma particularidade que você não encontra em outras organizações camponesas. O MST dá a identidade Sem Terra aos processos, e isso está orientado por um projeto político. É uma organização política dirigindo esse esforço produtivo através de um projeto que é a Reforma Agrária Popular. É uma organização camponesa que influi, dialoga e está no dia a dia das famílias. E é esse projeto de Reforma Agrária Popular que inspira e motiva essas famílias a seguir.
E qual a ameaça que o despreparo do atual governo representa para toda essa produção que hoje é uma das maiores do mundo?
Com esse conjunto de retrocessos vividos nos últimos três anos não podemos dizer que está dada uma perspectiva de avanço. Esse é um projeto em disputa, e, como tal, existem outras forças sociais que trabalham para negar esse processo. Nós disputamos esse projeto através da resistência ativa e isso é feito com um conglomerado de base popular, democrático, equitativo, dirigido por uma organização que tem base política, por isso, temos força, mas, só isso, não nos dá a certeza de êxito porque existem nesse mesmo território as forças do capital operando. Então veja, nós podemos avançar, no entanto, existem forças sociais que também tentam desestruturar e bloquear essas experiências. Seja no terreno econômico, político ou ideológico. Ainda assim, todo esse processo nos indica que esse é o caminho de diálogo com a sociedade brasileira e qual a função que à terra tem que cumprir.